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​Alberto Manguel. “Os livros são a minha pátria”

07 nov, 2019 - 08:01 • Maria João Costa

Foi diretor da Biblioteca Nacional da Argentina. Diz que mais do que um escritor, é um leitor. Alberto Manguel acaba de editar em Portugal o livro “Monstros Fabulosos – Drácula, Alice, Super-Homem e Outros Amigos literários.”

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Usa chapéu e fala de forma pausada, diz-nos que a entrevista pode ser em inglês ou em espanhol. Escolhemos a língua do país onde nasceu, o espanhol falado na Argentina para esta esta entrevista. Alberto Manguel que foi diretor da Biblioteca Nacional da Argentina acaba de editar em Portugal o livro “Monstros Fabulosos – Drácula, Alice, Super-Homem e Outros Amigos literários”. O ensaísta que leu para o poeta Jorge Luís Borges quando ele cegou selecionou um conjunto de personagens que marcaram a sua vida de leitor e reuniu-as em livro. Uma dessas personagens é portuguesa.

A convivência com Borges na adolescência ensinou a Alberto Manguel que não havia nada de errado em passar a vida perdido nos livros. Talvez por isso o autor afirme, em entrevista à Renascença que os livros são a sua “pátria”. Em “Monstros Fabulosos”, Manguel reúne 38 personagens da sua eleição. Mas porque é que lhes chama “monstros fabulosos”? A razão encontramo-la num dos seus livros de sempre, a “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carrol.

“O título vem de uma conversa que a Alice tem com o Unicórnio. Quando ele vê a Alice diz «o que é isto?». Dizem-lhe que é uma menina. E ele diz «pensei sempre que as meninas eram monstros fabulosos!», e a Alice responde: «E eu pensei sempre que os unicórnios eram monstros fabulosos». O Unicórnio diz com muita razão: «fazemos um trato. Eu acredito em ti e tu acreditas em mim». Nesse sentido, os monstros como o de Frankenstein ou o inocente Monsieur Bovary são para mim monstros fabulosos, porque eu acredito neles e acho que eles acreditam em mim.”

Homenagem a Eça e ao “monstro fabuloso”

Entre as personagens a quem dedica cada um dos capítulos de “Monstros Fabulosos” estão o Super-Homem, a Bela Adormecida, Don Juan ou o Monstro de Frankenstein. Mas há também uma personagem saída da literatura portuguesa – o Mandarim, de Eça de Queirós. Nas palavras de Manguel, o escritor português “é um dos romancistas preferidos”, mas não quis escolher os protagonistas de “Os Maias”, o livro mais emblemático. “Os membros da família dos Maias não têm uma qualidade fantástica e mágica fora desse que é o seu mundo. Ao contrário, o Mandarim é uma personagem absolutamente imaginária numa narração fantástica e tem uma força muito grande”.

Conhecedor da literatura portuguesa, Alberto Manguel considera que há outras personagens criadas por autores portugueses que um dia poderão enriquecer estes monstros fabulosos. “Por exemplo, no «Ensaio Sobre a Cegueira» de José Saramago, o narrador tem essa qualidade de presença absoluta. No Gonçalo M.Tavares, no livro «Jerusalém», há um casal inesquecível. Ou seja, há monstros fabulosos contemporâneos, mas ainda não se consolidaram. Estas coisas, como um bom vinho, levam tempo!”

“Toda a biblioteca é autobiográfica”

Com uma biblioteca de mais de 40 mil livros que agora está há 5 anos “encaixotada”, Alberto Manguel guarda na memória os livros e as personagens. Para ele “toda a biblioteca é autobiográfica”. Para Manguel a sua biblioteca está “á espera da sua ressurreição”, para sair dos caixotes. Enquanto isso não acontece, tem vivido os últimos 5 anos “a trabalhar com o bibliotecário que vive dentro da [sua] cabeça, com aquilo que ele quis guardar e na ordem que ele quis guardar”. Mas nem sempre este bibliotecário imaginário “muito zeloso” lhe “empresta tudo”. “Ás vezes quero um texto e ele não me dá” confessa Alberto Manguel, autor de “Embalando a Minha Biblioteca”, o livro onde fala desta experiência de guardar os seus livros em caixotes.

Na sua coleção de livros Manguel encontra “todos os rastos da [sua] vida” e afirma que: “se tivesse de descrever a paisagem da minha pátria, do meu lar, da minha casa, seria dentro das páginas de um livro”.

Uma nova carreira na ilustração

As páginas de “Monstros Fabulosos” são dedicadas ás suas duas netas. “A Amélia tem 8 anos e a Olívia tem 4. Cada leitor tem as suas personagens preferidas. A Amélia gosta das princesas, dos unicórnios e das fadas. A Olivia gosta dos dragões e dos ogres, personagens desse género.”

No livro onde dedica capítulos a personagens como Robinson Crusoe, Simbad ou ao Drácula, Manguel arrisca também uma estreia na arte da ilustração. Não se leva a sério no desenho, mas o seu editor viu ali um potencial. E a edição portuguesa inclui essas ilustrações. “Para mim são disparates que faço enquanto falo ao telefone. Mas o meu editor viu as ilustrações, gostou delas e disse que as tínhamos de por no livro. Não sei se me estreei agora numa carreira de ilustrador”, diz a rir, Alberto Manguel.

Livros são portas para o mundo

Autor de dezena de livros de ficção, ensaio, teatro e antologias Alberto Manguel é um espectador atento do mundo que o rodeia, nesta entrevista perguntamos-lhe como vê a realidade que o rodeia. Manguel é claro: “estamos á beira do suicídio coletivo.”

“A minha maior preocupação, é que não nos suicidemos. Estamos invadidos por políticos infames que estão a levar o planeta até à morte e à extinção da nossa espécie. É um momento de gravidade absoluta. Talvez possamos aprender um pouco através da empatia com estas personagens imaginárias, com estes monstros fabulosos. Mas esses outros monstros políticos estão a destruir o mundo e eu estou muito pouco otimista.”

Apesar do pouco otimismo futuro, Alberto Manguel encontra nos livros uma resposta e diz-nos: “Os livros não são e nunca foram um refúgio. São portas para o mundo e para a realidade que nos obrigam a enfrentar a situação do mundo e as nossas responsabilidades. Para mim os livros são um consolo, aprendizagem, amizade, uma forma de poder entender os outros, os meus congéneres e adivinhar um pouco qual o caminho a percorrer e quem sabe, salvarmo-nos.”

Talvez, “Monstros Fabulosos” que agora chega ás livrarias pela mão da Tinta-da-China possa contribuir para a salvação dos leitores de Alberto Manguel.

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