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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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​Mais instabilidade política

27 nov, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Já bastava a pandemia, mas a votação do Orçamento de Estado veio trazer mais incertezas, apesar de o Orçamento ter sido aprovado. É mau para o combate à pandemia e às suas assustadoras consequências económicas e sociais.

O que se passou na Assembleia da República no debate sobre o Orçamento de Estado para 2021, sobretudo nos últimos dias, não será um caso único. É a prefiguração da instabilidade política que irá afetar o governo de António Costa, enquanto ele durar.

Nas últimas eleições o primeiro-ministro não conseguiu a maioria absoluta de que precisava para definir e aplicar políticas coerentes. Já tinha acontecido quatro anos antes o PS não ter chegado à maioria absoluta. Só que, nessa altura, A. Costa negociou apoios estáveis com dois partidos da esquerda radical, PCP e BE. Simultaneamente, não cedeu um milímetro na atitude pró-europeia que marca o partido de Mário Soares e que comunistas e bloquistas (menos) detestam.

Agora, de novo com um governo minoritário, A. Costa não quis fazer acordos sólidos à esquerda, apenas acordos pontuais. Aliás, nem o PCP nem o BE pareciam inclinados a repetir a experiência, uma vez que já tinha sido reposta a maioria dos cortes nos direitos e nos rendimentos, cortes impostos pela “troika”. Isto é, tinha acabado a “austeridade”. Mas os problemas voltaram com a pandemia. Por isso, creio eu, o BE não quis ficar ligado a uma nova fase de limitações às liberdades. E A. Costa pôs liminarmente de parte qualquer apoio vindo do PSD, o que foi uma bazófia inútil, que só lhe retirou margem de manobra. O Orçamento do Estado para 2021 foi aprovado apenas com os votos do PS.

Assim, qualquer medida importante que o Governo queira fazer aprovar no Parlamento terá de passar por permanentes e imprevisíveis negociações com outras forças políticas. Não vale a pena, por isso, ter esperança numa linha governamental coerente na resposta à pandemia e aos seus devastadores efeitos económicos e sociais.

Infelizmente, o principal partido da oposição, o PSD, também não tem dado mostras de grande responsabilidade. Não por ter votado contra o Orçamento para 2021 – o PS afastou à partida o PSD de quaisquer negociações orçamentais. O problema foi Rui Rio não só ter aberto a porta a futuras alianças com o Chega como ter ajudado a aprovar uma proposta do BE, juntamente com o PCP e o PAN, proposta que, a não ser revertida, poderá levar o Estado português a não cumprir uma cláusula do contrato com a Lone Star (fundo que, sem gastar um cêntimo, ficou com 75% do capital do então considerado ser o “banco bom” do desastre do BES). O Estado português obrigou-se a dar mais dinheiro ao Novo Banco, para cobrir eventuais prejuízos.

Ontem, o PSD prometeu deixar passar um eventual orçamento retificativo repondo a autorização a essa transferência adicional, se entretanto uma auditoria do Tribunal de Contas ao Novo Banco não revelar ilegalidades. Por seu turno, o ministro das Finanças considerou aquela proibição ferida de inconstitucionalidade, admitindo à Renascença recorrer ao Tribunal Constitucional. Enfim, às incertezas somam-se mais incertezas.

Podemos achar péssimo continuar a desviar dinheiro público para um banco que tarda em baixar os prejuízos. Então critique-se o contrato feito em 2017 com o fundo Lone Star, que é o principal acionista do Novo Banco; ou ataque-se quem meteu no “banco bom” tanto lixo. Mas violar, ou ameaçar violar, esse acordo, além de prejudicar a confiança externa em Portugal, poderá sair muito caro aos contribuintes portugueses. Para já, certamente não favoreceu a confiança no sistema bancário nacional.

Este foi o maior exemplo da multiplicação de “coligações negativas” na Assembleia da República. Há dois dias, o Ministério das Finanças informou que, no debate na especialidade sobre o Orçamento, tinham sido aprovadas 48 maiorias negativas, envolvendo um gasto público adicional de 60 milhões de euros. Muitas outras surgirão no futuro próximo deste governo minoritário.

Mas termino com uma nota positiva. Ontem, pela primeira vez, Portugal emitiu dívida pública a dez anos, pagando os adquirentes juros negativos. Desde que isto dure, como dizia o outro...

Comentários
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  • César Augusto Saraiva
    28 nov, 2020 Maia 19:28
    Mas, então, porquê que escondem o contrato com a esfarrapada desculpa de que é confidencial!? Homessa!!! Então, o "confidencial" já não é PIDESCO!?...
  • Cidadao
    27 nov, 2020 Lisboa 10:06
    Sabe o que interessa para o contribuinte que anda a financiar este saque, este buraco negro que já custou 4,9 mil milhões de euros dos nossos impostos para o BES e 3 mil milhões de euros para a Lone Star, a "confiança" dos mercados ? ZERO! Essa, é a balela que usam para justificar ad eternum o roubo que nos fazem e o crime "sem culpados" ocorrido em 2017. Que levem o caso a Tribunal e já agora metam em Tribunal também quem assinou este "acordo" ruinoso. E ainda bem que o PS não tem Maioria Absoluta: se agora minoritário, se comporta como se comporta, o que seria maioritário sem ter de dar contas a ninguém?