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Próxima juíza do Supremo Tribunal deverá ser mulher e católica

23 set, 2020 - 00:20 • Filipe d'Avillez

Os republicanos já deixaram claro que não pretendem esperar pelas eleições presidenciais para preencher a vaga deixada em aberto pela morte de Ruth Bader Ginsburg.

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A próxima juíza do Supremo Tribunal dos Estados Unidos será, muito provavelmente, uma mulher católica, mas Donald Trump ainda tem de escolher entre duas potenciais candidatas.

Amy Coney Barrett ou Barbara Lagoa - uma delas deverá preencher a vaga deixada em aberto pela morte de Ruth Bader Ginsburg, na passada sexta-feira, aos 87 anos de idade.

As nomeações para o Supremo Tribunal são de extrema importância nos Estados Unidos. Os cargos são vitalícios e o tribunal tem um papel legislativo, uma vez que quase todas as leis polémicas ou fraturantes acabam por ser decididas pelos seus nove membros.

O aborto a pedido foi legalizado para todo o país através de uma decisão do Supremo Tribunal, nos anos 70 do séc. XX, e, mais recentemente, o mesmo aconteceu com o casamento entre pessoas do mesmo sexo, quando o tribunal decretou que a sua proibição violava a Constituição.

Este facto faz com que as nomeações para vagas no Supremo sejam também um assunto da maior importância política.

Ruth Bader Ginsburg estava firmemente do lado liberal, ou progressista, do tribunal e a sua substituição por um juiz mais conservador será, caso se concretize, uma das maiores vitórias para o Partido Republicano em todo o mandato de Donald Trump.

Terceira nomeação

O facto de o cargo de juiz do Supremo Tribunal ser vitalício significa que a quantidade de nomeações que um Presidente pode fazer é imponderável. Em oito anos na presidência, Barack Obama fez apenas duas nomeações: Elena Kagan e Sonia Sotomaior. Por sua vez, caso seja agora bem-sucedido, Trump conseguirá fazer três em apenas quatro anos.

Um dos factos que está a causar alguma polémica é que a maioria republicana no Congresso impediu a Administração de Barack Obama de nomear, já no final do seu segundo mandato, um substituto para Antonin Scalia, o porta-estandarte da fação conservadora do Tribunal, em 2016. Na altura, os republicanos argumentaram que não fazia sentido um Presidente em fim de mandato tomar uma decisão desta magnitude. Contudo, agora, os republicanos, incluindo os moderados como Mitt Romney, que é um adversário de Trump dentro do partido, já mostraram que estão disponíveis para avançar com o processo e tudo indica que o conseguirão.

A substituição de Scalia por Neil Gorsuch colocou um conservador no lugar de outro, deixando o Tribunal com o mesmo equilíbrio de tendências: quatro conservadores, quatro liberais e Anthony Kennedy, que ora votava com um bloco ora com o outro, em questões mais fraturantes. Foi o seu voto, por exemplo, que permitiu legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo a nível federal e votou também em diversas ocasiões contra leis que pretendiam restringir o acesso ao aborto.

Contudo, em 2018 o juiz Anthony Kennedy resignou ao cargo e foi nomeado para o seu lugar Brett Kavenaugh, apesar da resistência democrata no congresso. A sua substituição deu aos conservadores uma maioria no tribunal, embora marginal, com cinco juízes de tendência mais conservadora e quatro liberais.

A história já mostrou, todavia, que mesmo estas contas não dão "garantias matemáticas". Numa decisão em janeiro de 2020, o tribunal acabou por chumbar uma proposta de lei que tornaria praticamente impossível obter um aborto no Estado do Luisiana. Na altura, votaram contra a lei os quatro juízes liberais e um dos conservadores, John Roberts, que preside ao tribunal. Contudo, a objeção de Roberts, que não assinou a decisão da maioria, preferindo publicar o seu próprio documento, prendia-se com questões de processo e não com o princípio que tinha motivado a lei.

De resto, a história está cheia de surpresas no Supremo Tribunal, com juízes que pareciam ser moderados e acabaram por se tornar mais radicais - como é o caso de Ginsburg - ou que pareciam solidamente dentro de uma das tendências, mas se revelaram mais flexíveis.

