Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Aniversário da Sedes

“Só é possível sair desta crise profunda com consensos ao centro”

04 dez, 2020 - 07:22 • Eunice Lourenço

A Sedes celebra 50 anos com apelos à moderação e anuncia que vai apresentar uma proposta para a próxima década de Portugal.

A+ / A-

Há 50 anos que a Sedes - Associação para o Desenvolvimento e Económico e Social ajuda a pensar o país. É um grupo de reflexão, fundado em plena "primavera marcelista", onde se juntam o centro-esquerda, o centro-direita e os liberais.

Nesta sexta-feira, a Sedes celebra os 50 anos com uma sessão em que presta homenagem aos fundadores e que conta com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

Em entrevista à Renascença, o médico socialista Álvaro Beleza, atual presidente da Sedes, diz que esta associação cívica continua a ser um espaço de sabedoria e moderação, anuncia um congresso em outubro e uma proposta estratégica para Portugal.


Como vão celebrar este aniversário?

Faz esta sexta-feira, exatamente, 50 anos que foi feita a escritura pública da Sedes, a 4 de dezembro de 1970 por 147 fundadores. Vamos homenagear os fundadores, os que estão cá connosco e aqueles que, infelizmente, já não estão connosco, mas fundamentalmente vamos celebrar a fundação da Sedes e dizer que a Sedes está viva, que tem presente e que tem futuro.

Vamos falar também do presente e do futuro, do congresso que vamos organizar no próximo ano em outubro, mas vamo-nos focar nos pais fundadores da Sedes, que criaram esta associação que anda há 50 anos a pensar Portugal e que teve, entre os seus membros e sócios, grande parte dos governantes dos últimos 50 anos, dos empresários, economistas, jornalistas… O Francisco Sarsfield Cabral, ilustre jornalista da Renascença, é um dos pais fundadores da Sedes.

Como é que explica a durabilidade da Sedes, uma associação que nasceu ainda em ditadura, atravessou o período revolucionário e hoje se mantém ativa na sociedade portuguesa?

É um “think tank” da sociedade civil e explica-se porque, como costumo dizer, é um exército de sabedoria e inteligência; são pessoas muito sabedoras nas suas várias áreas, do centro-direita e do centro-esquerda.

A Sedes é o centro reformista, é onde se encontram o centro, a social-democracia, os socialistas democráticos, os liberais que defendem o Estado liberal e democrático que nós temos e que tem vindo a debater de forma tranquila, mas com consistência e com rigor, o país.

Aqui estão os que defenderam há 50 anos a entrada de Portugal na Europa, defenderam há 50 anos que Portugal fosse uma democracia parlamentar como é e que defenderam que Portugal tivesse um Estado social como tem, nomeadamente na saúde, onde se está agora a viver estar tragédia da Covid.

Grande parte dos ex-ministros da Saúde, por exemplo, são sócios da Sedes, como Correia de Campos, Luís Filipe Pereira, Adalberto Campos Fernandes. O sócio número 1 da Sedes foi o professor Pinto Correia, médico; entre os sócios fundadores esteve o professor Daniel Serrão e outros e, portanto, aqui na Sedes participaram personalidades da vida portuguesa com a credibilidade que cada uma emprestou à Sedes e que manteve ao longo destes anos um conjunto de estudos, apresentou propostas.

E a Sedes acertou sempre. Isto é, a Sedes nos anos 70 era da reforma versus a revolução, assim como hoje é da moderação versus a demagogia e o populismo. No meio está a virtude, como se costuma dizer, e acho que esse é o grande atributo da Sedes.

Talvez por isso se tenha mantido, porque não anda ao sabor do dia-a-dia, da espuma do dia-a-dia, mas sim daquilo que é importante para as próximas gerações. A Sedes preocupa-se sempre com a próxima geração.

E como antevê o futuro da Sedes?

O futuro da Sedes não me preocupa. Acho que a Sedes vai continuar por mais 50 anos a pensar Portugal, porque temos jovens quadros, ainda agora se inscreveram dezenas de jovens. Preocupa-nos o futuro de Portugal e temos aqui uns pontos muito importantes que pensamos para Portugal.

É preciso ter ambição, muita ambição; se queremos um país melhor, Portugal tem de sair deste crescimento económico anémico que teve nos últimos 20 anos e, para nos aproximarmos da frente da Europa, temos de duplicar o PIB português em 20 anos.

