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Reportagem

Ensino à distância "é muito curto". “O mais importante é pensar como vão ser os próximos dois anos”

01 fev, 2021 - 18:00 • Vítor Mesquita

As famílias portuguesas começam a preparar-se para o regresso do ensino à distância, a partir de 8 de fevereiro. A Renascença falou com as famílias Afonso e Santos, que por estes dias estão a ultimar a logística para as aulas não presenciais.

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Tânia e Óscar Afonso são pais de Salvador, de 5 anos, e Santiago, de 9. Estão ambos em casa com o pai, que está em teletrabalho. O filho mais velho começa a dar sinais de irritação com o regresso às aulas online. Os encarregados de educação querem mais apoio da escola e uma nova estratégia pedagógica. Sentem que o filho não aprende da mesma forma.

É com ansiedade que o pequeno Santiago recebe a notícia do regresso às aulas online. “Ele já sabe o que se passou da outra vez”, lamenta o pai, Óscar Afonso, que encara as próximas semanas com pessimismo.

Sem informação sobre eventuais mudanças na estratégia pedagógica da escola, os pais de Santiago - aluno do quarto ano - consideram que as aulas online deixam a criança um pouco entregue a si própria durante a semana. A gerir um tempo diferente do das aulas.

Tânia Afonso, a mãe, conclui que o processo de aprendizagem vai voltar a ser afetado. Faz um “balanço muito negativo em termos de aprendizagem, no primeiro confinamento. O que aprenderam, muito espremido, é muito curto. Numa das avaliações que fez este ano, o professor incluiu matéria do 3.º ano e ele é um bom aluno e na matéria que, teoricamente, aprenderam durante o outro confinamento o resultado foi muito aquém do potencial dele e daquilo que ele é capaz de apreender. Estamos a falar de passar de “Muito bom” para “Suficiente” nessas matérias. Na turma aconteceu com outros”.

“É preciso ir mais além”

Os pais de Santiago, um dos dois filhos do casal, contam que “para ele é uma frustração ter telescola. É o trazer a escola, que é a obrigação, para o local de descanso, onde se brinca, onde estamos à vontade. Se para nos é difícil fazer a gestão, para eles muito mais. Ele está na escola das 9h00 às 17h00 e eu, muitas vezes, chegava a casa às 19h00 e ele ainda andava à volta das fichas. Não consegue controlar o tempo como na escola”.

A criança, de 9 anos, frequenta a Escola Básica Quinta de S. Gens, na Senhora da Hora, Matosinhos, e os pais dizem não ter recebido ainda qualquer indicação sobre uma estratégia para ultrapassar as dificuldades. A única coisa foi uma conversa com o professor que “nos disse que já tinha notado isso nele, nas reuniões que tinham, mas referiu que iam ter que recuperar isso depois quando voltassem às aulas”, revelam.

Tânia Afonso considera fundamental olhar para lá deste período. Defende que “tão, ou mais importante do que preparar este estudo online é o perspetivar os próximos anos letivos e perceber que todos os alunos que estão no ensino entre 2020 e 2021 vão com lacunas”.

Os pais de Santiago entendem que este tipo de ensino tem que ser repensado, os programas têm que ser repensados. “Os alunos, neste caso o nosso, vai para o 5.º ano sem as bases com que era suposto ir. Se calhar mais importante do que pensar como vai ser o próximo mês, ou os próximos dois meses é pensar como vão ser os próximos dois ou três anos. Isso preocupa-me mais do que os próximos dois meses.


Mãe de quatro pronta para aulas online. “Se for necessário tenho um plano b”

Com dois computadores emprestados pela escola, Selma Santos aproveita as lições do anterior confinamento e define uma estratégia para manter os filhos atentos às aulas. Houve necessidade de alterações logísticas em casa. O Wi-Fi foi reforçado. Em teletrabalho tem que dividir pela casa para que nada falhe.

Com quatro filhos a cargo, Selma Filipa Santos, comercial numa empresa de bebidas, em teletrabalho, garante que tem “tudo organizado” para o regresso do ensino não presencial.

“Neste momento posso dizer que sim, tenho tudo organizado. E, se for necessário, já tenho um plano b. Do primeiro confinamento para este fiz algumas alterações logísticas, na perspetiva de poder vir a ter que enfrentar esta situação. Já reformulei o escritório e consigo lá por dois computadores” conta.

