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Ultimato dos EUA a Portugal. “A China não responderá olho por olho, dente por dente”

29 set, 2020 - 17:45 • João Carlos Malta

O presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa desvaloriza as palavras do embaixador norte-americano em Portugal, e defende que o que está em cima da mesa “não é um jogo de futebol”. “Isto não é um Benfica-Sporting”, argumenta. Ao mesmo tempo lança o investimento chinês na indústria da ferrovia, numa altura em que Portugal olha para a necessidade da reindustrialização.

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João Marques da Cruz é administrador da EDP e um gestor que faz a sua vida entre Lisboa, Hong Kong e Macau. É também presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa (CCLC), e por tudo isso está mais do que familiarizado com a cultura e modo de pensar chinês. Agora que em Portugal parece haver uma guerra entre as duas superpotências, depois das declarações do embaixador norte-americano em Lisboa, Marques da Cruz é peremptório: “Não pode haver mistura entre sistemas de alianças e vetos de investimentos.”

No sábado, em entrevista ao Expresso,o embaixador George Glass, empresário do Oregon e amigo de Donald Trump, disse que Portugal “tem de escolher agora” entre o aliado ou o parceiro comercial. Ou seja, entre os EUA ou a China. O próximo campo de batalha é o leilão para a tecnologia 5G, cujas regras estão a ser fechadas e que deve acontecer em outubro.

Glass disse que se a chinesa Huawei entrar na nova rede de telecomunicações, a relação com Portugal vai mudar.

Em entrevista à Renascença, Marques da Cruz não acredita que a China retalie neste aumento de tensão verbal entre os dois gigantes económicos. “Acho que não, por uma questão de estilo. A China tem um estilo de superpotência com todas as caraterísticas de uma: grande moderação e grande contenção. Não responderá olho por olho, dente por dente".

O presidente da CCLC desvaloriza o tom e agressividade das palavras do representante de Washington. “Há uma tradição de os embaixadores norte-americanos não serem diplomatas de carreira, e de haver uma proximidade ideológica e amizade com o Presidente dos EUA. Por isso, é normal que o timing das eleições nos EUA influencie”, justifica.

Ainda assim, afirma, não chamaria ao que se passou apenas um episódio, “porque há muitos sinais em todo o mundo desta relação difícil entre a China e os EUA”. “São as duas maiores potências económicas e é quase normal que acabe por haver esta relação difícil”, defende.

Como ficarão EDP e Mota Engil

Na mesma entrevista ao semanário Expresso, Glass aponta os nomes da EDP e da Mota Engil como grupos que por terem capital chinês devem decidir de que lado ficam. Marques da Cruz diz que, para já, não há consequências nenhumas para as duas empresas, e que espera que tudo seja resolvido com “diálogo e no quadro da lei”.

Marques da Cruz defende que a China tem de dar mais passos, sobretudo, na abertura e reciprocidade ao investimento europeu, tal como recentemente foi exigido pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. “Reconheço que há áreas em que a China tem de dar passos de abertura da sua economia porque a Europa é aberta ao investimento chinês. Dizer que tudo está bem, não, não está”, declara.

Este gestor defende, o entanto, que existe mais reciprocidade agora do que antes, mas “menos do que devia existir”. “Foram dados passos muito importantes que a Comissão Europeia reconhece. No entanto, não são passos para travar o investimento”, conclui.

Chineses na indústria da ferrovia

Por isso, o homem que é também administrador da EDP diz que há campo aberto para mais investimento chinês em Portugal e até aponta o setor. “Principalmente na ferrovia. Não temos uma fábrica de produção de comboios. Tínhamos na Sorefame, na Amadora. A ferrovia é importantíssima para a mobilidade e para a eletrificação de mobilidade coletiva. Os chineses são os maiores fabricantes de comboios urbanos, interregionais e de alta velocidade. Era bom que houvesse entrada de investimento de chinês neste setor”, resume.

Em relação à entrada da Huawei na rede de 5G, na distribuição em Portugal, e a posição norte-americana de que se tal acontecer obrigará a mudanças nas alianças na área da segurança, Marques da Cruz diz que ainda é possível separar negócios, política e segurança. Mas como?

“Quando se compra um equipamento, ele deve ser testado. Deve se ver se tem interferência em todas as outras infraestruturas. Espero que todos os equipamentos que venham dos EUA sejam testados, assim como os que venham da China sejam testados. Isso é uma questão básica”, resume.

“Não podemos ter a atitude maniqueísta de dividir o mundo em dois”, acrescenta.

Sem maniqueísmos

O presidente da Câmara de Comércio Luso-Chinesa termina a dizer que o investimento “não é um jogo de futebol”. “Isto não é um Benfica-Sporting”, ilustra.

João Marques da Cruz argumenta que, “quando dizemos que deve haver mais investimento chinês em Portugal”, “não estamos a dizer que não deva existir investimento de outros países nomeadamente dos Estados Unidos.”

A economia portuguesa precisa de investimento e as empresas portuguesas estão descapitalizadas”, remata.

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