13 nov, 2020
Fala-se imenso do “gender gap” salarial, isto é, a assimetria salarial entre homens e mulheres que fazem o mesmo trabalho. A questão existe, mas parece-me que é colocada ao contrário. É claro que as mulheres são punidas e recebem menos do que os homens, é um facto. No entanto, não são punidas por serem mulheres, são punidas porque são mães e cuidadoras. As mulheres recebem menos dinheiro na folha mensal e conseguem menos promoções, porque, ao contrário dos homens, perdem semanas de trabalho por ano por causa dos filhos doentes ou porque são as cuidadoras dos pais idosos.
Mesmo sem pandemia, um filho pequeno fica doente em casa várias semanas por ano. Agora multipliquem isso por dois ou três. Uma mulher com dois ou mais filhos nunca sairá de cargos intermédios se for ela a única a ficar em casa no papel de cuidadora. E é sempre ela. Uma mulher com dinheiro tem meios para contratar empregadas. Uma mulher com família por perto pode ter a ajuda dos avós. Mas nós não somos um país com muita gente abonada e sobretudo somos um país com as famílias envelhecidas, estilhaçadas e espalhadas, estamos longe uns dos outros. O casal está sozinho.
A chamada crise dos valores da família vem daqui e não é provocada pela mulher que saiu legitimamente de casa para o mercado de trabalho; é provocada pelo homem que recusa partilhar o fardo doméstico. Os homens continuam a não ceder poder às suas próprias mulheres em casa. E ceder poder é ter a coragem para contrariar uma cultura inteira e dizer, quando o nosso filho fica doente, eu, o pai, também fico com ele em casa para que a tua folha salarial e a tua carreira não sejam as únicas prejudicadas. A minha carreira não é mais importante do que a tua.
A jusante, os homens, que em casa não cedem poder às próprias mulheres, punem as suas subordinadas mulheres quando escolhem automaticamente os homens para os cargos de chefia. Porquê? Porque assumem que as mulheres vão sempre faltar mais. É um círculo vicioso. E nada mudará enquanto a pergunta “como concilia a carreira com os filhos” continua a ser colocada apenas às mulheres. É um ciclo vicioso que sufoca as mulheres, a família, a natalidade. Quando descobre o que a casa gasta, isto é, quando percebe que o marido nunca partilhará o papel de cuidador doméstico do filho, a mulher recusa ter mais do que um filho. Ao lado, a colega vê o panorama e, como quer subir na carreira, adia o primeiro filho ad eternum.
Ou seja, não há “gender gap” nos salários e promoções, há “motherhood gap”. Aquilo que é punido não é a condição feminina per se; a punição é lançada sobre o papel de mãe e cuidadora de crianças e velhos. E isto só se resolve, repito, quando os homens cederem poder às suas próprias mulheres dentro das suas próprias casas. A este respeito, convém adiantar que os homens ditos tradicionalistas que reagem contra o “feminismo” e que recusam mudanças domésticas e públicas na relação entre homens e mulheres são os maiores inimigos da família enquanto pilar católico da sociedade. Em 2020, não se defende a família com ideias de 1950.