Pensa também no conforto e na eficácia da aprendizagem. “Como não quero os miúdos sempre enfiados no quarto, são quatro, estou a pensar pôr dois aqui na sala, divididos. Tenho um plano b. Se vir que está muita confusão vai ter que ficar numa secretária num dos quartos para conseguirem estar calamos e serenos sem barulho para assistirem às aulas”.

No ano passado, “recorri à empresa que me facultou dois computadores, porque só tinha um. Com mais dois ficaram três e a miúda tinha o tablet, que foi orientando. Ele fazia os trabalhos na altura em que os irmãos não tinham aulas.

Selma diz ainda à Renascença que houve necessidade de reforçar os computadores e o sistema de Wi-Fi.” A organização também é outra. “Adquiri mais um PC, tenho dois. Dos 100 mil que vieram do ministério para as escolas, os meus filhos tinham direito a dois e eu aceitei. Da outra vez não recorri à escola porque ter conseguido resolver. Desta vez aceitei e já estavam disponíveis antes do primeiro-ministro ter informado da pausa letiva”.

Elogios à escola e ao processo de empréstimos de computadores

Dos quatro filhos que Selma tem a cargo, a mais nova tem 12, seguem-se três rapazes com 15, 16 e 18. Andam todos na Escola Secundária da Maia, entre os 7.º, 10.º, 11.º e 12.º anos.

“Só os alunos do secundário é que tinham direito a portáteis nesta primeira fase. O processo correu muito bem. A partir do momento em que a escola ligou era só os pais terem disponibilidade para irem lá buscá-los. Foi muito prático”, conta Selma Santos.

Esta comercial da Maia, divorciada, considera que o contrato dos computadores não é nada que os pais tenham que temer. “Digo isso porque sei que há pessoas que ficam reticentes de trazer porque é emprestado e pode acontecer alguma coisa. Só somos responsabilizados se houver mau uso e eu acho que os miúdos precisam daquilo para estudar, os pais têm que ser responsáveis. No meu caso estou tranquila”, garante.

Esta encarregada de educação sente também o acompanhamento por parte da escola. “Desde o momento em que foram informados de que as aulas online iam começar dia 8 eu tenho acesso ao e-mail dos meus filhos e vi que os professores já começaram a contactar. Eles têm um e-mail próprio da instituição e já receberam contactos de uma boa parte dos docentes, com instruções sobre o arranque das aulas, com a preparação de convites, para depois arrancar as aulas que serão 50% síncronas e as restantes assíncronas.

Durante a pausa letiva houve bastante acompanhamento por parte dos docentes com envio de recomendações, pedidos para “não desligarem”, dando conselhos sobre o que deveriam ir fazendo.

“Estiveram sempre presentes” revela. Sobre aprendizagem, sentiu “dificuldades nuns filhos, noutros não”. “A minha filha mais nova era uma aluna que vinha já do projeto Super TABi, trabalhava com material digital e conseguiu ultrapassar com sucesso todas as diferenças. Entre o fim do 6.º ano agora no 7.º não tive que me preocupar. Já com o meu filho que estava no 10.º, em Mecânica, Ensino Profissional, as aulas práticas fazem falta. Ele sente falta de trabalhar na prática. Quando vieram para casa ele disse eu não quero que a escola feche”. E acrescenta que “ele estava interessado e entusiasmado, noto dificuldades”.

A estratégia pedagógica não irá mudar, mas Selma Santos espera “que haja algumas alterações. Houve disciplinas que ficaram esquecidas no outro confinamento. Os professores não estavam preparados, não estavam à vontade. Sei que eles se têm vindo a preparar, mas no ano passado uma questão geracional e de inadaptação limitou os professores mais velhos, mas acredito que isso já esteja ultrapassado”.

E como é gerir quatro filhos em casa, estando em teletrabalho? Selma Santos confessa que é uma missão complicada. “Estou em teletrabalho e não é fácil. Tenho que vigiar o que eles estão a fazer, mas vai-se organizado e felizmente os meus filhos são cumpridores. O meu papel é importante, há responsabilidade, mas os meus filhos, agradeço-lhes, são cumpridores”. No entanto, assume, “acordar às oito da manhã, no dia 8, é que vai ser mais difícil”.

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