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Entrevista a Santiago Posteguillo

Autor espanhol vencedor do Prémio Planeta: “O problema é que quem nos governa não lê romances históricos”

13 nov, 2020 - 15:58 • Maria João Costa

Santiago Posteguillo lança em Portugal o romance histórico com que venceu o Prémio Planeta em 2018. “Eu, Júlia” retrata a História da Antiga Roma, num olhar feminino. No livro, o narrador é um médico que enfrenta uma pandemia.

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É verdade que por de trás de um grande homem há uma grande mulher. Júlia foi uma delas. Ela é a personagem central de “Eu, Júlia”, o primeiro romance traduzido para português do escritor espanhol Santiago Posteguillo. O livro traça o perfil e a história de vida de uma das importantes imperatrizes de Roma.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o autor lamenta que os políticos não leiam romances históricos para aprenderem com o passado e critica a forma como o Governo espanhol tem lidado com a pandemia de Covid-19. O narrador do seu romance, um médico, explica como enfrentar um vírus mortífero.

“Eu, Júlia” é um romance histórico no feminino. Santiago Posteguillo apresenta a história de uma das mais poderosas imperatrizes da Antiga Roma. Quem foi Júlia? Era uma mulher de caráter?

É, sem dúvida nenhuma, uma mulher muito intensa, muito tenaz, muito capaz e inteligente e dizem todas as fontes, que era também uma mulher muito bonita e que tinha consciência disso. Júlia é uma mulher que tem grande influência sobre o seu marido, Severo. Acredito mesmo que se ele não tivesse casado com Júlia, provavelmente não teria entrado na violenta luta pelo controle do império que aconteceu depois da morte de Comodo, entre os anos 193 e 197 a.C. quando se sucedem várias guerras intestinas pelo controle do império. Se Severo não tivesse por de trás de si, Júlia, não teria sido o imperador que conhecemos.

Júlia nasceu na Síria, e conta neste romance a força com que ela enfrentou vários inimigos. Ela enfrenta mundos e fundos.

A primeira grande dificuldade que enfrenta é ser mulher; a segunda é ser de origem síria – o mesmo é dizer que para muitos romanos da península itálica, era nada mais do que uma estrangeira. Sofreu por isso xenofobia, por esta origem síria. Teve também de enfrentar grandes inimigos, nada mais, nada menos do que cinco imperadores romanos! Imagina, era como se tu ou eu tivéssemos como inimigos cinco presidentes norte-americanos! Seria um pouco complicado. Foi neste mundo que a Júlia viveu e apesar de tudo conseguiu uma vitória arrebatadora.

Este livro é cheio de guerras, traições, lutas de poder, mas tem sobretudo como pano de fundo uma história de amor. Júlia casou-se com o imperador Severo, já ele era viúvo e tinha mais de 40 anos. Quis também mostrar esse lado mais humano?

Ele era um governador poderoso e senador romano que aos 40 anos poderia ter casado com qualquer uma, ou uma filha de um senador. Severo era um grande partido. Mas ele lembrava-se de Júlia e escreveu à sua família a pedi-la em casamento. Ela aceita, ao ponto de viajar sozinha da Síria para a Gália para casar-se com ele. É uma história de amor, porque ela é-lhe fiel, toda a vida. É de tal forma que se diz que este foi o primeiro casamento, em 200 anos de império romano, em que o imperador e a imperatriz estavam apaixonados!

Para contar esta história, escolheu um narrador que é médico. Quem era Galeno?

Galeno é o grande médico do mundo romano. Se for a um dicionário da Real Academia espanhola e procurar ‘Galeno’, vai encontrar que é sinónimo de médico. Ele foi o médico de muitos imperadores, mas começou por ser médico de muitos gladiadores e conseguiu um índice elevado de sobrevivência dos gladiadores feridos. Uma das coisas que defendia, é algo que agora estamos a fazer diariamente.

Que era o quê?

Nesta emergência sanitária em que vivemos, estamos sempre a lavar as mãos. Quem foi o médico na História que se apercebe que lavar as mãos evita infeções? Claro, que foi o Galeno. Ele era um médico apaixonado pelo seu trabalho e acaba por se tornar amigo de Júlia. É interessante, porque ela soube rodear-se de intelectuais e de gente sábia, porque sabe que assim tinha conselhos inteligentes para as decisões que tinha que tomar.

Por de trás deste livro há um grande trabalho de investigação histórica. Como é que foi esse processo que antecedeu o livro?

Eu já tenho seis romances sobre a civilização da antiga Roma, e por isso tinha já um certo conhecimento. Mas sempre que escolho um novo personagem é preciso investigar questões especificas sobre ele. O que foi especial no processo de investigação para escrever "Eu, Júlia" foi, por se tratar de uma mulher, as fontes clássicas não apresentam nenhum capítulo com o seu nome! Todos os historiadores, homens, não dão informação sobre ela diretamente, mas acabam por falar dela nos capítulos que dedicam ao seu marido, ou em capítulos dedicados a outros imperadores. Temos de retirar a informação daí. Eu escrevo esse capitulo da história para um público do século XXI, mas não em formato de texto académico, mas sim como romance histórico para entreter.

Aprende-se História lendo os romances históricos?

Aprende-se muitíssimo! O problema fundamental é que quem nos governa, não lê romances históricos. Ás vezes, tenho mesmo a sensação de que não leem de todo. Isso é mau. Em romances como "Eu, Júlia", é explicado como naquela época enfrentaram uma pandemia, a do vírus da varíola que mais seres humanos matou em toda a História. Explico como Galeno investiga a forma de deter essa pandemia e como o poder político, Júlia e Severo, cedem a autoridade aos médicos como Galeno. Há lições que vamos aprendendo, e que os nossos políticos podiam estar atentos ao ler!

Como vê a situação de pandemia no seu país, em Espanha?

Em Espanha as coisas não são nada positivas. Uma Espanha com dezassete autonomias e dezassete governos que tomam dezassete decisões diferentes e um governo central que decidiu não coordenar as coisas...bem...não parece uma forma brilhante de gerir as coisas! Acho que o que faz falta no meu país é que os líderes políticos deixem de tomar as decisões por razões políticas, e as tomem exclusivamente por razões sanitárias, sociais e económicas. É isso que falta!
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