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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

E se tivesse sido um homem a abandonar o bebé no lixo?

30 out, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


Sou eu o único a ficar com a impressão de que as mulheres são desprezadas como vítimas e sobrevalorizadas como agressoras?

Voltemos ao tema. Há um ano, quando escrevi sobre o caso do bebé abandonado no lixo, acabei o meu texto com uma certeza: a mãe tinha de ser punida pela lei. O estado de direito tinha de sinalizar que aquele acto é intolerável. Não há aqui relativismos legais, e a pobreza não é álibi. Só que isto é só o começo da conversa, não é o fim. A sentença (nove anos de cadeia efectiva) não resolve moralmente o assunto. Pensar que esta pena de cadeia resolve o problema é uma atitude típica de Pôncio Pilatos.

Há dois pontos que me inquietam nesta sentença. O primeiro é a desproporção em relação a outros crimes passionais. Compare-se os noves anos de cadeia efectiva desta mãe com as penas suspensas dos homens que tentam matar e violar as mulheres, ex-mulheres, namoradas e ex-namoradas. Procurem nos jornais as histórias de violência doméstica. São centenas. Homem de 62 anos agride violentamente mulher durante 40 anos; na última agressão, ela fica em estado muito grave no hospital. Pena? Três anos. Homem viola a mulher durante onze anos. Sentença? Pena suspensa. Homem tentou matar a mulher. Sentença? Quatro anos. Homem ameaçou a mulher com uma motosserra. Sentença? Pena suspensa. Perante esta assimetria legal, não é descabido colocar a questão: se tivesse sido um homem a abandonar a criança no lixo, a pena teria sido mais leve? Sou eu o único a ficar com a impressão de que as mulheres são desprezadas como vítimas e sobrevalorizadas como agressoras?

O segundo ponto que quero salientar está relacionado com a questão anterior à sentença: a rapariga fez aquilo depois de ter sido desumanizada por anos de miséria e droga. Vai a prisão humanizá-la? Vai ela recuperar a sua humanidade perdida na prisão? Não vai. Temos nós instituições capazes de re-humanizar pessoas que foram embrutecidas por anos e anos de miséria? Não temos, pois não? Estão somos todos Pôncio Pilatos perante este caso e perante todas pessoas miseráveis que tomam decisões erradas no desespero. Olhe-se, por exemplo, para aquela senhora que durante a quarentena matou o filho autista. Esta mulher é culpada, sem dúvida, fez uma escolha horrível, mas fez essa escolha num quadro de desespero que é inconcebível para a maioria das pessoas. Falta, portanto, essa empatia pelo "inconcebível" que é o livre arbítrio na pobreza.

Comentários
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  • Joaquim Santos
    31 out, 2020 Tojal 09:02
    À mulher Deus deu o dom de amar os filhos. O amor de mãe é o amor de Deus no mundo. O mundo de hoje tem pouco amor de Deus, porque muitas mulheres rejeitam a maternidade. Ao homem Deus deu-lhe o dom de fazer pela vida, de lutar pelo bem estar da sua familiar para que nada lhe falte. Nos nossos dias as mães renegam o dom da maternidade, masculinizado-se.
  • Ivo Pestana
    30 out, 2020 Funchal 12:06
    Um crime contra a vida é monstruoso, seja praticado por homem ou mulher, rico ou pobre. Deus disse, "não matarás", o resto é blá blá blá. Antes do crime, existem outras soluções. Deixasse a criança na porta duma instituição e em segurança, não é no lixo. Isto é inconcebível e insensatez. Todos têm pena dos criminosos e das vítimas?
  • António J G Costa
    30 out, 2020 Cacém 08:14
    Há 100 anos era considerado que as mulheres não tinham "capacidade para votar" ou para gerir uma conta bancária. Em França o direito ao voto feminino, vem so em 1945 e na Suiça só nos anos 70, do séc XX. Ainda em França, nos 50s do séc XX, vi uma noticia de um cavalheiro ter sido ilibado depois de abater a tiro a mulher e o amante, apanhados juntos na cama. Pior, o sujeito foi, à época, elogiado por " defender a honra" da familia! A situação da mulher tem evoluído muito desde então. Mas....note-se, que em nome do "politicamente correto" é necessário respeitar "as diferenças culturais". Assim "nesta" Europa considera-se que espancar e castrar mulheres, empurra-las para trás, mais as crianças, quando são socorridos no mar, é uma "forma de cultura". As ideologias fascistas ensinam-se, não são forma de cultura. E a "embalagem religiosa" não cola, pois a Religião tem de ser ensinada!