10 out, 2020 - 15:41 • José Pedro Frazão
A ex-ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues propõe a criação de quotas no acesso às universidades para os melhores alunos de cada escola secundária. A ideia seria dar mais oportunidades a estudantes que fazem o seu percurso escolar em zonas menos favorecidas.
"As universidades deviam ter uma política de quotas, de lugares reservados para os melhores alunos de todas as escolas. Devia haver um concurso só para esses alunos, garantindo-lhes um acesso. Discriminar positivamente os quadros de honra, não a nível nacional mas ao de cada escola. É em cada escola que as coisas se passam. Ter 15 valores numa escola em território difícil pode ser uma coisa absolutamente extraordinária. E pode esconder o potencial de um jovem que, num outro contexto, teria chegado aos 18, 19 ou 20 valores", afirma a actual reitora do ISCTE-IUL no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença.
A edição desta semana debateu a mobilidade social, ou seja, a capacidade de subir na vida independentemente da sua origem socio-económica, a partir do retrato traçado pela PORDATA a cumprir dez anos de publicação de estatísticas.
Maria de Lurdes Rodrigues reconhece que neste momento seria impossível de implementar a medida que poderia "contrariar um pouco este fechamento dos cursos sobre si próprios". A investigadora em políticas públicas dá o exemplo dos cursos onde a nota de entrada se situa acima de 18 valores onde, diz a antiga ministra, entram por norma os alunos que são "preparados" para isso. Aí poderiam por essa via entrar "alunos que não têm 18 mas que eram os melhores no contexto em que cresceram".
A ex-governante assegura que estamos a assistir a um fenómeno de "grande polarização e de segregação de escolas de primeira e de segunda nas universidades portuguesas, talvez como nunca antes tenhamos observado".
Da Capa à Contracapa
A mobilidade social em Portugal é o tema em destaq(...)
Grande impacto político das quotas
O mecanismo de quotas é proposto pela antiga ministra por inspiração na parisiense Sciences Po. Não é contudo um instrumento inovador no sistema português. "Criam-se quotas para tantas coisas... Criam-se quotas para alunos que vêm dos Açores, para os maiores de 23 anos, para os que vêm de mudança de curso, para os alunos que vêm do estrangeiro", exemplifica a reitora do ISCTE.
Amilcar Moreira, investigador do Instituto de Ciências Sociais, defende que essa medida teria um "impacto politico poderosíssimo", dando o exemplo do debate sobre este mecanismo no Brasil para ilustrar "quão difícil vender esta ideia de quotas no ensino superior". Doutorado em Politica Social, Amílcar Moreira "veria com interesse a extensão desse mecanismo no acesso às escolas privadas", tal como tem vindo a ser debatido no Reino Unido.
Maria de Lurdes Rodrigues diz que a discriminação de escolas públicas consoante a sua localização não ajuda a melhorar a situação. Dando exemplo dos polémicos critérios de moradas para entrada em determinadas escolas dos grandes centros, a antiga governante sublinha que esse mecanismo " contribui para aprofundar a desigualdade escolar, mesmo sem querer, por não ser essa a intenção" no cruzamento entre políticas de educação e de território.
"Há bairros que são guetos e isso significa que há meninos que nunca vão poder sair do seu gueto. Isso significa que há meninos em bairros melhores que vão ter sempre muito melhores oportunidades do que os meninos dos outros bairros. Isto é uma política de boa intenção que associa a eduação ao território mas que torna reféns os jovens as crianças e as proprias escolas", assinala a antiga ministra na Renascença.
Economia pouco democrática
A actual reitora do ISCTE sublinha a importância decisiva das liderança escolares e partilha a preocupação de Amílcar Moreira em relação à qualidade da formação dos professores. Maria de Lurdes Rodrigues defende que as desigualdades económicas são ainda o factor decisivo para travar uma maior mobilidade social em Portugal.
Os convidados do "Da Capa à Contracapa" partilham a necessidade da aposta no pré-escolar para ajudar a melhorar a mobilidade social em Portugal e manifestam preocupação com os riscos de abandono escolar ao longo do percurso dos jovens.
Amílcar Moreira defende uma reflexão sobre a "redistribuição da riqueza no topo da sociedade" para melhorar a mobilidade social, para uma "repartição justa" da carga fiscal.
Já Maria de Lurdes Rodrigues questiona a capacidade de regulação da economia, no plano da concorrência e dos mercados laborais.
"A entrada e saída de empresas no mercado económico é altamente difícil. Não são só as pessoas que não têm mobilidade social. São as próprias empresas, as pequenas que nascem todos os dias e que por regras que condicionam a nossa vida económica estão impedidas de ascender economicamente", assinala a reitora do ISCTE no "Da Capa à Contracapa", programa da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.