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​Ordem dos Médicos: Sem profissionais de pouco servem mais camas para doentes Covid

23 jan, 2021 - 23:52 • Ana Carrilho

Em entrevista à Renascença, o presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos admite que, face à falta de meios, os médicos se vejam confrontados cada vez mais com a necessidade de decidir a que doentes vão prestar cuidados. Carlos Cortes define o atual momento como “dramático”.

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Carlos Cortes, presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, considera que se está a enviar uma mensagem errada quando se anunciam todos os dias novas camas, nomeadamente em cuidados intensivos, para receber doentes Covid-19.

“Não somos, obviamente, contra o aumento do número de camas. Mas se não for acompanhado do reforço de recursos humanos qualificados e diferenciados para tratar das pessoas, não serve de nada. Está-se a criar na opinião pública uma falsa ideia de segurança”, diz em entrevista à Renascença.

Nas unidades de cuidados intensivos (UCI), devia existir um médico para cada oito camas. Numa situação de pandemia tão complicada como a que vivemos, não é isso que acontece. “O rácio pode aumentar, mas não é elástico. A qualidade de serviços prestados nunca poderá ser a mesma porque não há profissionais suficientes”, afirma o presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos.

Por isso, Carlos Cortes considera que o Ministério da Saúde tem de arranjar recursos para poder colocar médicos, enfermeiros, auxiliares nessas UCI. Terá de usar todos os meios. Poderá passar pela “importação” de médicos, mas por cá, também há profissionais que podem dar apoio e que estão com outras tarefas.

Por outro lado, os estudantes de Medicina – e não apenas os do 6.º ano – também podem dar o seu contributo. Segundo Carlos Cortes, tanto as faculdades - nomeadamente de Coimbra - como os estudantes já manifestaram disponibilidade para o fazer. A Administração Regional de Saúde (ARS) do Centro também já terá mostrado abertura.

Uma das áreas em que os alunos de Medicina podem dar uma boa ajuda, “devidamente enquadrados e supervisionados”, é nos inquéritos epidemiológicos, “que estão muito atrasados e que são fundamentais para fazermos o rastreamento dos contactos dos doentes infetados”.

O problema é que as decisões demoram, “todos os dias temos milhares de novos infetados, centenas de mortos e temos que ser mais céleres a decidir”, sublinha Carlos Cortes.

Além disso o dirigente da Ordem dos Médicos defende que é preciso ir buscar ajuda onde ela está disponível e aproveitar todas as ofertas, incluindo as externas. Por exemplo, a disponibilidade manifestada nos últimos dias pelo Governo do Luxemburgo para receber doentes portugueses.


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Médicos têm de tomar decisões difíceis quando os meios faltam

Há doentes e famílias que referem ter sido confrontados com a informação de poderem não ser considerados “prioritários” no acesso aos meios, tendo como base a idade avançada ou as comorbilidades associadas.

Reconhecendo o dramatismo da situação, Carlos Cortes sublinha que a pressão sobre o sistema de saúde, e especialmente sobre os cuidados intensivos com casos cada vez mais graves, levará a uma enorme dificuldade para que todos estes doentes tenham acesso aos meios como tinham há uns meses.

“São decisões extremamente complexas, muito difíceis, que causam um grande sofrimento ético a quem tem de as tomar. Vivemos momentos dramáticos.”

A Ordem dos Médicos defende que, rapidamente, tem de ser feita uma reorganização do funcionamento das UCI e aproveitar toda a ajuda. “Senão, essas questões que referiu (a “escolha”) podem vir a colocar-se com muita frequência aos profissionais de saúde. A situação está muito complicada”, alerta.

“Há muita fadiga e pessoas esgotadas”

“Coragem” foi a palavra usada por Carlos Cortes para definir o momento e a atitude que médicos, enfermeiros, auxiliares e outros profissionais têm para enfrentar a pandemia. “Há muita fadiga, as pessoas estão esgotadas, estão em “burnout” e isso é grave, é muito problemático. Têm de ir para casa, de baixa (por doença). E são precisas nos serviços”.

O presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos afirma que, neste momento, a saúde mental do pessoal da saúde já é um grande problema.


No Centro, a Ordem criou há sete anos um serviço de apoio aos médicos, mas durante a pandemia – e sobretudo nos últimos tempos – a procura “cresceu exponencialmente”, temos dezenas de pedidos”. Com a ajuda da ARS do Centro, esse apoio psiquiátrico e psicológico e salvaguardando toda a privacidade, foi alargado também a outros profissionais de saúde.

Carlos Cortes admite que é sempre difícil pedir ajuda, sobretudo quando já se entrou em esgotamento, quando as pessoas estão cansadas, “o que é normal quando se fazem vários turnos seguidos durante meses a fio”. Mas há quem avance. E também há casos em que são os colegas a sinalizar pessoas que estão a precisar de apoio.

“Respeito pela Vida”

Portugal está “top mundial” da Covid-19 pelos piores motivos. Os recordes de mortes e novos infetados são batidos sistematicamente há vários dias. Os dados deste sábado trouxeram um novo máximo de 274 mortos e mais de 15.300 novos infetados. Já se contam mais de 10 mil óbitos desde o início da pandemia.

Quase seis mil pessoas estão internadas, 720 das quais em cuidados intensivos. Apesar do aumento do aumento de 1.600 camas afetas à Covid-19 na última semana, a ocupação em enfermaria já ultrapassa os 96%.

Por isso, Carlos Cortes considera inacreditável que as pessoas quase se tenham habituado ao crescimento diário sem lhe dar a devida importância e em muitos casos, sem cumprir as regras mínimas de recolhimento, uso de máscara, a desinfeção das mãos, redução de contactos, querendo manter hábitos pré-pandemia.

No Verão a Secção do Centro da OM lançou a campanha “Respeito pela Vida”, como objetivo de chamar a atenção para a responsabilidade de cada um. Por um lado, respeito pela própria vida; por outro, respeito pela vida dos outros, nomeadamente, pelos mais vulneráveis como doentes crónicos ou idosos.

“Tem de haver uma consciencialização das pessoas. O cidadão é obrigado a cumprir as regras; cumprir não é uma opção, é uma obrigação. Mas também é preciso um maior investimento na vigilância e na fiscalização nas ruas, punindo quem não cumpre”, diz Carlos Cortes, que defende que todas as restrições (baseadas na ciência) que contribuam para quebrar as cadeias de transmissão do vírus são bem-vindas.

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  • José J C Cruz Pinto
    24 jan, 2021 ILHAVO 05:01
    É bem verdade! Mas por que é que há tantos médicos (e enfermeiros também) que, mal saem da casca do ovo, querem logo condições e salários não portugueses? Os outros profissionais de todo o tipo - engenheiros e todos os outros - também ganham (no início, como em geral toda a vida) salários portugueses. Claro que é inteiramente legítimo querer sempre mais e melhor (e por isso é que, em democracia, não é proibido emigrar), mas então, no fim do curso, paguem ao Estado o custo integral da sua formação e, depois, que vão à sua vida, ... que parece ter muito pouco que ver com a de nós todos. Chega assim?

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