27 out, 2020 - 21:46 • Joana Azevedo Viana com Reuters
Desde o início da campanha para as presidenciais 2020 nos EUA, Donald Trump tem sugerido que a votação por correspondência -- este ano com elevada participação por causa da pandemia de Covid-19 -- está a permitir uma fraude a favor dos democratas.
De todas as vezes que foi questionado sobre se aceitará os resultados eleitorais, o Presidente recusou-se a dar garantias de uma transferência pacífica de poder se esses resultados indicarem a vitória do seu rival democrata, Joe Biden.
Isto tem preocupado os democratas, que consideram a possibilidade de a campanha de Trump vir a disputar os resultados das eleições.
A acontecer, isso poderá espoletar uma série de dramas políticos e judiciais em que a presidência pode ser, em última instância, decidida por uma combinação de tribunais, políticos estatais e o Congresso federal.
Até esta terça-feira, a uma semana das presidenciais, mais de 68 milhões de eleitores já tinham votado antecipadamente, de acordo com cálculos do Projeto Eleições EUA.
Quais os cenários possíveis de disputa de votos? Os analistas apontam alguns.
Os dados sobre a votação antecipada mostram que está a ter uma maior adesão por parte dos democratas em comparação com os eleitores republicanos.
Em estados como a Pensilvânia e o Wisconsin, que não contam os resultados da votação por correspondência antes do Dia Eleitoral -- na próxima terça-feira, 3 de novembro -- os resultados iniciais podem ser favoráveis a Trump, indicam especialistas, sendo que os votos que serão contabilizados mais tarde tenderão a favorecer Biden.
Os democratas colocam a possibilidade de Trump declarar vitória na noite eleitoral e depois alegar que os resultados da votação antecipada que serão contabilizados nos dias seguintes são uma fraude.
Um resultado próximo do empate no dia das eleições pode terminar em litígio sobre os procedimentos de contagem de votos presenciais e por correspondência nos estados com maior peso no processo eleitoral.
Processos judiciais que sejam abertos em estados concretos podem eventualmente chegar ao Supremo Tribunal, como aconteceu em 2000 com a Flórida. Nas presidenciais desse ano, o republicano George W. Bush derrotou o democrata Al Gore por apenas 537 votos de diferença na Flórida; o Supremo impediu uma recontagem dos votos, atribuindo a vitória a Bush.
Neste contexto ganha importância a confirmação da conservadora Amy Coney Barrett para substituir a liberal Ruth Bader Ginsburg no painel de juízes da máxima instância judicia. Com a luz verde do Congresso a Barrett, o Supremo conta agora com uma maioria conservadora de 6 contra 3, o que pode favorecer o atual Presidente em caso de disputa dos resultados eleitorais.
O Presidente dos EUA não é eleito por maioria qualificada no voto popular. Sob a Constituição, só é Presidente o candidato que conquiste uma maioiria dos 538 delegados do Colégio Eleitoral, os chamados "grandes eleitores".
Em 2016, Trump perdeu para a democrata Hillary Clinton nas urnas, mas conseguiu assegurar 304 delegados contra 227 para Clinton, tornando-se o 45.º Presidente dos EUA.
O candidato que vence o voto popular num dado estado normalmente conquista automaticamente todos os "grandes eleitores" que representam esse estado no Colégio Eleitoral. Também numa situação normal, o governador do estado limita-se a certificar os resultados do voto popular e partilha essa informação com o Congresso.
O Colégio Eleitoral vota a 14 de dezembro, cerca de seis semanas depois do dia das eleições. O Congresso reúne-se a 6 de janeiro para confirmar os resultados e nomear o vencedor, que toma posse a 20 de janeiro.
Dada a postura de Trump ao longo da campanha, alguns analistas levantam a hipótese de haver um "duelo" entre governadores e legislaturas estatais se os resultados do voto popular não derem vitória clara a um dos lados.
Este cenário está a ser tido em conta dada a realidade em estados importantes no Colégio Eleitoral como a Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Carolina do Norte -- atualmente, todos têm governadores democratas e congressos de maioria republicana.
Explicador
A duas semanas das presidenciais nos EUA, Donald T(...)
