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Postal de Quarentena – Maiduguri

Com este Governo e esta pandemia, como havemos de ter esperança?

15 out, 2020 - 06:00 • Gideon Obasogie*

A Nigéria, o maior país de África em termos demográficos, conta com pouco mais de mil mortes por Covid-19, em números oficiais. Mas para este padre, habituado a lidar com terroristas do Boko Haram, o comportamento do Governo tem sido ainda pior que o vírus.

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O surto do novo coronavírus na Nigéria já arruinou várias áreas da economia nacional, incluindo a indústria da aviação, as áreas socio-políticas, saúde e educação.

A nível mais local, aqui em Maiduguri, infelizmente nem a Covid-19 fez diminuir os ataques do Boko Haram. Continuam a operar na periferia e nos arredores da cidade. Ao longo dos últimos 60 dias houve dois ataques graves contra a comitiva do governador Zollum, que estava em missão em Baga, a cerca de 280 quilómetros daqui onde esteve a visitar um campo para deslocados.

A tensão aqui no nordeste tem sido sempre entre o Boko Haram e os cristãos, e depois com os outros habitantes da região. A narrativa vai mudando, mas a violência permanece.

À luz de tudo isto a pandemia não assume contornos sanitários tão graves como se têm visto na Europa e na América, e por isso para mim, pessoalmente, a vida em Maiduguri tem permanecido bastante inalterada.

Neste texto vou falar sobretudo do impacto da pandemia na área social e política e no setor da educação na Nigéria.

Num país onde existem problemas de segurança social há décadas, a situação de desespero da maioria da população fez com que muitos dos jovens que perderam os empregos durante pandemia se virassem para o cibercrime e assalto à mão armada ou conduziu a problemas mentais e um aumento de divórcios.

O setor da educação foi gravemente afetado durante o período de quarentena/confinamento; mesmo antes da pandemia a Nigéria já tinha um sistema de educação fraco, com falta de professores bem formados e tecnologia digital, e internet, de fraca qualidade.

Ao contrário do sistema educativo da Alemanha, Suécia, Noruega e Itália, onde os estudantes tiveram o privilégio de poder frequentar aulas online, na Nigéria aconteceu exatamente o contrário, o que arruinou as esperanças dos nossos jovens e estudantes confinados. Muitas destas crianças acabaram por ser vítimas de abusos e outros vícios sociais, o que poderia ter sido evitado, o pelo menos reduzido, se o Governo tivesse encontrado melhores estratégias para ocupar as crianças durante o confinamento, uma vez que não há nada pior para uma criança do que estar desocupada. Já muitos dos pais ficaram desempregados ou viram os seus salários reduzidos, o que levou a problemas de parentalidade durante a quarentena.

No meio desta situação de desespero o Presidente, que se afirmou sempre como sendo contra a corrupção, não tinha a menor ideia de que passos devia tomar para menorizar a dor das pessoas, optando antes por aumentar o preço dos combustíveis e da eletricidade.

A pandemia de coronavirus expôs, verdadeiramente, a inutilidade do Governo liderado pelo Presidente Buhari. O mesmo Governo que manteve as crianças em casa para evitar concentrações prosseguiu com eleições, levando a aglomerações de milhares de eleitores sem distanciamento social. As taxas de criminalidade estão a subir, a segurança está em queda livre. Ainda há dias as redes sociais estavam cheias de notícias sobre a matança de cidadãos inocentes no sul do país, às mãos de um bando de criminosos incultos que dão pelo nome de Esquadrão Especial Contra o Roubo.

Um Governo que promete segurança para as vidas e propriedade dos outros é agora vista como defendendo exatamente o oposto. Com tudo isto, como havemos de ter esperança?

O escândalo levou mesmo o Governo a dissolver esta força policial, depois de jovens nigerianos terem feito um protesto pacífico a exigir a reforma da polícia, o que passou a ser a notícia mais destacada, acima do distanciamento social.


Gideon Obasogie* é padre e responsável pela comunicação para a diocese de Maiduguri. Há precisamente um ano visitou Portugal, a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, para chamar atenção para a perseguição aos cristãos na sua terra natal.

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