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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Nem ateu nem fariseu

Uma geração de miúdos doentes

16 out, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


O retrato típico do óbito por Covid-19 é este: a pessoa não morre só por ação da Covid-19, ou seja, o vírus não cria a morte sozinho. A Covid-19 é o rastilho final de uma longa lista de problemas de saúde. E principal comorbidade associada à Covid é a obesidade. O que estamos a fazer com o cancelamento do desporto para jovens?

É cada vez mais difícil furar a névoa emocional, a nebulosa da paranóia e do medo que impede um debate racional. O país passou um dia inteiro no psicodrama "Ronaldo infetado com Covid". Dá vontade de rir? Dá vontade de chorar? Tal como Ibrahimovic, tal como qualquer atleta de alta competição, Ronaldo é o ser humano mais bem preparado à face da terra para enfrentar o vírus. O vírus, de resto, não é uma ameaça para a esmagadora maioria dos infetados, como se sabe.

Mas as pessoas não querem saber deste facto, as pessoas querem chorar, querem emocionar-se, querem drama e novela, querem partilhar no Facebook xaropadas como, ‘Mais um grande desafio para um grande guerreiro!’ ‘Força, estamos contigo!’

O psicodrama “Ronaldo infetado” criado pela paranóia Covid torna-se ainda mais ridículo quando percebemos que milhares de pequenos clubes dedicados às crianças e jovens estão em risco de fechar as portas devido precisamente à paranóia Covid.

O “Expresso”, no sábado, sublinhou este ponto fundamental. As regras anti-Covid estão a afastar milhares e milhares de jovens da formação. De Norte a Sul, milhares de pequenos clubes onde os miúdos fazem karaté, natação, ginástica, atletismo, futebol, andebol, hóquei, etc., já estão na fase do desespero. As inscrições estão a baixar. Boa parte dos miúdos não está a aparecer. Não há público. Não há competição. Não há patrocinadores. Isto não é um pormenor. A paranóia está a destruir o tecido mais simples e fundamental da orgânica da sociedade: o pequeno clube de bairro que se dedica às crianças, aos jovens e, já agora, aos velhotes.

Estamos literalmente a matar a sociedade com a cura; estamos a matar a própria ideia de sociedade, o bairro, e estamos a induzir doenças físicas e mentais nesta geração de jovens. Sem acesso ao desporto, o que está a acontecer a estes jovens? Estão a passar mais tempo à frente dos ecrãs (telemóveis, consolas), estão a fumar mais, a beber mais, estão mais próximos da depressão e da ansiedade, estão a engordar.

O retrato típico do óbito por Covid-19 é este: a pessoa não morre só por ação da Covid-19, ou seja, o vírus não cria a morte sozinho. A Covid-19 é o rastilho final de uma longa lista de problemas de saúde da pessoa em causa. E principal comorbidade associada à Covid é a obesidade. O que estamos a fazer com o cancelamento do desporto para jovens? Estamos a criar uma geração de corpos ainda mais obesos e, por isso, mais propícios a esta e a outras doenças.

Comentários
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  • João
    12 nov, 2020 Lagos 09:42
    A RR deveria de ter o cuidado de publicar opiniões de especialistas. Caso contrário não passam de "xaropadas" do primo Henrique.
  • António J G Costa
    19 out, 2020 Cacém 21:41
    1174 / 39696 = 0,0296 = 2,96% Pois é, para 39 mil casos ativos contabilizados, existem 1174 pessoas internadas. 2,96% dos casos ativos contabilizados. Se o n° de casos ativos x10, o n° de internados vai ultrapassar os 10mil. Uma situação em que a Espanha e Itália se encontravam à meses atrás. A situação não é mesmo, mesmo nada fácil !
  • Justino
    16 out, 2020 Cantanhede 08:32
    Devias passar uns dias e umas noites nas enfermarias e logo terias mais respeito por quem trabalha, por quem está doente e por quem falece...!