Tempo
|
José Miguel Sardica
Opinião de José Miguel Sardica
A+ / A-

​Felipe VI e a “Frente Popular” espanhola

14 out, 2020 • Opinião de José Miguel Sardica


Se o velho Felipe González receia que a nova geração do “seu” PSOE esteja a preparar uma “republiqueta”, no PP, Jaime Mayor Oreja, que foi, no passado, putativo candidato à sucessão de José María Aznar, declara que a Espanha está a caminho de uma mudança de regime às mãos da nova “Frente Popular”.

Particularmente fustigada pela pandemia da Covid-19, a Espanha enfrenta hoje, para lá da tempestade sanitária, uma tempestade política que ameaça ser grave. A relação entre Felipe VI e o governo de Pedro Sánchez, entre os Palácios da Zarzuela e da Moncloa, pode estar a chegar ao ponto de rutura. Liderado pelo PSOE, mas escorado pelo Podemos e por outras forças minoritárias de nacionalistas e independentistas vários, o executivo de Sánchez é uma “geringonça” ou, para evocar a história do país vizinho, uma espécie de reedição da Frente Popular de 1936. Para as esquerdas que hoje mandam em Espanha, está instalada uma crise interinstitucional e o rei é apontado a dedo como inimigo do suposto progressismo espanhol. Toda a gente sabe o que Pablo Iglesias já declarou: que “a tarefa fundamental do Podemos é acabar com a monarquia em Espanha”. O que depois disso se seguiria, atalhou porém Felipe González (o líder histórico do PSOE dos tempos de Juan Carlos I), seria uma “republiqueta” que conduziria à destruição da Espanha.

Diz-se que Juan Carlos I ganhou a Coroa de Espanha no 23-F (Fevereiro de 1981), quando derrotou os insurretos neofranquistas. Pode bem ser que Felipe VI a tenha perdido no 3-O, ou seja, no discurso que proferiu a 3 de outubro de 2017, exprobando e condenando o independentismo catalão, que acabara de levar a cabo o referendo secessionista ilegal. Nesses seis minutos de discurso televisionado, o rei vincou, de forma solene, o seu “compromisso com a unidade e a permanência de Espanha”. Não só os catalães mais rebeldes, mas o geral das esquerdas antimonárquicas nunca mais lhe perdoaram essa muito compreensível e justificável tomada de posição.

Desde há um mês, o divórcio de Felipe VI com os que mandam no seu reino subiu de tom. Ao arrepio da tradição, Sánchez cometeu a indelicadeza de não autorizar a presença do monarca na cerimónia de promoção de 69 juízes catalães. Incomodado, Felipe VI telefonou ao presidente do Conselho Geral do Poder Judicial para lhe dizer que gostaria de ter estado presente. Foi o que bastou para que alguns ministros, com o silêncio conivente de Pedro Sánchez, viessem declarar que a Coroa violara a sua “neutralidade”, instalando nada menos do que uma “crise constituinte” no coração do sistema político. E enquanto o governo já se prepara para indultar os condenados pelos processos catalães de 2017, ou para colocar sobre a mesa a proposta de retirar ao monarca o cargo de Comandante-em-Chefe das Forças Armadas, destacadas figuras da política ou da imprensa socialista e radical exibem fotografias do príncipe Felipe, com sete anos de idade e um peluche na mão (em 1975), a cumprimentar o general Franco – para no fundo sugerirem que na Zarzuela mora “o deputado 53 do Vox”(!) A estratégia de confronto é clara: trata-se, como resumiu o jornal El Español, de “coisificar o rei como um objeto entre a ignorância e a afronta”.

Se o velho Felipe González receia que a nova geração do “seu” PSOE esteja a preparar uma “republiqueta”, no PP, Jaime Mayor Oreja, que foi, no passado, putativo candidato à sucessão de José María Aznar, declara que a Espanha está a caminho de uma mudança de regime às mãos da nova “Frente Popular”. Desastrada e infelizmente, a novela, em curso, sobre os alegados atos de corrupção de Juan Carlos, o rei emérito, são autêntica gasolina para a fogueira. Em Espanha juntou-se assim a vontade do “assaltante” às portas entreabertas da casa “assaltada”. Mas com ou sem corrupção do pai, é absolutamente óbvia a existência da guerra, cada vez mais audível, que uma Espanha sem outro norte senão o radicalismo está a mover ao filho.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • António J G Costa
    15 out, 2020 Cacém 20:52
    Estamos numa época de viragem. As uniões que criaram os grandes estados europeus estão a ruir, quais castelos de cartas. Vamos ver onde é que esta situação toda vai desembocar .....