Paços de Ferreira

A última subida de Vítor Oliveira

30 nov, 2020 - 17:45 • Eduardo Soares da Silva , Inês Braga Sampaio , Luís Aresta

A história e as estórias da última aventura de Vítor Oliveira na II Liga, na temporada 2018/19, contadas na primeira pessoa por Paulo Menenses, presidente do Paços de Ferreira, e Pedrinho, capitão de equipa. O "rei das subidas" morreu no sábado, em Lavra, aos 67 anos.

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20 de abril de 2019. Vítor Oliveira, o "rei das subidas", tinha conseguido novamente a subida de divisão e pela última vez na carreira. O Paços de Ferreira vencia o Académico de Viseu, por 2-1, a cinco jornadas do fim, e carimbava o regresso à I Liga apenas um ano depois da descida.

Vítor Oliveira foi o grande obreiro da subida, a 11.ª da sua carreira, registo único no futebol português. O experiente treinador foi contratado para subir de divisão e a época desenrolou-se com a tranquilidade de quem contratava Vítor Oliveira no segundo escalão. O Paços de Ferreira foi campeão da II Liga, com 74 pontos e 20 de vantagem para o terceiro classificado, o Estoril Praia.

Pedrinho, hoje no Riga da Letónia, era o capitão e uma das figuras da equipa e recorda à Renascença a primeira conversa de Vítor Oliveira com o grupo, imediatamente após a descida de divisão e a chegada do técnico ao clube.

"A primeira conversa que ele teve connosco depois de descermos foi que não queria saber se nós éramos jogadores de I Liga ou não. Agora éramos todos jogadores de II Liga, porque era lá que estávamos. Tínhamos de pôr o Paços no lugar onde deveria estar. Isso mexeu logo connosco, abriu-nos os olhos com a frontalidade. Foi difícil de digerir, mas percebemos o que ele queria dizer. Ajudou-nos a crescer, a pôr os pés no chão", recorda.

"Foi uma época recheada de vitórias, a última subida do mister. Deixa sempre a marca por onde passa. Falo por todos os jogadores do Paços de Ferreira, estamos muito agradecidos pelo treinador, sobretudo pelo lado humano, foi isso que nos deixou mais memórias. É uma pessoa de ideias fortes, mas muito engraçado, gosta de brincar com os jogadores", explica.

Uma das memórias de Pedrinho da temporada está relacionado com os momentos de partilha do treinador, antes dos treinos.

"Os jogadores gostam de brincar com a bola antes do treino e ele deixava isso. Ele ia ter com os jogadores que não estavam com a bola para contar histórias antigas e anedotas. Ele adorava adivinhas e anedotas, era muito engraçado. São as memórias que ficam dele, uma pessoa de personalidade única e que cativa qualquer um", recorda.

Outro exemplo da frontalidade de Vítor Oliveira está relacionado com rendimento desportivo dos jogadores: "Chegou à beira de um jogador e disse em frente a todos que ou começava a render muito mais, ou no dia seguinte ia buscar outro jogador para a posição dele. Era o respeito que ele transmitia".

Vítor Oliveira deixou uma marca especial em Pedrinho, um jogador em que acreditava tanto que chegou a dizer que não aceitaria o cargo no clube pacense caso o médio deixasse o clube após a descida de divisão.

"Quando descemos, o Vítor Oliveira disse que só ficava no Paços de Ferreira se eu também ficasse. Quando ele chega a um clube e diz isso, obviamente que mexe e que fica essa memória para sempre. Ele vê o jogo à frente de todos os outros. Sabe perfeitamente o que vai acontecer. Gostava de o ter apanhado na I Liga. Conhecia a II como ninguém. Antes do jogo começar, ele já dizia que o jogo ia partir aos 70 minutos, que ia meter estes jogadores e que eles iam resolver o jogo, e isso acontecia", explica.

Futebol foi "completamente injusto" com Vítor Oliveira


Paulo Meneses foi o homem que conseguiu trazer Vítor Oliveira novamente para a II Liga. O treinador tinha treinado o Portimonense no primeiro escalão e o recém-despromovido Paços de Ferreira foi o projeto que mais cativou o treinador.

O presidente do clube do Vale do Sousa recorda a amizade com o técnico que considera como um "pai no futebol".

"Confesso que a minha memória não é só desportiva, mas foi a forma como essa subida marcou uma amizade que já tinha começado quando a época arrancou. A época teve a sua importância, mas fica a amizade pessoal com que fiquei com o Vítor. Ele é o meu pai do futebol, pelos ensinamentos, as histórias, a partilha e por me ter dado o prazer de ter ficado meu amigo", recorda.

Para Paulo Meneses, o futebol português foi "completamente injusto" com Vítor Oliveira por nunca ter reconhecido, de forma unânime, o seu verdadeiro valor, mais do que por nunca ter tido a oportunidade de treinar num dos três grandes.

"O futebol português foi completamente injusto, e nem falo sequer do futebol por não ter dado oportunidade de treinar muito mais acima, falo porque nunca lhe deram o verdadeiro valor, o que sempre fomos enaltecendo nos clubes mais humildes, a sua liderança, a verticalidade, personalidade, a forma independente como se pronunciava sobre todos os temas, quer fosse para dentro de casa, fora, a forma como falava de arbitragem, elogiava e criticava", diz.

Na memória, fica um treinador que não seguia modas, uma pessoa "inigualável" no futebol português.

"Ele não tinha problema em criticar quando todos elogiam, se entender que é para a fotografia. Ele marcou. Temos tendência de sobrevalorizar os aspetos positivos. Quem teve o prazer de trabalhar com o Vítor sabe que estou a ter a máxima sinceridade possível. É uma pessoa inigualável pela vertendo desportiva, mas sobretudo humana. Sou um privilegiado por poder ter partilhado experiências fantásticas com o Vítor, dentro e fora do futebol", termina.

Terminar onde começou


A carreira de treinador de Vítor Oliveira estende-se em 41 anos, desde o primeiro trabalho banco de suplentes do Famalicão, em 1978/1979. A primeira subida à I Liga não tardaria e, curiosamente, foi no mesmo clube onde alcançou a sua última, no Paços de Ferreira.

Em 1990/1991, Vítor Oliveira somou a primeira de 11 subidas de divisão. Seguiram-se a Académica (96/97), União de Leiria (97/98), Belenenses (98/99), Leixões (06/07), Arouca (12/13), Moreirense (13/14), União da Madeira (14/15), Desportivo de Chaves (14/15), Portimonense (16/17) e uma última vez no Paços de Ferreira (2018/19).

Representou ainda clubes como Maia, Vitória de Guimarães, Sporting de Braga, Rio Ave, Moreirense, Trofense e Desportivo das Aves. Somou 427 jogos na I Liga, e 544 na "sua" II Liga, em que treinou maioritariamente nas últimas temporadas da carreira.

Nas 11 subidas de divisão, conseguiu conquistar seis troféus da II Liga, os únicos títulos que conquistou na carreira, com o Paços de Ferreira (dois), União de Leiria, Leixões, Moreirense e Portimonense.

Apesar dos esforços para manter o treinador no cargo na I Liga, Vítor Oliveira viria a aceitar o convite do Gil Vicente, também no primeiro escalão, naquele que seria o último clube da carreira. Vítor era, atualmente, comentador desportivo e tinha convites para assumir a posição de diretor de futebol no Leixões e Lusitânia Lourosa.

Vítor Oliveira morreu no sábado, vítima de um ataque cardíaco, durante um passeio em Lavra.

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