11 out, 2020
Numa entrevista ao jornal Público na quarta-feira passada, Silvia Federici, filósofa e ativista italiana, criticou violentamente o capitalismo. “A bandeira democrática do capitalismo tem sido uma mentira”, afirmou ela; “o capitalismo gera uma quantidade tremenda de desigualdades e também de infelicidade (...) o sistema capitalista faz todos os possíveis para gerar sofrimento, sempre apresentou o outro como potencial inimigo”.
Não são críticas justas, pelo menos em grande parte, mas não surpreendem vindas de quem se intitula marxista feminista. É certo, porém, que o capitalismo é hoje alvo de numerosas críticas válidas, sobretudo depois da recessão iniciada em 2007 nos EUA e rapidamente tornada global, e agora por causa da pandemia, pela falta de atenção aos mais pobres, que são quem mais sofre com o coronavírus.
Há décadas que sucessivos papas da Igreja Católica chamam a atenção para os limites do mercado, que não pode comandar tudo. Bento XVI, por exemplo, apelou aos economistas católicos para que ajudassem a pensar um modelo económico diferente. Inspirado em S. Francisco de Assis, o Papa Francisco tem tido palavras duras – contra “a economia que mata”, por exemplo – apelando para um sistema que não ponha de lado os mais pobres e frágeis.
Houve quem se escandalizasse com o Papa Francisco, não percebendo que ele apenas diz em palavras claras o que se encontra na doutrina social da Igreja, à qual muitos católicos, na prática, dão escassa importância. Que o capitalismo de hoje, muito diferente do capitalismo selvagem do séc. XIX, tem ainda muitos defeitos e precisa de reformas, é agora uma posição perfilhada por numerosos adeptos da economia social de mercado.
Já me parece menos aceitável que se condene em absoluto o sistema capitalista, que aliás tem evoluído ao longo do tempo e é diferente nas várias sociedades que o acolhem. Até ao colapso do comunismo soviético, o chamado “socialismo real”, havia, no terreno e não apenas na retórica, uma alternativa ao capitalismo. Só que essa alternativa revelou-se bem pior do que a economia capitalista. E não só quanto à eficácia económica; também em matéria de direitos humanos.
Por isso, desafio os que proclamam que o capitalismo não tem melhoria possível a apresentarem um só caso atual onde a rejeição deste sistema não tenha levado à ditadura (que não é propriamente do proletariado) e à eliminação das liberdades. A história do comunismo soviético é uma sucessão de atentados à democracia. E os países que sobreviveram reclamando-se “comunistas” são tudo menos democráticos – da Bielorrússia à Coreia do Norte, passando pela China de Xi jinping.