Tempo
|
Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
A+ / A-

nem ateu nem fariseu

O catolicismo é o futuro da América

06 nov, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


Biden é o segundo presidente católico dos EUA depois de Kennedy. E agora espera-se que a moderação católica de Biden seja um exemplo para os mais novos.

No contexto cultural dos EUA, o catolicismo foi sempre apresentado como sinónimo de atraso ou de radicalismo. É uma teoria wasp que deu e dá jeito às esquerdas anti-religiosas dos próprios países católicos. Por exemplo, a nossa Geração de 70, através de Antero, patrocinou a ideia de que o protestantismo era o cristianismo bom e conciliado com a modernidade e que o catolicismo era o cristianismo mau e não conciliado com a modernidade e a liberdade. Portanto, a propaganda de Milton (“Areopagítica”) tornou-se assim num lugar-comum incontestado e partilhado por protestantes anglo-saxónicos e por laicos francófonos: o catolicismo é atrasado e fanático, o protestantismo é moderno e não radical.

Mas será mesmo assim? Não é a Baviera, a zona mais rica da Europa, uma província altamente católica?

Um amigo católico e portuense que viveu na área de São Francisco e que conhece a América profunda costuma partilhar esta perplexidade. Como sou católico, diz ele, sou colocado muitas vezes num campo de alegada radicalidade pelos americanos laicos e religiosos, mas, na verdade, eu vejo essa radicalidade ‘single issue’ nos protestantes e não nos católicos! Julgo que o meu amigo tem razão. Olhe-se para este exemplo: católicos e protestantes unem-se na defesa da vida e na consequente crítica ao aborto, mas, a jusante, muitos protestantes desviam-se da vida, pois defendem a pena de morte e o acesso às armas. Como é que partidários da vida podem defender a injecção letal como processo legal e o acesso a metralhadoras como direito adquirido, sobretudo num contexto marcado por tantos massacres possibilitados por esse acesso fácil às armas? Há aqui uma brutal incoerência na chamada Bible Belt protestante, a mesma Bible Belt que defendeu a segregação e a escravatura. Ao invés, quando olhamos para o mapa, as zonas de maior influência católica determinam uma diminuição da adesão às armas e à pena de morte.

Então, quem é afinal o radical?

Tenho para mim que o século XXI americano será católico ou será caótico. E, se for católico, a fonte do catolicismo não será apenas a migração hispânica. Há políticos branquíssimos, democratas e republicanos, que estão a usar o catolicismo como ponto de encontro entre as duas Américas. O espírito de conciliação de Biden é um bom exemplo. Biden é o segundo presidente católico dos EUA depois de Kennedy. E agora espera-se que a moderação católica de Biden seja um exemplo para os mais novos. Um político democrata e católico pode ser um ponto de equilíbrio de uma esquerda demasiado ateia e libertária e, por isso, distante dos valores da família e da comunidade. No mesmo sentido, um republicano católico e afastado do radicalismo protestante pode ser um ponto de equilíbrio à direita, pois é capaz de repensar a questão das armas, da pena de morte e do acesso à saúde, três tabus junto do mainstream wasp.

É um salto de fé? Sim, mas é fé, não é pensamento mágico: o catolicismo pode ser o chão comum da América do século XXI. O católico Biden é só o primeiro passo.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Joana
    12 ago, 2021 Lisboa 01:10
    A Fé protestante está presente nos países mais desenvolvidos e isso diz tudo! Onde Deus se faz presente o resultado aparece!!!
  • Anónimo
    08 jan, 2021 Lisboa 22:21
    "O islamismo é o futuro de Portugal" O que diria Henrique Raposo se alguém escrevesse isso?
  • maria tiana
    07 nov, 2020 Lisboa 15:20
    Senhor Henrique Raposo, há temas para os quais o Senhor deveria estar calado. É uma aberração os seus comentários em termos de Religião. Gostaria de dizer-lhe, caso não saiba, que o Catolicismo não é um Partido Político. E actualmente um Governante de uma Nação seja católico ou ateu, obedece ao sistema Politico/ Partidário e nunca a uma Religião, com excepção de alguns Países Árabes. Digo-lhe mais: Infelizmente há Católicos ateus. Penso que o Senhor Raposo está enquadrado nos Católicos ateus. São Católicos por conveniência. Sabem tudo sobre Religião; Estudam tudo ao pormenor para sua fama e proveito, mas ignoram a Doutrina e o Sagrado. Depois, aceitam tudo o que o que lhes metem no saco, em nome do politicamente correcto, da tolerância demagógica para instalar a perversidade na Sociedade tornado-a uma selva onde educação é substituída pela agressão aos valores básicos da Dignidade Humana. Os Democratas EUA são o mesmo que as esquerdalhas em Portugal e noutros Países. Como é que Joe Biden "o católico" aprova toda toda a imundície que se pretende instalar nas Sociedades? Como se pode definir um Católico que é contra a Doutrina? O Catolicismo não deve ser chamado para ser o Chão da América, mas o Coração que dá Vida ao Povo Americano. Senhor Raposo não misture as coisas, usando o catolicismo para fazer um bolo Político. A sua Fé é como um café sem cafeína. Uma Fé descafeinada. Não tem conteúdo, não desperta... O Futuro está aqui: "Fratelli tutt", com Deus Criador.
  • Ivo Pestana
    06 nov, 2020 Funchal 13:02
    O problema são os movimentos do contra. Ser cristão não é fácil, obriga a fazer renúncias, obediência, partilha...e não sei se o povo Americano quer isso.
  • MP
    06 nov, 2020 Braga 11:50
    Muito obrigado pelo seu texto tão sugestivo. Lembra as palavras do P. John Courtney Murray, SJ, jesuíta que defendeu a "americanidade" do catolicismo. Vale a pensa conhecer. Obg
  • David Pernas
    06 nov, 2020 Mwanza, Tanzânia 09:32
    Não foi um "democrata" "católico" que celebrou com champagne a aprovação do homicídio de crianças aos 9 meses, na proximidade do parto? Não está o "católico" Joe Biden amarrado ao lobby Clinton-Obama-Soros-Gates-Rockefeller, etc., para promover o aborto e esterilização em todo o mundo? Que tipo de católico era Kennedy? Parafraseando um artigo seu, " A obsessão com o consenso está a corromper a mente de muitos cristãos". E não, não é amor um casal gay, é uma massagem afetiva e física mútua. As pessoas necessitam de verdade juntamente com amor. A misericórdia não é ter pena, é oferecer a cura.