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Jornadas Nacionais da Comunicação Social

Jornalistas devem “ouvir a voz dos que não têm voz”, defende cardeal Tolentino

24 set, 2020 - 15:42 • Ângela Roque , Aura Miguel

D. José Tolentino Mendonça diz que “esta pandemia trouxe mais exigência à qualidade” da informação que se faz e propõe um “novo pacto de comunicação”.

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“Entrámos numa nova etapa da história e somos chamados a encarar o presente como ponto de partida para pensarmos a realidade da Igreja e do mundo”, disse o cardeal D. José Tolentino na abertura das Jornadas Nacionais da Comunicação Social, que pela primeira vez estão a decorrer apenas em formato "online".

Numa intervenção a partir do Vaticano, Tolentino citou Chico Buarque para defender que o jornalismo tem obrigação de não ignorar as questões mais difíceis e deve dar voz a quem não a tem: “O Chico Buarque canta ‘a dor da gente não sai no jornal’. Esta ausência da dor é a ausência do problema dos que ficam à margem”.

Se “o contar histórias de sucesso é fácil, contar o insucesso e o sofrimento é mais difícil. Muitas vezes, não ter um trabalho significa ficar de fora, também dos circuitos de comunicação. É sair fora do radar, e sabemos que numa sociedade há muita gente está fora do radar. Não tem emprego, não tem oportunidades, e depois não têm voz, nem vez. Penso que é, de facto, um grande desafio da comunicação social ouvir a voz dos que não têm voz”, afirmou.

Na sua reflexão de fundo, o cardeal português considerou a pandemia “uma oportunidade” para recolocar “a pessoa humana no centro” e criar novas exigências à comunicação e ao modo como como nos relacionamos, “uma espécie de revolução”, com uma palavra-chave: “conexão”. E não poupou críticas ao modelo de comunicação que muitas vezes é seguido.

“Vemos, por exemplo, na televisão, de um lado o A, do outro o B, e esse radicalizar de uma comunicação em chave de contraposição é muito empobrecedor, e acentua essa surdez e incapacidade de nos escutarmos e valorizarmos uns aos outros. Porque, no fundo, a comunicação mais rica é aquela que acontece em chave de complementaridade, onde a diferença é exposta, mas a complementaridade é percebida, é acolhida”. Tudo o que não acontece em programas desportivos, onde “há um clubismo tão feroz que aquilo acaba aos gritos! Se a gente transporta esse clubismo para o interior da Igreja, o horizonte é do ensurdecimento global”.

O cardeal Tolentino também recordou os desafios da encíclica “Laudato Si” e as insistências do Papa Francisco sobre a necessidade de uma “conversão”, pois “estamos todos interligados”. Um tema que também sairá reforçado na próxima encíclica “Todos irmãos”, que Francisco irá divulgar em Assis dia 3 de outubro. “Precisamos de sistemas mais integrativos da pessoa humana, em que o sentido da gratuidade se sobreponha ao do utilitarismo” e “o tecido comunitário seja reforçado”, afirmou.

“O mito que nós temos de que o dinheiro, o capital, é a única energia, o único combustível da nossa sociedade é uma visão muito parcial, porque a nossa sociedade é movida também pelo dom, pela gratuidade. Isso tem ficado muito claro muito claro nestes meses”, acrescentou.

Para o cardeal, os efeitos da pandemia também levantam questões intergeracionais. “Não podemos dispensar os idosos”, disse, considerando que “a situação dos lares é um problema gravíssimo do ponto de vista humano”, mas também nos devemos preocupar “com os jovens qualificados sem trabalho” e com as “jovens famílias sem orçamento para sustentar a sua casa que voltam para casa dos pais”.

Um novo pacto de comunicação

Para Tolentino Mendonça, “este momento pede-nos um novo pacto de comunicação”, porque o jornalismo “tem um grande papel: ser exigente, trazer uma exigência ao debate público, no sentido de levantar as questões, ajudar a refletir, diversificar o debate público, trazer as problemáticas do quotidiano, dar voz a novos atores”. O que, em sua opinião, nem sempre acontece, embora a própria experiência da pandemia tenha mostrado que “a comunicação é uma amarra fundamental”.

“A grande pergunta é ‘está aí alguém?’. Nós precisamos de ter alguém do outro lado, de saber de uma presença, temos fome de presenças, e a comunicação oferece presenças, transporta presenças”, disse, sublinhando que “é importante que esse jogo não seja um jogo de falsificação, de contrafação, mas seja um jogo de autenticidade, de presenças que sejam autênticas”. E acrescentou: “temos de lutar por uma comunicação que não seja apenas estar ligado, mas estar ligado ao essencial”.

O cardeal alertou, ainda, para os perigos de se cair numa “rotina de comunicação”, porque “nós hoje sabemos que entre o espaço que se dá ao futebol, o espaço que se dá à política da agenda e um pouco ao social/espetáculo, praticamente se consome o tempo nobre da comunicação”. E concluiu: “se calhar há aqui um grande momento para um debate nas redações, um debate entre os jornalistas e entre aqueles que fazem o dia-a-dia da comunicação, para perceber as linhas do futuro”.

Promovidas pelo Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja, as Jornadas prosseguem com vários grupos de trabalho sobre temas como informação, assessoria, imprensa regional, conteúdos digitais, eventos online e geração Z.

Na sexta-feira, vai decorrer a entrega do Prémio de Jornalismo Dom Manuel Falcão à reportagem multimédia do Expresso sobre o “Adeus dos monges da Cartuxa” e, ainda, a título honorífico, ao programa 70×7, e aos jornais centenários "Notícias da Covilhã" e "Jornal da Beira".

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  • 24 set, 2020 19:48
    Obrigado, D.Tolentino. Já disse ISSO há muito tempo e várias vezes. Nunca me deram ouvidos. Será que vai ser agora? Veremos.

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