Temos de ter um objetivo, temos de ter um crescimento económico que nos garanta sair deste sufoco da dívida pública constante, que nos permita ter um Estado social melhor, sustentável. Não é possível se não tivermos um crescimento económico robusto. Esse vai ser um tema fundamental que vamos abordar ao longo do próximo ano e vamos apresentar uma visão estratégica para a década com estes contributos de muitos que estão aqui connosco agora, como o Poiares Maduro, o Carlos Moedas, o Francisco Assis…

Temos um conjunto de personalidades de vários quadrantes que nos vão permitir ter uma ideia ambiciosa. Os jovens portugueses têm de acreditar que Portugal, nas alturas difíceis, saiu sempre por cima, mas para isso temos de ser arrojados e ter visão, mas fazer programas baseados no rigor, no estudo. Não é no “sound byte”, nem na notícia fácil, mas se outros países conseguiram porque é que Portugal não há-de conseguir? Mas temos de ter um programa delineado, construído por gente da academia, das empresas. Temos aqui connosco também as ordens profissionais, a CIP, a UGT, que são instituições da sociedade portuguesa.

A Sedes também é muitas vezes associada a um certo bloco central porque, de facto, foram membros da Sedes muitos ministros tanto do PS como do PSD

É, mas aqui não é dos interesses. Aqui não é o Bloco Central, é o centro; é onde se encontra o centro direita e o centro esquerda, onde debatem há 50 anos, onde se constroem documentos, temos centenas de publicações, com propostas concretas porque não se consegue reformar o país, melhorar o Estado se não houver consensos mínimos ao centro e é isso que a Sedes ajuda.

Mas aqui as pessoas estão todas ‘pro bono’ e não há aqui qualquer interesse. Só há um: é defender Portugal. Defender um Portugal melhor e dar o nosso modesto contributo para isso. É isso que a Sedes faz, nada mais do que isso.

De que modo é que a Sedes pode ou não fomentar mais soluções ao centro num tempo como o que vivemos, em que parece que cada vez mais as opções se fazem nos extremos?

Isso faz-se com pedagogia e manifestando a nossa posição e a nossa posição é que só é possível sair desta crise profunda que estamos a travessar – primeiro de saúde e depois económica – ao centro. Não há outra maneira!

A Alemanha fez reformas fundamentais nos últimos 20 anos num governo de grande coligação entre os sociais-democratas e a democracia-cristã. Não percebo como é que um país como Portugal, que já tem uma situação de dívida pública e privada brutal, problemas estruturais tremendos, como é que em Portugal não há um entendimento ao centro para governar o país, pelo menos para ter entendimentos em questões estratégicas.

Quando fala em entendimento ao centro, gostaria mesmo de um governo PS-PSD ou consensos a nível parlamentar para grandes reformas?

Isso é com os políticos, há várias formas de fazer. O que a experiência nos diz é que não há nenhum caso de sucesso que não seja ao centro. Temos de ter crescimento económico, para isso precisamos de uma economia privada, de apoio às empresas, à liberdade individual, ao arrojo, ao investimento, ao risco.

A direita mais liberal é mais conhecedora e apaixonada por estas posições, mas a esquerda também defende uma questão importante que é a igualdade, um serviço de saúde público e universal, educação pública e universal, segurança social para todos, um Estado que ampare, que dê colo, que não deixe ninguém pra trás.

Associar estas duas coisas é o que a Europa fez, a Europa é isso: crescimento económico com solidariedade, com igualdade política e elevador social. Portugal tem tido dificuldade, não tem crescido economicamente, cresce muito pouco comprado com países da mesma dimensão, como a irlanda, a Holanda ou a República Checa e, depois, temos sempre dificuldades em manter o Estado social e desenvolvê-lo. Temos de sair daqui e isto só é possível ao centro, não é possível de outra maneira.

Nós, aí, combatemos os populismos de esquerda e de direita; aqui temos de defender a razoabilidade, a racionalidade.

Entende que os tempos precisam de mais moderação?

Mais moderação, mais tolerância com o outro, mais capacidade para ouvir. Quem tem poder de decisão tem de ouvir, tem de haver partilha. Também tem a ver com a ética. A Sedes, desde o início, teve sempre essa ideia de que não faz sentido a política sem ética. A política é muito nobre, mas tem de ser um serviço à causa pública.

E sente que este governo quer ouvir e tem ouvido?

Acho que este Governo quer ouvir e conheço bem muitas pessoas e os governos são feitos por pessoas e acho que deve ouvir e, quanto mais humilde for, melhor. Estamos numa altura em que é preciso saber ouvir, saber partilhar e isso em situações limite é fundamental. Nós falamos com todos, seja com os governos, seja com as oposições. todos somos poucos para a tarefa gigantesca que temos pela frente. Temos de ouvir os melhores, os que estão em Portugal e os que estão fora de Portugal.

Tópicos
Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+