A substituição de Ginsburg por uma conservadora, porém, deixará o tribunal com uma maioria de seis conservadores contra três, o que já dá uma margem de segurança muito mais confortável a este lado.

Lagoa ou Barrett

O próprio Presidente Trump já admitiu que tem dois nomes em vista para preencher o lugar de Ginsburg. Ambas apresentam vantagens e desvantagens que ele quererá ter em conta para a eleição presidencial.

A candidata mais forte parece ser Amy Coney Barrett. Casada, tem sete filhos, incluindo dois adotados do Haiti, e um, biológico, com deficiência. É católica praticante e foi estagiária de Antonin Scalia, o juiz do Supremo que morreu no último ano da presidência de Obama.

Barrett é, claramente, a candidata preferida pela direita cristã nos Estados Unidos e pelo bloco de eleitores brancos e evangélicos que são um dos baluartes de apoio a Donald Trump. A sua nomeação seria certamente um ponto a favor do atual Presidente junto de este grupo.

Barbara Lagoa, por seu turno, também é católica praticante e casada. Tem três filhos, incluindo um par de gémeos, mas, ao contrário de Barrett, é de ascendência latino-americana, mais precisamente cubana.

Caso seja nomeada, será a segunda latina no Tribunal, juntamente com Sonia Sotomaior, nomeada por Barack Obama e que é liberal.

Embora neste momento a maioria dos analistas esteja a apostar na nomeação de Barrett, a opção por Lagoa poderá ajudar Trump a ganhar popularidade entre a comunidade hispânica, que tende a votar no Partido Democrata e que é de extrema importância em muitos estados, nomeadamente na Florida, um dos mais importantes nas eleições presidenciais americanas.

A nomeação de Lagoa poderia ainda ser importante em termos de garantir a variedade racial no tribunal, sobretudo num ano em que essa tem sido uma questão tão premente na sociedade americana.

A questão do aborto é sempre uma das mais fraturantes nestes processos de nomeação para o Supremo Tribunal e aí poderá haver uma diferença importante. Embora ambas sejam conservadoras no sentido lato do termo, Amy Coney Barrett parece ser mais solidamente conservadora em questões morais e poucos duvidam que em assuntos relacionados com o aborto estaria no campo pro-vida. Já Barbara Lagoa terá dito, nas audições para a sua nomeação para juíza federal, que considera que o caso de Roe v. Wade, que acabou por legalizar o aborto a nível federal nos Estados Unidos, é um caso já decidido e que marca precedente no mais alto tribunal da nação e é por isso possível que, em assuntos desta natureza, possa votar com a ala liberal do tribunal.

Se Trump nomear Lagoa e, nos procedimentos no Congresso, ela revelar que é a favor da manutenção da decisão que impõe o aborto legal nos Estados Unidos isso poderá ferir a sua popularidade entre o eleitorado conservador, para quem a anulação dessa decisão é um objetivo de longa data.

Maioria católica

Qualquer uma das candidatas, caso seja nomeada e confirmada para o Supremo Tribunal, reforçará a maioria católica entre os juízes.

Estranhamente, para um país onde os católicos são minoria em comparação com cristãos protestantes, existem cinco católicos no tribunal e apenas um protestante, Kavenaugh, e mesmo esse foi criado católico e apenas começou a frequentar uma igreja Episcopaliana, o ramo americano da Igreja Anglicana, em adulto.

Os restantes dois juízes, Stephen Breyer e Elena Kagan, são judeus e essa era também a religião de Ginsburg.

Contudo, a fé católica não implica automaticamente uma tendência mais conservadora. A juíza Sonia Sotomaior é também católica e é um dos mais fiáveis liberais do Tribunal.

Quase certo é que o próximo membro do tribunal seja mulher, o que deixará o tribunal com três mulheres e cinco homens. Em termos étnicos existe apenas um juiz negro, o conservador e católico Clarence Thomas e uma latino-americana, Sotomaior, mas com a nomeação de Lagoa esse número pode aumentar.

[Notícia atualizada às 22h19 do dia 26 de setembro]

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