Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Sapatilhas de canábis. "A menina dos olhos" da avó Otília e do neto Bernardo

07 nov, 2020 - 09:24 • Olímpia Mairos

São repelentes à água e as solas são feitas de algas recicladas. A maioria dos clientes, entre os 20 e os 40 anos, está nos Estados Unidos e estão preocupados com o meio ambiente.

A+ / A-

O desejo de criar uma empresa em Portugal já existia. O que Bernardo Carreira não sabia era em que investir. A decisão haveria de ser tomada depois de uma brincadeira, num encontro de amigos.

“Andava um bocadinho perdido na vida. Sabia que queria lançar uma empresa, mas não sabia o quê, andava à procura de ideias”, conta à Renascença o jovem de 27 anos, natural de Minde, vila do distrito de Santarém.

Bernardo Carreira tinha chegado de Londres, onde trabalhava numa Startup de telecomunicações, e queria fazer algo diferente. Estávamos em 2018. E depois, entre amigos, surgiu a ideia.

“Estávamos todos a beber copos e na brincadeira um disse: ‘fixe, fixe era fazermos um sapato para fumar’. Foi assim uma história um bocado maluca e eu pensei: um sapato para fumar não sei, mas eu já vi aí carteiras e malas feitas de tecido de canábis, acho que um sapato também deve dar”, explica.

A avó, a conselheira e a parceira do negócio

A partir daí a “guerra”, como lhe chama, durou oito meses. O tempo necessário para desenvolver “um protótipo que realmente ficasse bom” e nesse processo todo foi onde entrou a avó.

A Maria Otília, de 77 anos, é avó, confidente, conselheira e parceira do negócio.

E como reagiu ao projeto? “É evidente, chamei-lhe maluco (risos) quando ele me veio com aquelas ideias. Eu disse-lhe assim: ‘ó filho, canábis nem penses, nem olhar para isso, quanto mais mexer nele’ (mais risos). Mas depois ele lá me explicou. Estivemos a conversar os dois com calma e depois eu disse-lhe: ‘se é isso que tu queres, vamos em frente, luta pelo teu projeto, por aquilo em que tu confias. Não posso fazer grande coisa, mas naquilo em que eu puder ajudar, ajudo’”, conta Maria Otília.

E assim foi. Maria Otília, que toda a vida trabalhou na confeção de tecidos, foi com o neto escolher os tecidos. E foi ela que ajudou a escolher os sapatos, a verificar os que estavam com defeito, e também foi ela a chamar a atenção do diretor da empresa para o que estava menos bem.

“Não posso fazer grande coisa, mas, no que depender de mim, dar força, dar opinião, aqui estou”, diz à Renascença. “É a minha conselheira pessoal”, atalha Bernardo Carreira.

A avó Maria Otília explica, depois, que não faz, porque já não tem “idade para isso, nem mãos, nem olhos, nem joelhos” (risos), revelando que tem muito orgulho no seu neto.

Os dois, avó e neto, quase em uníssono, dizem que as sapatilhas de canábis é “um pequeno grande projeto”, concordando os dois que é preciso “começar devagarinho, mas, devagarinho se vai ao longe”.

Repelem a água e são muito confortáveis

E é com orgulho que Bernardo Carreira fala do seu produto.

“São os primeiros sapatos feitos de canábis e repelentes à água, o que é completamente inovador no mercado. Depois, tem também as solas feitas de algas recicladas que nós recolhemos com a ajuda de uma empresa americana e metemos dentro das solas. Depois, temos as primeiras palmilhas feitas de canábis. E a minha avó pode falar disso, porque ela só usa dessas palmilhas, agora”, conta o jovem de Minde.

E a avó não se faz de rogada e explica porque não quer outras palmilhas.

“Eu andava com muitos problemas, dores nas articulações, nos joelhos, a fazer fisioterapia. Depois comecei a calçar os sapatos e comecei-me a sentir muito bem. Calçava sapatos altos e baixos e isso tudo, mas estava a ser um bocadinho difícil. E desde que ele me apareceu aqui com isto, fui logo das primeiras, comprei uns claros, e até vão à máquina, e calço e torno a calçar e sinto-me muito bem com eles. Agora ele trouxe-me também uns pretos que é os que calço ao domingo para ir à missa”, conta à Renascença por entre risos.

Bernardo Carreira continua, depois, a explicar as características das suas sapatilhas.

