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Suspensão das feiras e mercados levanta dúvidas a médicos de saúde pública

02 nov, 2020 - 17:58 • João Carlos Malta

Especialistas não encontram razões científicas para a decisão do Governo. A medida pode ter por base algumas características do tipo de atividade "mais propensa a aglomerações". Ainda assim, não há conhecimento de que haja surtos ligados a estes locais de comércio.

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Os médicos de saúde pública têm dúvidas em relação à proibição da realização de feiras e mercados de levante, bem como a proporcionalidade da medida decretada pelo Governo, e que entra em vigor na próxima quarta-feira. Argumentam que não há evidência da existência de surtos naqueles espaços e que podia-se evitar o fecho com a imposição de regras mais restritas.

A decisão já foi também criticada por autarcas e associações de profissionais do setor, mas entretanto o Governo deu um passo atrás. Na tarde desta segunda-feira, o executivo decidiu manter a decisão, mas abre a possibilidade de haver uma "autorização emitida pelo presidente da Câmara Municipal, caso estejam verificadas as condições de segurança e o cumprimento das orientações definidas pela DGS".

Em declarações à Renascença, o presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública, Ricardo Mexia, afirma que ficou com dúvidas “sobre qual o motivo para esta restrição”.

O fecho dos mercados e feiras de levante é uma das medidas aplicadas pelo Governo aos 121 concelhos de maior risco epidemiológico, e nas quais se contam também a obrigatoriedade do teletrabalho ou o fecho dos restaurantes às 22h30.


NÚMERO DE CASOS DE COVID-19 EM PORTUGAL

“Não conheço surtos associados às feiras. São espaços exteriores”, frisa o especialista. Ainda que concedendo que se tratam de espaços em que “pode haver uma maior concentração”, o especialista argumenta que “isso podia ser resolvido pela via a lotação”. “Não seria preciso suspender as feiras”, acrescenta.

O mesmo Ricardo Mexia até considera que na base da decisão do Governo esteja “eventualmente o facto das pessoas que trabalham nessa área terem uma mobilidade muito grande no país”, e que isso poderia “levar a uma maior disseminação da doença”.

E os hipermercados?

No entanto, contrapõe que não tem indicadores de “que as feiras representem um risco maior do que uma atividade comercial num recinto fechado, como por exemplo um hipermercado”.

O presidente da associação que representa os médicos de saúde pública considera ainda que sendo estas atividades ao “ar livre” até “haverá menos risco”.

“Confesso que não percebi bem a fundamentação da medida, a menos que haja algum dado que não tenhamos conhecimento. Mas mais uma vez devia ser explicado o porquê.”

Por fim, Mexia diz que “gostava de acreditar que as medidas são tomadas através de evidência, mas eu não tenho nenhuma explicação”.

Esta segunda-feira, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, justificou a suspensão das feiras com o avanço da pandemia de Covid-19 em Portugal.

“Relativamente à questão das feiras versus outro comércio mais tradicional, aqui tem a ver com este período de exceção. Temos que ter alguma paciência, porque temos mesmo que achatar a curva”, declarou Graça Freitas, em conferência de imprensa.

Graça Freitas reconhece que os feirantes são importantes para a economia e que são pessoas que "têm dificuldades na sua vida". No entanto, "quando comparado com o comércio tradicional há aqui uma grande diferença", argumenta.

"O comércio tradicional é estável, fixo, não é móvel e cria as suas próprias regras, quer para o comércio, trabalhadores e clientes. E aqui dá-nos alguma garantia que as regras se cumprem”, afirma a diretora-geral da Saúde.

Já o presidente da Conselho Nacional de Saúde, Henrique Barros, considera que do ponto de vista do risco os mercados e feiras não foram ainda estudados e também salienta que uma atividade ao ar livre é “uma vantagem para uma infeção de transmissão respiratória”.

No entanto, e frisando que não tem um estudo de base para suportar afirmações científicas, Henrique Barros declara que “sabemos que nas feiras o ambiente é facilitador de aglomeração”. “As pessoas estão muito juntas umas das outras e a falar, a discutir os preços”.

Mas ressalva que nesta questão há muitos “ses”. Se as pessoas estiverem com máscara e com preocupação de não mexer nas coisas umas das outras, se limparem as mãos, se houver a preocupação de não deixar aglomerar, não me parece que seja um risco maior do que noutra qualquer situação de comércio”.

Falta fundamentação às medidas

Noutra dimensão, também a Confederação Portuguesa da Micro, Pequenas e Médias Empresas critica a medida do Governo de proibir as feiras e os mercados de levante (ao ar livre), que considera “não só incompreensível”, como “não se compagina com a abertura, por todo o país, das grandes superfícies (em espaços fechados), onde se aglomeram centenas de pessoas sem o mínimo de respeito pelas regras da Direcção-Geral da Saúde (DGS)”.

“As feiras e os mercados de levante são realizados por micro e pequenos empresários que se levantam de madrugada e retiram ao fim do dia. Animam economicamente as vilas e as cidades. Estas feiras e mercados têm lugar em praças, em ruas largas e outros espaços municipais, sempre em espaços abertos, onde vendem, sobretudo, produtos da terra”, diz o comunicado.

“A CPPME, enquanto concorda com o respeito pelas regras sanitárias definidas pela DGS, não concorda com estas medidas governamentais, porque não só manifestam alguma desproporcionalidade, como não são suficientemente fundamentadas”, defende a mesma confederação.

Na feira de Espinho, a Renascença, antes ainda de ser conhecida a nova posição do executivo, os comerciantes diziam não compreender a decisão do Governo em fechar feiras e mercados nos concelhos mais pressionados pela Covid-19.

"É uma medida muito leviana" que "deve ser repensada", disse um feirante, garantindo que, se nada for alterado, os feirantes devem tomar "medidas mais presentes para mostrar como estamos indignados com esta posição".

Isso mesmo pensa fazer a Federação Nacional das Associações de Feirantes que admite a realização de uma marcha de protesto.

Os comerciantes dizem que a decisão "é uma facada nas costas" e apelam à intervenção do Presidente da República para que o setor não seja castigado no âmbito do combate à pandemia de Covid-19.

"Isto é uma facada nas costas que o Governo está a dar a todos os que operam em mercados e feiras", critica Joaquim Santos, presidente da Federação Nacional das Associações de Feirantes, em entrevista à Renascença.

"Ainda não tínhamos sequer recuperado de um confinamento em que fomos dos primeiros a fechar e quase os últimos a retomar atividade e sofremos outra paragem", adianta o representante dos feirantes.Isso mesmo pensa fazer a Federação Nacional das Associações de Feirantes que admitia a realização de uma marcha de protesto.

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