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Chega ou a aVentura das dores de crescimento de um partido

19 set, 2020 - 14:44 • Susana Madureira Martins

Convenção em Évora arranca com acusações de delegados ao conselho de jurisdição do partido de ser "prepotente e promíscuo", de haver rotinas que mais parecem da "antiga cortina de ferro" e com André Ventura a travar a criação da Juventude Chega para "não desestabilizar".

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Às dez da manhã, hora marcada para o arranque da segunda convenção do Chega, na Quinta Nova do Degebe, em Évora, ainda nem sequer estavam ligados os geradores de electricidade, a tenda mantinha-se praticamente às escuras e nada de André Ventura, que só chegaria mais de uma hora depois, no meio de aplausos.

As luzes lá se acenderam e Ventura definiu os objetivos para os próximos meses, elevou a fasquia para as presidenciais, quer provocar uma segunda volta a Marcelo Rebelo de Sousa (cuja recandidatura se mantém por anunciar) e ser a "grande surpresa das eleições autárquicas".

Ao mesmo tempo, o líder do partido falou para dentro, para os militantes que diz serem "os melhores de Portugal" e avisou logo que esta convenção irá servir para tomar "decisões que vão causar problemas e tensões".

O que veio a seguir mostrou isso mesmo: que o Chega é um partido a sofrer dores de crescimento, com delegados a fazerem autênticos ajustes de conta internos na fase de apresentação de um total de 44 moções, alterações de estatutos e o mais diverso tipo de propostas.

Na tenda branca com mais de meio da sala completa com delegados, o vice-presidente da distrital de Leiria dava o mote às tensões que grassam dentro do partido.

Luís Paulo Fernandes subiu ao palco para apresentar uma "moção de desconfiança ou censura" à convenção por lhe negarem sucessivamente a presença nos "últimos conselhos nacionais".

Foi mesmo interrompido pelos gritos dos delegados na sala e foi preciso a ação da mesa da convenção para poder continuar, lamentando que até agora não lhe tenham "dado uma explicação" por não poder participar nas atividades dos órgãos de direção, terminando com um "chega".

A sala voltou depois a inflamar com a apresentação da moção "Convocação de eleições para as secções" por Cristina Silva, delegada em representação do partido no Porto e que usou uma palavra querida ao líder Ventura: "vergonha". Mas para criticar o partido, ou melhor, "a corrente de pensamento de certas franjas de militantes" do Chega, como lhes chamou.

A ferradela ainda foi maior quando Cristina Silva acusou essas "franjas" de quererem "restabelecer antigos maus hábitos a que a democracia em que vivemos pôs fim", alegando que "pretendem no exercício da organização interna do Chega nomear e destituir e escolher aliados e afastar opositores, enfim, mandar exercer através de interpostas pessoas funções e cargos para os quais não foram legitimamente escolhidos".

E a coisa não ficou por aqui. Cristina Silva a acusar em abstrato, sem apontar nomes, que esta "vertigem autoritária interessa a quem dentro das distritais pretende manter sob controlo todas as concelhias" e que na concelhia do Porto já se verificou e "de forma sumaríssima foi afastado o núcleo da concelhia por ter tido a ousadia de ter apresentado uma lista autónoma a esta convenção".

Uma "absoluta e completa vergonha" rematou a delegada, acrescentando que este "alimentar de egos e o falar a uma só voz é mais próprio de um partido único da antiga cortina de ferro, do que de um partido que quer a mudança".

Tudo isto para a delegada do Porto acabar por dizer que quer eleições "livres e plurais" em todas as concelhias e distritais num prazo de 60 dias.

O ataque direto a um órgão de direção nacional do partido surgiu depois por Ana Ferrinho, delegada de Leiria, que acusou o Conselho de Jurisdição Nacional do Chega de ter uma "postura prepotente e promíscua que não dá resposta e não permite recorrer de decisões e posturas de claro favorecimento a amigos e desfavorecimento a não amigos notório".

Aqui a delegada de Leiria foi muito assobiada rematando que propõe a criação de um órgão ou mecanismo interno do partido para recurso das decisões do conselho de jurisdição nacional "para que estas não sejam imediatamente soberanas ou apenas recorríveis fora do partido".

Percebe-se ainda que o partido ainda não está confortável com todas as suas estruturas de direção e isso é também claro quando o próprio líder André Ventura pretende travar a criação da Juventude Chega como órgão autónomo e eleito.

Ventura alega que as "estruturas do partido não devem ser paralelas à direção, deve ser um partido unido" e para ter partido unido é preciso "evitar a multiplicação de estruturas desestabilizadoras, que a Juventude Chega não possa ser eleita directamente e que seja nomeada pela direção nacional e pelas distritais, evitando a multiplicação incessante de actos eleitorais dentro do partido". Ou seja, controlar tudo para não se tornar tudo "cáotico", nas palavras do próprio deputado.

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