“A principal é ser feita de canábis. É um sapato completamente eco-friendly. Estamos a falar de um sapato que tem uma pegada de carbono 70% inferior à média dos sapatos”, diz.

“Por exemplo, um sapato de corrida feito de plástico tem uma pegada de carbono entre os 16 e os 20 quilos de CO2. O nosso sapato tem 4.1, ou seja, é bastante menos. Como é feito de canábis, a partir do momento em que começamos a fazer o sapato, já absorvemos muito CO2 da atmosfera, o que é bastante positivo para o ambiente. Depois temos a questão das algas e o facto de ser super confortável e super leve”, completa.

“Não dão para fumar”

Descontraído e muito brincalhão, o jovem confidencia que a primeira coisa que a maioria das pessoas lhe pergunta “é se o sapato é para fumar” (risos) e ele já sabe responder.

“Os sapatos não dão para fumar”, afirma, explicando que o canábis que usam “é 100% legal, não tem qualquer tipo de substância psicoativa, porque os sapatos são feitos a partir do caule da planta”.

“Muitas pessoas não sabem, mas Portugal era um dos maiores produtores de canábis na união europeia e até no mundo. Aliás, as caravelas e as cordas dos portugueses eram todas feitas de canábis. É um material super resistente. Nós estamos a aproveitar essas características para fazer o nosso sapato super resistente”, diz com grande entusiasmo.

As sapatilhas de canábis, a menina dos olhos de avó e neto, são produzidas em várias partes do mundo.

O canábis é importado da Roménia, França ou China, as palmilhas são de Portugal e da China, as solas são feitas em Portugal, as caixas na Coreia, as etiquetas em Itália e a confeção final é feita em duas fábricas, uma em Portugal, outra na China.

“É muito difícil encontrar pessoas especializadas neste material e vamos sempre à procura das fábricas que sabem fazer isto e elas não estão todas cá ou num sítio específico”, nota Bernardo Carreira.

As sapatilhas de canábis estão à venda por 110 euros. Estão apenas disponíveis para venda no site oficial da marca em duas cores — preto e verde seco — em tamanhos que vão do 36,5 ao 48,5.

Bernardo explica que não é o sapato mais barato do mundo, salientando que “é um sapato que vale aquilo que vale”.

“Estamos a falar de um sapato que é impermeável, bastante durável a partir das características naturais do canábis, que fazia as cordas e as velas dos portugueses; um sapato que consome 70% menos de dióxido de carbono do que os outros sapatos”.

“Nós não estamos a vender um produto, estamos a vender uma missão”, afirma o jovem, explicando que a missão passa por “pedir às pessoas que ajudem a tornar o canábis, outra vez, na planta de eleição para fazer sapatos e vestuário e, assim, trazer de volta a indústria do canábis ao mundo e fazer com que os projetos têxteis sejam fundados nos valores de eco-friedly”.

“É quase tudo para exportação”

A maioria dos clientes das sapatilhas feitas de canábis está nos Estados Unidos. Normalmente são jovens, “aquilo que nós chamamos de millennials, entre os 20 e os 40, pessoas que se preocupam com o meio ambiente. E como somos maioritariamente online, é tudo mais fácil. É quase tudo para exportação”, revela.

Na 8000Kicks, assim se chama a empresa, uma espécie de homenagem à história do canábis que, segundo Bernardo, teve origem 8.000 anos antes de Cristo, foram investidos cerca de 50. 000 euros, e aqui estão as poupanças da avó do Bernardo, da outra avó e neste momento andam “a chatear o resto da família para meter mais dinheiro”.

E porque o negócio está a correr bem, com a margem de lucro vão reinvestindo porque o foco é “continuar a crescer, trazer produtos bons para o ambiente e fazer mais coisas em canábis”, explica Bernardo.

“Vamos andar com isto para a frente. No que depender de mim eu vou empurrar com força, desde que não seja demais, para ele não cair”, conclui, por entre sorrisos, a avó Otília.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • ILIDIO BRASIL-AÇORMO
    03 mai, 2021 ANGRA DO HEROISMO-açores 19:07
    Acabei agora de ver no programa da TVI /Goucha o Bernardo e Avó.Fiquei encantado com o programa.Parabens.Tenho um pequeno negocio,e gostava de saber se vendes para revenda. Aguardo a resposta. ILIDIO BRASIL,ANGRA DO HEROISMO-AÇORES
  • Dora Roxo
    09 nov, 2020 Vila Nova de Gaia 14:12
    Parabéns e boa sorte!

Destaques V+