11 nov, 2020
Para a Casa Branca, Trump teve mais votos do que em 2016, foi o candidato derrotado mais votado de sempre e reforçou até eleitorado nas comunidades latina ou afro-americana; e para o Congresso os números disponíveis mostram que o Partido Republicano aumentou a sua bancada na Câmara dos Representantes e poderá manter o controlo do Senado. O “fascismo”, o “racismo”, o “populismo”, o “machismo” (e outros ismos) de que supostamente o odiado Trump padecia não suscitaram, afinal, uma rejeição esmagadora na urna. E isto levanta duas interrogações possíveis: ou o Presidente era tudo isto, e os 71,5 milhões de cidadãos que votaram nele são pouco democratas e asselvajados, ou ele, afinal, tirando os tiques mandões de imprevisibilidade (e nos últimos dias, de mau perder), corporizava uma ideia de política aceite e procurada por muitos, e tão legítima, na competição de propostas, como as ideias que norteiam Biden e quem está à esquerda dele.
Desde que Trump apareceu e durante todo o seu mandato os seus apoiantes foram sempre denegridos e desclassificados, como gente radical, alienada, fora da modernidade, inculta – “deplorável”, como Hillary Clinton disse em 2016. Ora, haverá na América 71,5 milhões de alienados ou idiotas? Estará toda essa população fora da realidade? Ou será que os eleitores de Trump são, na sua larguíssima maioria (também há radicais, nas franjas – mas essa ressalva aplica-se tanto à direita como à esquerda), “normal people” que quer ou apoia um programa de governo diferente e alternativo do dos democratas? A eleição de 2020 tornou-se um plebiscito ao inquilino da Casa Branca: quem não quisesse Trump, pela simples razão de não querer Trump, deveria votar Biden. Acontece que atrás de Trump há uma enorme América com direito de voz e ideias legítimas – que prefere a economia de mercado a um Estado demasiado intervencionista, que defende o pluralismo e a liberdade de expressão contra os monismos “bem-pensantes” do politicamente correto, que preza a família e os valores tradicionais por sobre outros modelos de organização da vida, que é mais estadualista do que seguidora do establishment de Washington, ou mais patriota do que internacionalista.
Pode metade da América – os 76,5 milhões que votaram em Biden – não concordar com isso; mas não pode negar direito de cidade à diferença, estigmatizando-a como inaceitável. Talvez um dia se possa reparar que o ambiente de tribalismo político da América não começou com Trump, e que Trump foi, nesse aspeto, uma reação conservadora aos excessos democratas e das esquerdas precedentes.
Trump vai deixar a Casa Branca. Voltará à vida empresarial, talvez assuma o estrelado em algum canal televisivo (seu?), não deixará as redes sociais, manobrará, decerto, no Partido Republicano para um candidato seu (ele próprio?) em 2024. Mas o Trumpismo, desenganem-se os democratas, não desapareceu e veio para ficar. Insisto nisto: há 71,5 milhões de americanos que têm o direito de não gostar de Biden, e de desconfiar do crescente poder de radicais como Kamala Harris, Bernie Sanders, Ocasio-Cortez e outros.
Mesmo numa versão mais moderada, o Trumpismo é hoje, na América ou fora dela, uma forma de essencialismo identitário de nações, partidos ou classes sociais que querem dispor de raízes e de segurança na era da modernidade acelerada e que – lição de democracia – não gostam que outros lhes digam como devem viver a sua vida.