25 jan, 2021
Portugal conseguiu escapar, durante a corrente presidência semestral da UE, a alguns problemas comunitários, que foram ultrapassados ou, pelo menos, adiados para o longo prazo, pela anterior presidência alemã. Entre as questões que a presidência portuguesa é suposta tentar resolver está o conflito entre a Turquia e a Grécia, que se agravou desde o verão passado. Creio que será difícil atingir esse objetivo. Por três motivos: por ser um conflito muito antigo, porque Erdogan assume agora uma postura agressiva antiocidental e porque a chamada PESC (Política Externa e de Segurança Comum) da UE é ainda mais um esperança do que uma realidade.
Como aqui escrevi em setembro passado, conta pelo menos dois séculos a hostilidade entre gregos e turcos. No início do séc. XIX a Grécia procurou libertar-se da colonização otomana. Várias personalidades europeias, como o poeta britânico Byron, foram para a Grécia combater os otomanos (hoje chamados turcos), em nome da enorme contribuição da Grécia antiga para a civilização ocidental. Em 1833 nasceu a Grécia moderna, como estado independente.
A Turquia é ainda mais recente como país independente; surge com a derrota do império otomano na I guerra mundial. O seu líder, Ataturk, era um militar que se distinguira a combater o exército britânico. Ataturk e os militares turcos procuraram construir um estado secular, não dependente da lei islâmica. E conseguiram-no durante muitas décadas. Erdogan, o atual presidente turco, eliminou essa tradição.
Apresentando-se como um islâmico moderado, Erdogan foi dez anos primeiro-ministro. Mas foi tomado pela ambição de ser Presidente da República, com poderes quase ditatoriais, ambição que concretizou. Reduziu quase totalmente a influência dos militares na vida política turca e tornou-se um islâmico mais assertivo. Para isso terá contribuído a falhada adesão do seu país à Europa comunitária. Aliás, vários países da UE, como a Áustria, sempre se manifestaram contra a entrada da Turquia.
Possuidor das forças armadas mais importantes da NATO, a seguir aos EUA, Erdogan pretende agora liderar vários países islâmicos sunitas, afastando-se da Europa. É um complicado problema para a NATO e também para a UE. Chipre aderiu à UE em 2004. Mas só pouco mais de metade da ilha o fez – a outra parte, ocupada pela Turquia desde 1974, recusou entrar na UE.
Erdogan interfere na maior parte dos conflitos no que considera ser a sua zona de influência – Síria, Líbia, países bálticos, Azerbaijão-Arménia, etc. A Turquia pesquisa petróleo no mar junto à parte turca de Chipre e pretende estender essa atividade para águas territoriais da Grécia. Em setembro parecia eminente uma nova guerra grego-turca, até porque a Turquia enviou navios de guerra e aviões para áreas do Mediterrâneo com potencial em petróleo e gás natural.
Na UE Macron tomou abertamente a defesa da Grécia neste conflito. A França tem vindo a intervir em crises na África central, provocadas por radicais que usam os métodos bárbaros do “Estado Islâmico”. Mas os franceses isolados não têm poder militar suficiente para enfrentar a Turquia, caso o quisessem fazer. A UE proclama há muito ter uma política de segurança e defesa comum, mas de facto ela é mais uma aspiração do que uma realidade. Sobretudo falta-lhe uma defesa militar credível. Daí os limites de uma intervenção pacificadora da UE no conflito Grécia-Turquia.
Julgo que Portugal o mais que poderá obter na sua presidência será adiar um possível conflito armado entre dois membros da NATO, Grécia e Turquia, sendo que a Grécia é Estado membro da Europa comunitária desde 1981. Mas convém não subestimar a agressividade de Erdogan, estimulada pela crise económica que o país atravessa.
Este conteúdo é feito no âmbito da parceria Renascença/Euranet Plus – Rede Europeia de Rádios. Veja todos os conteúdos Renascença/Euranet Plus