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Em Nome da Lei - Decreto presidencial sobre Estado de Emergência é light?

Em Nome da Lei

Decreto presidencial sobre estado de emergência é "light"?

07 nov, 2020 • Marina Pimentel


O primeiro-ministro convocou uma reunião do Conselho de Ministros extraordinário para "concretizar" as medidas previstas no projeto de decreto presidencial do estado de emergência e, também, os direitos, liberdade e garantias que ficaram suspensos, durante a situação de excepção constitucional.

O decreto do Presidente da República é uma carta em branco ao Governo. Vitalino Canas, professor de Direito Constitucional e antigo porta-voz do PS, diz que a declaração de estado de emergência assinada por Marcelo rebelo de Sousa “é demasiado light, porque remete tudo para o Governo”.

E isso acontece “não porque o Presidente da República seja um mau jurista, mas porque o estado de emergência é desadequado para uma crise de saúde pública como a que estamos a viver”.

O ex-secretário de Estado de António Guterres diz que o decreto presidencial “é tão vago que, olhando para ele, não consegue saber se as reuniões que tem marcadas para segunda-feira vão ou não poder acontecer”.

Paulo Mota Pinto, antigo juiz do Tribunal Constitucional, espera, sobretudo, que as medidas tomadas “respeitem o escrupulosamente a igualdade de tratamento, ao contrário do que tem vindo a acontecer, com o Governo a autorizar concertos, touradas e festas, mas a não deixar ir aos cemitérios.”

O constitucionalista, que é membro dos órgãos de direção do PSD, lembra que, estando o país sob estado de exceção, “quem desrespeitar as ordens que vierem a constar do decreto que o Governo vier a aprovar, comete um crime de desobediência”.

Questionado sobre um dos fundamentos para a convocação do estado de emergência - dar ao Governo a possibilidade de utilização dos meios de saúde privados ou do sector social ou cooperativo -, Paulo Mota Pinto defende que “essa utilização deve ser conseguida por acordo”. Embora o decreto presidencial abra a porta à requisição civil, o professor de Direito Constitucional diz que “ninguém compreenderia que o Executivo requisitasse o que nunca tentou obter por acordo”.

Também constitucionalista, mas situado politicamente à esquerda, António Felipe defende que o país não precisa, neste momento, de um estado de emergência que “é demasiado pesado, porque é um estado de exceção constitucional que só deve ser usado numa situação de desobediência, por exemplo, quando as pessoas se recusarem a acatar as regras impostas, para salvaguarda da saúde pública. Ora não é isso que acontece.”

O deputado comunista recorda que os portugueses não deram até agora qualquer sinal de não querem acatar as regras que vão sendo impostas. Por isso, “não faz qualquer sentido convocar o estado de emergência”. O jurista da bancada do PCP receia que “a coberto do estado de emergência se façam coisas sem qualquer sentido, como as operações stop que aconteceram durante o primeiro período de estado de emergência, no início da pandemia”. Na sua opinião, para tomar as medidas necessárias, neste momento, é suficiente a lei da emergência em saúde pública.

É preciso rever a Constituição?

Vitalino Canas não concorda que tal como estão, quer a lei de emergência em saúde pública quer a da proteção civil, possam acautelar a crise de saúde pública que vivemos e dar a segurança jurídica necessária às medidas que é preciso adotar. Mas, defende que “se deveria pegar nessas leis e densificá-las, com o envolvimento do parlamento, cuja intervenção no contexto da pandemia tem sido sobretudo à posteriori”.

Entende ser preciso “algo de mais cirúrgico” e não uma revisão da Constituição para prever situações de pandemia, uma ideia que tem vindo a ser defendida pelo Presidente da República, pelo líder do PSD e também pelo Primeiro-Ministro.

Paulo Mota Pinto discorda. Defende que o processo de revisão constitucional - aberto com a entrega do projeto do Chega e a que se juntou o projeto da Iniciativa Liberal -, “é o momento para todos os partidos que querem fazer mudanças constitucionais apresentarem as suas propostas”. O ex-juiz do Tribunal Constitucional, que faz parte dos órgãos da direção de Rui Rio, diz que independentemente das propostas do Chega serem para rejeitar, é pouco democrático ignorá-las. E para os partidos que têm vindo a defender mudanças na Constituição é difícil justificar que não o façam agora que está aberto o processo”.

O jurista do PCP “espera que o PSD não apresente” o seu projeto de revisão durante o processo aberto pelo partido de André Ventura. “Se o PSD quer ser levado a sério”, diz António Felipe, “então que apresente o seu projeto noutra altura”.

O estado de emergência foi o tema em debate na edição deste Em Nome da Lei, um programa da Renascença, transmitido aos sábados às 12h00 e às 00h00.

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