Emissão Renascença | Ouvir Online
A+ / A-

Francisco sonha com “uma Europa saudavelmente laica”

27 out, 2020 - 12:49 • Aura Miguel

Numa carta escrita para comemorar os 40 anos da fundação da Comissão dos Episcopados da União Europeia, Francisco pede à Europa que se volte a encontrar, sendo fiel às suas raízes.

A+ / A-

O Papa Francisco quer uma Europa “saudavelmente laica”, onde Deus e César possam conviver “distintos, mas não contrapostos”.

“Sonho uma Europa saudavelmente laica, onde Deus e César apareçam distintos, mas não contrapostos. Uma terra aberta à transcendência, onde a pessoa crente se sinta livre para professar publicamente a fé e propor o seu ponto de vista à sociedade”, escreve o Papa, para quem “é evidente que uma cultura ou um sistema político que não respeite a abertura à transcendência, não respeita adequadamente a pessoa humana.”

A Santa Sé divulgou esta terça-feira a carta escrita por Francisco ao cardeal Parolin, por ocasião dos 40 anos da COMECE (Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia) e os 50 anos das relações diplomáticas da Santa Sé com a União Europeia. O Secretário de Estado do Vaticano deveria deslocar-se a Bruxelas entre 28 e 30 de novembro, mas devido à pandemia, os encontros previstos realizam-se por videoconferência.

Em tempo de pandemia, em que prevalece a tentação de “proceder sozinhos”, escreve o Papa nesta carta, só há dois caminhos: ou prosseguir pelo mesmo caminho da última década, com “soluções unilaterais” e “mal-entendidos, contraposições e conflitos cada vez maiores”, ou redescobrir “o caminho da fraternidade, que inspirou e animou os Pais fundadores da Europa moderna, a começar por Robert Schuman”.

Francisco destaca a atualidade do apelo de São João Paulo II no Acto Europeu de Santiago de Compostela: “Europa volta a encontrar-te. Sê tu mesma”. E, preocupado com a falta de valores e crescente perda de identidade na atual sociedade, lança um novo apelo à Europa: “Tu, que foste uma forja de ideais ao longo dos séculos e agora pareces perder o teu ímpeto, não te detenhas a olhar o teu passado como um álbum de recordações”.

Francisco não quer lamentações estéreis, nem divisões no campo pessoal, social e político. Por isso insiste: “Europa, volta a encontrar-te! Volta a encontrar os teus ideais, que têm raízes profundas. Sê tu mesma! Não tenhas medo da tua história milenária, que é uma janela para o futuro mais do que para o passado. Não tenhas medo da tua necessidade de verdade que, desde a Grécia antiga, abraçou a terra realçando as interrogações mais profundas de todo o ser humano; da tua necessidade de justiça que se desenvolveu a partir do direito romano e, com o tempo, se tornou respeito por todo o ser humano e pelos seus direitos; da tua necessidade de eternidade, enriquecida pelo encontro com a tradição judaico-cristã, que se espelha no teu património de fé, arte e cultura.”

Entre preocupações e desalentos, o Papa aponta o exemplo de confiança de Robert Schuman, “a partir de valores partilhados e radicados na história e cultura desta terra”.

O Papa Francisco sonha com “uma Europa amiga da pessoa e das pessoas. Uma terra onde seja respeitada a dignidade de cada um, onde a pessoa seja um valor em si mesma e não o objeto dum cálculo económico nem uma mercadoria. Uma terra que defenda a vida em todos os seus momentos, desde o instante em que surge invisível no ventre materno até ao seu fim natural, porque nenhum ser humano é dono da sua própria vida ou da dos outros. Uma terra que favoreça o trabalho como meio privilegiado para o crescimento pessoal e a edificação do bem comum, criando oportunidades de emprego especialmente para os mais jovens”. E prossegue: “Sonho uma Europa que seja uma família e uma comunidade. Um lugar que saiba valorizar as peculiaridades de cada pessoa e de cada povo, sem esquecer que estão unidos por responsabilidades comuns. Ser família significa viver em unidade, valorizando as diferenças a começar pela diferença fundamental entre homem e mulher.”

Neste contexto, é urgente “uma 'solidariedade inteligente', que não se limite apenas a atender às carências fundamentais, quando necessário” mas que saiba “conduzir quem é mais frágil por um caminho de crescimento pessoal e social, de modo que um dia possa por sua vez ajudar os outros”. O Papa quer uma Europa “próxima”, ou seja, “disponível, vizinha e desejosa de apoiar os outros Continentes – penso especialmente na África –, através da cooperação internacional, para se resolverem os conflitos em curso e iniciar um desenvolvimento humano sustentável” e que não seja “desconfiada a respeito dos migrantes”.

[Notícia atualizada às 14h27]

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+