21 out, 2020
A realização de um referendo sobre a eutanásia será aceite ou rejeitada na Assembleia da República na próxima sexta-feira. No entanto, o assunto pouco tem sido abordado no espaço público. Receio que este seja mais um sinal da tendência para desvalorizar a vida humana que se nota nas sociedades modernas.
Decerto que entre as pessoas que defendem a eutanásia há muitos que o fazem para pôr termo ao sofrimento de quem sente a vida como um peso. Ou seja, com as melhores intenções. Respeito essa posição, mas discordo dela.
No passado, em várias civilizações, não era raro matar à nascença uma criança deficiente ou porque era do sexo feminino. A escravatura era aceite, por vezes até se dizendo ser para bem dos escravos, considerados inferiores e por isso incapazes de serem livres. Felizmente, a consciência moral da maioria da Humanidade, entretanto, evoluiu.
Mas há recuos preocupantes. A popularidade do aborto é um deles. O feto é encarado apenas como uma parte do corpo da mãe e não como um ser com vida própria. Isto, apesar de as tecnologias atuais permitirem acompanhar e ver a evolução do feto ao longo da gravidez.
Há um século o eugenismo esteve na moda em vários países desenvolvidos, como a Grã-Bretanha. O eugenismo pretendia o aperfeiçoamento da raça humana através de técnicas de seleção artificial, de controlo reprodutivo ou até da eliminação de determinados grupos humanos. O holocausto organizado pelos nazis em pleno II guerra mundial levou ao extremo do horror essa funesta teoria. Repare-se que tal aconteceu num país altamente civilizado e culto, como era a Alemanha.
Hoje, a desvalorização da vida já não se manifesta em teorias como o eugenismo, mas em atitudes práticas. Viu-se agora, com o coronavírus, como os idosos foram e são discriminados negativamente.
A eutanásia permitirá – já permite, em vários países – que se considerem descartáveis aqueles que, pela idade avançada ou por graves deficiências físicas e psicológicas não são úteis à sociedade e até requerem despesas adicionais. Os próprios médicos por vezes deixam de se interessar por doentes não recuperáveis – atitude mais ou menos consciente, que é o contrário dos cuidados paliativos.
Depois, no caso da eutanásia, há a chamada “rampa deslizante”, isto é, as garantias dadas quando ela começa a ser aplicada vão-se tornando cada vez mais permissivas, facilitando eutanásias a mais pessoas, incluindo crianças, como acontece na Holanda. O eugenismo volta a levantar a cabeça, embora com outros argumentos.
“A vida não se referenda”, diz-se. É verdade, exceto quando não há outra maneira de travar a eutanásia. E se um referendo não serve para questões tão delicadas como esta, então para nada serve.