Especialistas em lei eleitoral dizem que não há um guião claro sobre como proceder caso tal aconteça, nem sobre se o Congresso federal deve aceitar a decisão do governador ou não incluir, de todo, na contagem final os delegados daquele estado.
Ainda que a maioria dos especialistas indique este cenário é improvável, existem precedentes históricos: o caso da Flórida nas presidenciais Bush vs. Gore em 2000 e o "duelo de grandes eleitores" de 1876, em que três legislaturas estatais apresentaram a sua fação de delegados no Colégio contra os do governador, levando o Congresso federal a aprovar a Lei de Contagem Eleitoral em 1887.
A lei dita que, confrontadas com este cenário, cada câmara do Congresso escolhe que fação de "grandes eleitores" quer aceitar. Contudo, nada está definido nesse decreto sobre o que fazer caso haja discórdia entre a Câmara dos Representantes e o Senado.
Neste momento, a primeira é controlada pelos democratas e a segunda tem maioria republicana; contudo, a maioria dos lugares do Congresso também vai a votos a 3 de novembro, e só o novo Congresso decidirá este voto, caso se chegue a isso, depois de tomar posse a 3 de janeiro.
A mesma Lei de Contagem Eleitoral de 1887 indica que os "grandes eleitores", ou delegados do Colégio, escolhidos pelo "executivo" estatal é que contam. Muitos especialistas dizem que "executivo" se traduz no governador, mas alguns rejeitam o argumento. Esta lei nunca foi testada nem interpretada nos tribunais.
Num trabalho de investigação em 2019, em que imaginava uma hipotética disputa como esta no Colégio Eleitoral, Ned Foley, professor de Direito da Universidade do Ohio, apontou que a linguagem utilizada na formulação do decreto é "praticamente impenetrável", deixando a lei aberta a interpretação.
Outra possibilidade improvável caso o Congresso não chegue a consenso nesta situação, indica Foley é que o atual vice-presidente de Trump, Mike Pence, decida não contabilizar os votos dos delegados deste ou daquele estado, enquanto presidente do Senado.
Nesse caso em concreto, a Lei de Contagem Eleitoral também não clarifica se um candidato continua a precisar de um mínimo de 270 votos no Colégio ou se deve prevalecer a maioria do total de votos que restem -- por exemplo, 260 do total de 518 se os "grandes eleitores" da Pensilvânia foram invalidados.
"É justo dizer que nenhuma destas leis foi posta à prova até agora", indicava há uma semana Benjamin Ginsberg, advogado que representou a campanha presidencial de Bush durante a disputa de votos na Flórida em 2000.
Para resolver um potencial impasse entre câmaras do Congresso, os partidos podem pedir ao Supremo Tribunal que intervenha, mas também não é certo que os juízes aceitem definir como é que o Congresso deve contabilizar os votos do Colégio.
A 12.ª emenda da Constuição dos EUA prevê uma "eleição de contingência" caso nenhum dos candidatos presidenciais assegure uma maioria qualificada de "grandes eleitores". Isto significa que é a Câmara dos Representantes a responsável por escolher o próximo Presidente dos EUA, cabendo ao Senado a selecção do vice-presidente.
Neste cenário, cada delegação estatal da câmara baixa do Congresso tem um voto. Na atual composição, os republicanos controlam 26 das 50 delegações estatais, contra 22 controladas pelos democratas; uma outra está dividida a meio e a restante conta com sete democratas, seis republicanos e um libertário.
Uma eleição de contingência também pode ter lugar se, contas feitas, houver um empate 269-269 entre Trump e Biden no Colégio Eleitoral.
Existem vários caminhos para potenciais disputas eleitorais nos EUA e qualquer delas tem um prazo relativamente reduzido para ser resolvida -- até 20 de janeiro, dia definido pela Constituição para a tomada de posse do Presidente eleito.
A Lei de Sucessão Presidencial determina que, se o Congresso não tiver ainda declarado um vencedor das presidenciais até esse dia, o presidente da Câmara dos Representantes torna-se Presidente interino dos EUA. Atualmente, esse cargo pertence a Nancy Pelosi, representante da Califórnia pelo Partido Democrata.