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Graça Franco
Opinião de Graça Franco
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Estamos à beira do colapso. Podem avisar os deputados?

25 set, 2020 • Opinião de Graça Franco


No Parlamento as discussões continuam iguais. Nenhuma ideia. Nenhuma alternativa. Nenhum interesse. Tudo se passa entre a repetição de cassetes, o bota-abaixo, o vazio, as graçolas e os despiques. Além do Covid, nada.

Os números da economia começam a fazer-nos tremer. Não apenas pelo que revelam hoje, mas sobretudo pelo que podem significar amanhã. O segundo trimestre foi, como se sabe, o princípio da desgraça. E quando estamos no início de uma grande catástrofe tudo depende do tempo que esperamos permanecer nela. O pior, nesta pandemia e nos seus efeitos sobre a economia reside exatamente aqui: quanto tempo vai ainda perseguir-nos e quanto tempo vamos ter forças para resistir agarrados à jangada.

Em janeiro o mundo ainda estava pintado de rosa. Em Portugal já só víamos um amarelo pálido. Cheirava a tinta fresca sobre reboco mal cimentado para disfarçar as falhas. Mesmo assim ninguém suspeitava que caísse com estrondo sobre as nossas cabeças dois meses depois. Caiu. Sem culpas. Os dados já não enganam: no final de junho a queda do produto face a 2019 já era de 16,3%. Os 5,6% de taxa de desemprego explicam-se pela queda de 4,5 na população ativa. Desistentes os portugueses percebem que é inútil procurar “ativamente” emprego como exige o INE.

A verdade está na subida de 34% no desemprego registado no final de agosto, com o aumento a ultrapassar os 177% só no Algarve. O Turismo navega ao sabor dos corredores ora abertos, ora fechados pelo primeiro ministro britânico. Nas atividades de “alojamento, restauração e similares” no total do país a subida do desemprego ficou perto dos 89% e nas atividades “imobiliárias, administrativas e serviços de apoio” cresceu mais de 57%. São sinais de que há setores literalmente arrasados.

O centralismo Lisboeta mata negócios. Os bares podem estar abertos durante uma hora depois das 22h00, mesmo nas regiões onde o coronavírus ainda não chegou. Chama-se a isto morrer por antecipação. As rendas pagam-se ao mês. As moratórias são armadilhas em que os empresários não querem voltar a cair. Mais vale fechar.

Ninguém lhes baixa o custo da eletricidade ou reduz o IMI. O máximo que lhes oferecem é uma espécie de crédito ao consumo ou vendas a prestações. O país voltará a ter taxas de endividamento que já galopam para os 140%. Muitos sabem que os dinheiros de Bruxelas são uma ilusão demasiado cara para acreditarem nisso: ou falta dimensão, ou eficiência energética, ou não é preciso digitalizar mais nada. Não passam nos “critérios”, ou não há dinheiro para os consultores e pagar a burocracia.

Se para receber menos de 500 euros da caixa de previdência dos solicitadores e advogados se exige um verdadeiro atestado de indigência, com prova de prévios processos instaurados à família toda, incluindo pais, irmãos e o ex-cônjuge, como revelou a TVI ainda esta semana, tudo à moda dos tempos de Salazar, alguém se arrisca a ir pedir subsídios a fundo perdido a Bruxelas? Ou são grandes empresas ou simplesmente os outros desistem.

Gente endividada até ao pescoço agradece. Não precisa de mais dívida a prestações. As empresas e famílias continuam sobre endividadas. As faltas de tesouraria não são colmatadas com promessas. Os salários de hoje não se pagam com estágios a fundo perdido daqui a seis meses. As portas vão-se fechando. As das lojas, das fábricas, dos pequenos negócios fecham-se com elas.

A piada de quem deve centenas ou milhares ao banco tem um problema com o banco e quem deve centenas de milhões não tem problema nenhum porque o problema é do Banco tornou-se uma verdade cruel. O risinho de Berardo persegue-nos: “tentem…” cobrar as dívidas que eu (ele) não devo nada a ninguém. Disse num desafio. Cada vez que vemos, na TV, o Dr. António Ramalho e nos falam do malparado do Novo Banco, vemos o resultado desta sobranceria e de cada tentativa de cobrança.

Uma crise bancária não está fora de causa. O Montepio tem uma reestruturação (versão “português suave” em curso) o Novo Banco tenta a todo o custo fugir à obrigação de dispensar outros 1.500 trabalhadores se não conseguir, a tempo, cumprir com Bruxelas.

A reconversão dos modelos de vida é bonita, mas o consumo já caiu 14% (o de bens duradouros quase 28%). Falta investimento. Os privados não têm capital nem confiança para investir mais: menos 70% na compra de material de transporte, menos 22% em equipamento.

As exportações que já se tinham tornado importantes para a solidez do nosso crescimento caíram entre março e maio quase 40% face a 2019 (mas nos serviços a queda foi 45%). O défice externo regressou. Dos 0,8 de início do ano passou a 3,5 só até junho e a situação vai-se degradando com o avançar do ano. Os 7% previstos pelo Governo para o défice público já vai em mais de cinco e estamos ainda com números do final do primeiro semestre.

Até as boas notícias são más. Os níveis de poupança atingem valores históricos. Desde quando não víamos um salto da poupança assim: a passar de 0,7% no primeiro trimestre para 22,6% no segundo. Um número que há vinte anos não se registava. Mesmo anualizada a taxa passa para 10% o que continua a ser imenso e só comparável com as subidas registadas também nas crises anteriores de 2009 e 2013. É quase irónico que, perante a quebra de rendimentos e emprego (o Conselho de Finanças prevê que até final do ano a quebra seja de mais de 4 por cento), as taxas de poupança tendam a subir.

