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Presidenciais EUA. E se Trump e Biden empatarem? E se houver um "duelo de grandes eleitores"?

21 out, 2020 - 00:30 • Joana Azevedo Viana com Reuters

A duas semanas das presidenciais nos EUA, Donald Trump continua sem se comprometer a aceitar os resultados se o vencedor for o democrata Joe Biden. Ao mesmo tempo, a corrida entre os candidatos está renhida em estados de redobrada importância. Uma pequena margem de votos a separar um de outro num desses estados pode empurrar os EUA para um longo período de incerteza -- a começar por várias semanas de uma disputa que pode vir a ser inédita.

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Nos Estados Unidos da América, um candidato à Casa Branca só se torna Presidente quando garante uma maioria qualificada dos votos dos delegados do Colégio Eleitoral, e não quando assegura uma maioria de votos populares nas urnas.

O sistema atribui um determinado número de delegados, os chamados "grandes eleitores", a cada um dos 50 estados e ao distrito federal de Columbia (Washington D.C., a capital) com base no seu número de habitantes.

Foi graças ao Colégio Eleitoral que Donald Trump venceu as presidenciais de 2016, apesar de ter ficado atrás da rival democrata, Hillary Clinton, no voto popular.

Da forma que o sistema funciona, é em teoria possível que governador e legislatura estatal, cada um representando um partido político diferente, entreguem ao Colégio Eleitoral resultados eleitorais diferentes depois de 3 de novembro.

Isto poderá levar ao chamado "duelo dos grandes eleitores". O que quer isto dizer e o que significa para as eleições presidenciais, marcadas para daqui a duas semanas?

Quem são os "grandes eleitores"?

O Presidente dos EUA é selecionado por 538 delegados do Colégio Eleitoral, sendo que a cada estado corresponde um determinado número de "grandes eleitores" com base na sua população.

Na prática, quando um cidadão vota num candidato está a votar para que o respetivo partido tenha mais delegados no Colégio Eleitoral. O voto popular em cada estado normalmente serve para determinar que candidato -- no caso, o republicano Donald Trump ou o democrata Joe Biden -- recebe os votos dos "grandes eleitores" alocados a esse estado.

A contagem de votos e qualquer disputa relacionada com resultados eleitorais tem como guias a Constituição dos EUA e a Lei de Contagem Eleitoral de 1887.

Quando é que esses delegados votam?

Os "grandes eleitores" reúnem-se a 14 de dezembro para elegerem o novo Presidente dos EUA. (Um candidato precisa dos votos favoráveis de pelo menos 270 "grandes eleitores" para ser declarado vencedor.)

A votação do Colégio Eleitoral é depois certificada pelo Congresso, numa sessão marcada para 6 de janeiro de 2021, que será supervisionada pelo vice-presidente de Trump, Mike Pence, enquanto presidente do Senado.

O que implicaria um "duelo dos grandes eleitores"?

Estados em que Trump e Biden fiquem praticamente empatados no voto popular podem acabar com fações concorrentes de "grandes eleitores", sendo uma sancionada pelo governador do estado e outra pela legislatura.

A duas semanas da ida às urnas, o risco de isto acontecer continua a aumentar em estados decisivos nestas presidenciais, como o Michigan, Carolina do Norte, Pensilvânia e Wisconsin -- em comum, todos têm governadores do Partido Democrata e legislaturas de maioria republicana (e pesos consideráveis no Colégio Eleitoral).

"Espero que as probabilidades [de um duelo de 'grandes eleitores'] sejam muito baixas, mas 1876 recorda-nos que é possível e que já estivemos bem perto de cair desse precipício na nossa história"

Alguns especialistas em legislação eleitoral estão preocupados com o volume sem precedentes de votos por correspondência, no contexto da pandemia de Covid-19. Quaisquer questões que possam advir do processo eleitoral podem empurrar o anúncio dos resultados durante semanas, criando um prolongado período de incerteza

Desde o início desta campanha, Trump continua a alimentar o fantasma de fraude eleitoral e a lançar ataques sem fundamento contra o voto por correspondência, que tradicionalmente tende a favorecer o Partido Democrata. A par disto, continua sem se comprometer a aceitar os resultados se o vencedor for Biden.

