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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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Não desperdiçar dinheiro da UE

27 jan, 2021 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Iremos receber três ou quatro vezes mais dinheiro de Bruxelas do que era habitual. Será possível não desperdiçar boa parte desse dinheiro de que tanto necessitamos? Há apoios sociais europeus que não fomos capazes de utilizar. E os apoios a empresas terão de funcionar com a máxima transparência possível, justificando publicamente as decisões tomadas.

“Não basta dizer que não pode ninguém ficar para trás, é preciso diminuir as desigualdades que se agravaram, entretanto. É preciso que aqueles que estão para trás se aproximem daqueles que estão em posição privilegiada.” Esta frase é do reeleito Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa e foi dita numa entrevista ao jornal “La Voz de Galicia”. Numa outra entrevista quase simultânea, esta da Renascença e da agência “Ecclesia” ao Pe. José Maia, antigo presidente da Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social (CNIS), o entrevistado lamenta que em 2020 o Estado português só tenha sido capaz de utilizar um terço das ajudas sociais da UE a que o país que tinha direito. “Os outros (apoios) não foram requisitados. Não faz sentido”.

De facto, é estranho que um país onde a pobreza e as desigualdades aumentam por causa da pandemia se desperdicem ajudas sociais importantes. “O Estado é calaceiro (preguiçoso)... O nosso Estado não funciona”, comenta o Pe. José Maia. É verdade que funciona mal, como se tem visto na desorganização do combate à pandemia. Por exemplo, quando num hospital se atinge o limite de camas para internados, são muitas vezes os médicos quem tenta encontrar, através de tentativas telefónicas, um outro hospital para onde possam ser enviados os doentes que ali já não têm lugar – em vez de existir uma entidade que centralmente e por computador tome on-line e em poucos minutos essas decisões.

Como é bem conhecido, nós, portugueses, somos óptimos a improvisar, mas péssimos a organizar. Por outro lado, os funcionários públicos, outrora um emprego socialmente muito desejável, são cada vez mais insuficientemente pagos. Sobretudo os quadros, que encontram no sector privado melhores remunerações. Daí a tendência para a crescente baixa qualidade dos serviços do Estado.

Como seremos então capazes de aproveitar a sério a quantidade de dinheiro que virá da UE? Quanto a apoios sociais, já aqui defendi que devem ser utilizadas as IPSS, que estão no terreno e conhecem quem mais precisa de ajuda. Relativamente aos apoios a empresas, terá de haver uma coordenação entre organismos políticos e administrativos, por um lado, e o mercado, por outro.

Esses organismos deverão dar garantias de que não escolhem as empresas a apoiar em função de simpatias político-partidárias ou outras. O que implica que funcionem com a máxima transparência possível e justifiquem publicamente as decisões que tomarem. E porquê o mercado, perguntarão os adeptos de uma economia colectivista? Porque só o mercado poderá dar indicações úteis sobre se uma empresa é viável a prazo, embora esteja em dificuldades financeiras, ou se, caso seja inviável, não deva receber ajudas.

Durante longos anos os bancos em Portugal mantiveram nos seus balanços empréstimos empresariais que uma análise séria revelaria serem inevitavelmente casos de crédito malparado. Também se mantiveram a funcionar empresas inviáveis, alegadamente para travar o desemprego. O que contribuiu, e muito, para que a estrutura empresarial portuguesa não se modernizasse a um ritmo razoável.

Depois de aderir à CEE, em 1986, Portugal recebeu mais dinheiro em fundos de Bruxelas do que aquilo que inicialmente se esperava. Uma bênção? Sim, até certa altura. Quando aquelas necessidades mais óbvias ficaram satisfeitas (autoestradas, saneamento básico, levar a rede eléctrica a toda o território, etc.), alguns projetos passaram a ser financiados apenas porque o dinheiro estava ali e era preciso aproveitá-lo para que a UE não nos cortasse apoios em anos seguintes. Uma cabal análise de custos/benefícios poucas vezes foi realizada – daí o presente excesso de autoestradas. Ora isso nada beneficiou a modernização da economia portuguesa, pois manteve demasiadas empresas “fantasmas”.

Agora iremos receber três ou quatro vezes mais dinheiro de Bruxelas do que era habitual. Será possível não desperdiçar boa parte desse dinheiro de que tanto necessitamos?

Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus

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