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Empresas que nasceram do confinamento

A queda do fornecimento a restaurantes levou Adérito a tapar a crise com máscaras

22 set, 2020 - 08:10 • João Carlos Malta , Joana Bourgard (vídeo) e Joana Gonçalves (infografias)

Março marcou o início da pandemia de Covid-19, em Portugal, e uma pequena revolução na vida de Adérito Ribeiro. Aos 45 anos, o vírus obrigou-o a adaptar-se rapidamente. Tinha uma empresa ligada ao ramo alimentar, com a qual fazia distribuição maioritariamente para o setor da restauração, que fechou por completo nos dias a seguir ao primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus. A iminência de ficar sem clientes nem sequer lhe bateu à porta, entrou adentro pela vida deste empresário.

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A queda do fornecimento a restaurantes levou Adérito a tapar a crise com máscaras
A queda do fornecimento a restaurantes levou Adérito a tapar a crise com máscaras

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Março marcou a chegada da pandemia de Covid-19 em Portugal, e uma pequena revolução na vida de Adérito Ribeiro. Aos 45 anos, o vírus obrigou-o a mudar rapidamente. Tinha uma empresa grossista ligada ao ramo alimentar, com a qual fazia distribuição maioritariamente para o setor da restauração, que fechou por completo nos dias a seguir ao primeiro caso de infeção pelo novo coronavírus. A iminência de ficar sem clientes nem sequer lhe bateu à porta, entrou pela vida deste empresário adentro.

Adérito, contudo, não é de ficar parado. “Já existia a ideia de criar uma outra empresa para funcionar como ‘trading’”, explica. A pandemia traz com ela a necessidade de compra e venda de máscaras e outros equipamentos de proteção individual, e o empresário do concelho de Oliveira de Azeméis não deixou passar a oportunidade.

Foi imperioso avançar, porque ficou reduzido a pequenas vendas para supermercados, dos quais era fornecedor a par dos restaurantes. Apesar da queda a pique do negócio que liderava, este foi o sustentáculo e a base do que viria a seguir. Adérito tinha uma carteira vasta de clientes a nível nacional, porque sazonalmente fazia “cabazes de natal para empresas”.

A isso, somava-se outra mais-valia importante. “Temos o contacto com o fornecedor. Importamos regularmente da China e era importante conhecê-lo, porque há muitas situações complicadas de fazer pagamentos a quem não se conhece.”. O tal contacto vive no Oriente e está sediado na tecnológica e vibrante Shenzhen.

Estado foi célere

Assim, a 23 de março, apenas quatro dias depois de o Governo ter decretado o confinamento, nasceu a Softparticle. É uma das 1.226 empresas que foram criadas em Portugal durante o período de confinamento, entre 19 de março e 2 de maio, segundo dados fornecidos à Renascença pela consultora D&B, que têm por base informação do Ministério da Justiça.

Os números de novos negócios revelam um decréscimo de 71% relativamente ao mesmo período do ano passado. A pandemia pôs fim a uma tendência positiva na criação de empresas de que os últimos anos foram exemplos. Os setores dos transportes e dos serviços foram os que mais sofreram.

O processo de formalização da empresa, segundo Adérito, foi “muito rápido”. “Apenas tivemos de esperar pela marcação, mais nada.” Mesmo com o país parado, os serviços do Estado continuaram a responder.

O empresário diz que rapidamente as empresas que já trabalhavam com ele para a compra de cabazes para o Natal lhe começaram a encomendar máscaras. Entretanto, a Softparticle já diversificou o portefólio de produtos, e lançou um dispensador de álcool gel que é 50% ‘made in Portugal’, e a outra metade importada.

A importação e venda tem sido, desde há muito tempo, o modo de vida de Adérito Ribeiro, mas as máscaras descartáveis provaram ser todo um outro universo, um “mundo” completamente diferente, porque durante muitos meses houve “uma oscilação de preço muito grande”, houve inflações e deflações rápidas, explica o empresário.

“Nos restantes produtos, até de ano para ano, não há grande diferença, com exceção da taxa de inflação. Aqui podemos estar a falar de produtos que já baixaram 300%. Foram inflacionados no início mais do que isso”, recorda, lembrando que uma máscara, antes da pandemia, custava três cêntimos. Pouco tempo depois, passou a estar à venda a cinco euros ou até mais.

Por isso, o empresário revela que havia uma “preocupação enorme” em saber, quando encomendava o material, se dez dias depois, quando o recebia, o produto “tinha o melhor preço do mercado”.

“Quando se faz uma encomenda, há que ter 70% a 80% do produto vendido, isso é o mais importante”, explica o homem que, nos primeiros meses da pandemia de Covid-19, importou centenas de milhares de unidades.

A transformação do foco do negócio estancou o “sangramento” da quebra de faturação com o anterior modelo. “Compensou a queda, mas na altura ainda mandei os dois colaboradores para 'lay-off'.

A importação de máscaras não é um negócio isento de riscos. Durante os primeiros meses, foram muitas as notícias a dar conta de que muitas das unidades que vieram da China, de onde a Softparticle também compra, chegavam com defeitos. Neste ponto, Adérito assegura que tem “todos os cuidados com as certificações e os testes de 'report'”.

Todos os nossos artigos já tiveram verificação física, feita cá na alfândega em Portugal. Há muito controlo ao nível da alfândega chinesa, que veio a intensificar-se. Foi uma surpresa positiva.

Face à volatilidade do mercado e também à descida de preço nos últimos meses, este empresário acredita que as máscaras, que foram a tábua de salvação para muitas empresas têxteis, deixem de o ser. “Julgo que não é fácil nós prevermos essa situação. Vai haver muitas empresas que vão sair do mercado. [Mas] nós entrámos e entrámos para ficar.

Adérito explica que, num produto em que as margens são grandes, mesmo quem não está dentro do negócio e não tem músculo financeiro o pode fazer. Mas quando a margem de lucro se estreita, também se reduz o número dos que conseguem manter o negócio de pé.

O empresário ainda ponderou comprar uma máquina industrial para ele próprio produzir as máscaras, mas depois de fazer contas desistiu. Não há competição possível com os chineses. “Eles têm uma capacidade de produção que ninguém no mundo tem, uma capacidade enorme. Se olharmos para todos os custos inerentes à mão de obra há uma diferença brutal”, frisa.

Na totalidade do tecido empresarial português, registaram-se 1.392 novas insolvências desde o início de 2020 até ao final de julho, o que representa um crescimento de 4,2% face a 2019 (mais 56 casos). Mesmo perante estes números, Adérito Ribeiro está confinante. Sabe que a epidemia não vai durar para sempre e que o negócio das máscaras pode acabar por se tornar circunstancial.

Ainda assim, acha que a venda de máscaras veio para ficar no nosso dia-a-dia e que, em setores como a restauração e a aviação, serão doravante a regra. Confrontado com a possibilidade de o negócio cair, Adérito diz que não tem para já solução, mas que confia na capacidade de se adaptar.

“Não tenho nada em mente [no que diz respeito a novos negócios], mas vão surgir quando me dedicar a isso. Surgem muitas oportunidades. Quando acontecer vou saber. Confio na minha intuição.

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