Se os resultados à boca de urna a 3 de novembro derem uma vantagem, mesmo que ligeira, ao atual Presidente, os especialistas temem que Trump vá pressionar as legislaturas estatais de maioria republicana para que designem "grandes eleitores" que lhe sejam favoráveis, reclamando que o que vale são os resultados iniciais (que ainda não vão contemplar a maioria dos milhões de votos por correspondência).

Face a isto, os governadores podem também escolher a sua fação distinta de "grandes eleitores" que se comprometam a votar em Biden no Colégio Eleitoral caso os resultados finais (votos por correspondência já incluídos) mostrarem que o democrata venceu o voto popular.

Quem ganha este duelo?

As duas câmaras do Congresso federal -- Câmara dos Representantes e Senado -- podem chegar a acordo quanto aos "grandes eleitores", o que enterraria o assunto. Por outro lado, as câmaras também podem ficar divididas, o que adensaria o problema.

Isto seria possível se, nas próximas eleições, os republicanos conseguissem reter o atual controlo do Senado e os democratas conseguissem manter a maioria de representantes na câmara baixa do Congresso.

Quais são então os cenários possíveis?

Ninguém sabe ao certo. Se representantes e senadores não conseguirem chegar a um acordo, os EUA entrarão oficialmente em território desconhecido.

À Reuters, Ned Foley, professor da Faculdade de Direito Moritz da Univerisade do Ohio, diz que, num cenário inédito como este, a Lei de Contagem Eleitoral, muitas vezes descrita como "ininteligível" e de difícil leitura, parece favorecer a fação de "grandes eleitores" apoiada pelo governador e não pela legislatura estatal.

Ainda assim, o mesmo especialista denota que outros académicos rejeitam esta leitura e ressalta que os próprios serviços do Congresso já rejeitaram essa conclusão.

Vários especialistas têm partilhado as suas ideias sobre o que pode acontecer caso este "duelo" venha a ganhar forma pela primeira vez, contando-se entre elas:

  1. Enquanto presidente do Senado, Mike Pence pode em teoria não aceitar qualquer das fações de "grandes eleitores" apresentadas
  2. A Câmara dos Representantes pode acabar por escolher entre Biden e Trump
  3. Um terceiro cenário indica que a presidente da Câmara dos Representantes, atualmente a democrata Nancy Pelosi, pode tornar-se Presidente interina dos EUA.

O Supremo Tribunal pode ser chamado a tomar a decisão final?

Em caso de empate técnico, e em última instância, o caso chega ao Supremo Tribunal, para que os nove juízes interpretem a Lei do Colétio Eleitoral e resolvam a disputa.

Se a conservadora nomeada por Trump para substituir a falecida Ruth Bader Ginsburg no Supremo for aprovada no Congresso, numa votação marcada para 26 de outubro, o Supremo terá uma maioria conservadora confortável, de seis juízes contra três da ala liberal, quando e se for chamado a pronunciar-se.


O Supremo já teve de decidir no passado?

Sim, em 2000, tendo decidido a favor do republicano George W. Bush contra o democrata Al Gore. Contudo, o caso teve a ver com uma recontagem de votos no estado da Flórida -- onde escassos 500 e poucos votos separavam o vencedor do vencido naquele estado --, sendo que a decisão do Supremo foi tomada antes da votação no Colégio Eleitoral.

"Penso que há aqui desafios legais", diz Jessica Levinson, diretora do Instituto de Serviços Públicos da Faculdade de Direito de Loyola. "Mas ainda assim consigo imaginar um tribunal a dizer que a decisão cabe ao Congresso."

Na verdade, os EUA só lidaram com um "duelo de grandes eleitores" uma vez na sua história: em 1876, com um impasse entre fações opostas de delegados de três estados, que só foi resolvido dias antes da tomada de posse do Presidente eleito, que acontece a 20 de janeiro.

E como foi resolvida essa disputa?

No fundo alcançou-se um "acordo de cavalheiros", já em janeiro do ano seguinte, conhecido como "Compromisso de 1877", que na prática aprofundou as divisões no país: o republicano Rutherford B. Hayes tomou posse como 19.º Presidente dos EUA e, em troca, aceitou retirar dos estados do sul as tropas norte-americanas que ali continuavam desde o fim da Guerra Civil, onze anos antes.

"Espero que as probabilidades de isto acontecer sejam muito baixas, mas 1876 recorda-nos que é possível e que já estivemos bem perto de cair desse precipício na nossa história", destaca Foley.

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