A pandemia pode, no entanto, ter desta vez efeitos diferentes em termos de poupança. Sem fim à vista e com rendimentos muito baixos ameaçados os portugueses podem ter descoberto novos hábitos: tornaram-se mais caseiros. Evitam locais de consumo por excelência (centros comerciais etc…) descobriram novas atividades e talentos (desde o gosto de cozinhar e comer em casa, a novas formas de convívio e distração). Basta ver a subida das vendas de jogos de tabuleiro e puzzles.

Aprenderam a comprar pela net e ver montras virtuais. Sem retoma do consumo e com o consumo público em queda, nada garante que a retoma se faça nos termos esperados no pós-crise. Isso poderia levar a novos investimentos, mas estes são travados pelo medo do futuro e pelas incertezas em matéria de emprego e saúde. O PIB pode entrar num plano inclinado em que apenas o investimento público massivo o consiga travar. Perante a recessão o desemprego aumenta, o consumo cai, a poupança aumenta e entra-se na temida espiral recessiva, antes mesmo de se entrar em retoma.

Daí a urgência de colocar já nas mãos das empresas e das famílias o dinheiro suficiente para lhes alterar as preocupações sobre o futuro. O Plano Costa Silva podia contribuir para isso, mas as críticas vindas dos mais diversos quadrantes não contribuem para gerar a onda de entusiasmo necessária à retoma da confiança.

A ideia de manutenção e reinício de comissões de inquérito sobre os bancos que estão “de porta aberta”, por mais justificáveis que sejam, geralmente não ajudam a mudar os receios.

No Parlamento as discussões continuam iguais. Nenhuma ideia. Nenhuma alternativa. Nenhum interesse. Tudo se passa entre a repetição de cassetes, o bota-abaixo, o vazio, as graçolas e os despiques. Além do Covid, nada. Há um século que não se via nada assim. Mas os plenários discutem como se estivéssemos à beira de umas normais legislativas.

Alguém, por favor, acorda aqueles senhores e os avisa que antes ainda temos presidenciais e autárquicas? Agora é só tempo de pensar a dez anos, por favor.

Comentários
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  • Peter
    30 set, 2020 Trofa 12:26
    Uma coisa aprendi, nesta vida, para a classe politica convém não mexer em nada, para eles, políticos, ganharem muitos milhões.
  • ANTONIO FERREIRA
    25 set, 2020 19:27
    no comments
  • ANTONIO FERREIRA
    25 set, 2020 18:19
    Ah.. e já agora não incomodem o funcionalismo com telefonemas a tentar resolver qualquer coisa porque simplesmente: não atendem e presencialmente nem pensar, olha o COVID!
  • ANTONIO FERREIRA
    25 set, 2020 18:14
    Mas que tratado de jornalismo. É pena que o Governo nada faça e ande desnorteado. Preocupa-se sim em colocar os seus boys, no Estado porque por aí não faltará o salário no fim do mês.
  • dominique Afonso
    25 set, 2020 18:13
    Sendo verdade que existe hoje sobre mortalidade em Portugal, essa não é nem de perto nem de longe atribuível ao Covid más sim a outras doenças bem mais graves e que foram esquecidas. Mais vale enterrar a cabeça debaixo da areia e continuar a justificar tudo o que foi feito e continua a ser feito com a desculpa de uma estatística de “casos Covid” sem olhar para os verdadeiros doentes e as verdadeiras mortes por outras doenças no pais. Noutros países tal vez mais avançados ou livres, há já alguns meses que não param as entrevistas por parte de canais de tv ou rádio ao epidemiologista sueco Anders Tegnell, isto porque foi ele quem lançou na Suécia uma estratégia diferente e de longo prazo sem confinamentos, sem fechar bares nem restaurantes nem nenhum comércio e ainda sem qualquer uso de máscara, uma estratégia facilmente aplicável durante muito tempo e facilmente aceite pelo povo sueco. Há meses que já não morre quase ninguém do Covid na Suécia e que os hospitais e cuidados intensivos estão praticamente a 100% disponíveis para tratar de todas as outras doenças mais graves do que o Covid. É perigoso para muita gente reconhecer que Portugal ao igual de muitos outros países pode ter tomado medidas exageradas, difíceis de manter e pouco aceites pelos cidadãos, medidas que levaram a miséria, desespero e até a morte de muita gente, medidas que levaram ao colapso da economia de todo um pais e ao aumento da mortalidade por falta de diagnóstico ou tratamento de outras doenças graves.
  • Ivo Pestana
    25 set, 2020 Funchal 13:45
    Dra. Graça, comparo o nosso parlamento às nossas televisões. É um país demasiado pequeno para tantos deputados, existem Leis porque sim. As televisões fazem o mesmo repetem programas e noticias, porque o pais não dá mais assuntos. Veja o caso da Madeira, se calhar tem mais deputados que algum país. Luxemburgo, Andorra...acha necessário? Existem trabalhos para o dia a dia? E os nossos municípios, não têm as suas assembleias municipais? Enfim, meu querido dinheiro...
  • Camponio da Beira
    25 set, 2020 viseu 11:04
    Vem agora a senhora a incomodar os senhores que vivem no pais da Alice da corrupção.