Entrevista

Secretária de Estado das Migrações: “Não sabemos quantos dos mortos por Covid-19 são imigrantes”

17 set, 2020 - 08:00 • Fábio Monteiro

Os imigrantes são 5% da população portuguesa e a maior parte está na idade ativa, o que leva "a concluir que, a haver um número de óbitos, será reduzido”, diz Cláudia Pereira, em entrevista à Renascença. A ideia de reencaminhar imigrantes do turismo para a agricultura, recebida com polémica em abril, chegou a avançar e perto de 400 manifestaram interesse. Novo modelo de acolhimento de requerentes de asilo, adianta a secretária de Estado para a Integração e as Migrações, está a ser finalizado e deverá ser apresentado “em breve”.

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O Governo não sabe quantos dos mortos devido à Covid-19 em Portugal eram imigrantes.

Em entrevista à Renascença, Cláudia Pereira, secretária de Estado para a Integração e as Migrações, diz que “a haver um número de óbitos será reduzido.” Os dados do levantamento da Direção-Geral de Saúde são feitos por categoria etária, não por nacionalidade, lembra.

Em abril, ocorreram dois surtos de grande dimensão entre requerentes de asilo, que estavam a viver em hostels, em Lisboa. No mesmo mês, em declarações ao Expresso, garantiu que estava “em curso a revisão do modelo de acolhimento”. Passados quase cinco meses, qual é o ponto de situação?

A revisão do modelo de acolhimento, com vista a uma maior autonomização e maior inserção na vida profissional dos requerentes de asilo, está em processo de finalização.

Em agosto, quero lembrar, foi publicada a portaria do Português Língua de Acolhimento. Isto significa que os requerentes de asilo, os refugiados e os restantes imigrantes, vão ter muito mais facilidade no acesso aos cursos de língua portuguesa.

Os cursos foram revistos e agora há também uma nova unidade curricular para falantes de alfabeto não-latino, como por exemplo árabe, urdu ou nepalês. Para além de serem lecionados nas escolas e centros de emprego, os cursos [de língua portuguesa] vão também passar a ser lecionados nos Centros Qualifica. Isto vai ser muito importante para migrantes que não tenham as ferramentas adequadas ao mercado de trabalho. Poderão, assim, melhorar e mudar as suas competências profissionais.

Gostava também de dizer que, tal como a maioria dos portugueses, [os requerentes de asilo que moravam nos hostels] que testaram positivo não apresentaram sintomas e não houve óbitos a registar. A maior parte dos migrantes está na idade ativa e isso foi importante do ponto de vista da saúde pública.

Mas há data para publicação? Estará pronto…

… nos próximos meses. Como em várias questões que estavam a ser tratadas pelo Governo, a Covid-19 alterou tudo. Mas sim, muito em breve [teremos o novo modelo de acolhimento].

Há cinco meses, os requerentes de asilo infetados foram transferidos para a base aérea da Ota. Alguns passaram pela base de Santa Margarida, em Constância, e depois ainda alguns fizeram um período de quarentena na Mesquita de Lisboa. Na época, este sistema de relocalização levantou críticas dentro da comunidade migrante e de algumas ONG. Era possível fazer este processo de outra forma, sem deslocalizar os requerentes de asilo…

Compreendo os comentários. Na verdade, nenhum país estava preparado para a Covid-19. Houve uma situação inesperada que afetou todos os residentes [dos hostels] e tivemos de agir com base na informação que tínhamos.

A base da Ota estava preparada para acolher doentes Covid-19 de lares de idosos. Quando foram feitos testes [nos hostels], viu-se no mesmo dia que houve um grande número de casos positivos. Teve que se tomar uma medida com receio do contágio.

Quero também lembrar que na época havia menos informação sobre a Covid-19. Nós agora dispomos de outra informação. Penso que todos nós, tanto Portugal como outros países estávamos a aprender, e, portanto, na altura, o objetivo era conter a covid-19. E daí foram tomadas aquelas decisões.

Claro que, se voltasse a acontecer o mesmo hoje, teríamos outro tipo de medidas, porque, entretanto, aprendemos com o processo. Já há outras respostas no terreno. Já houve um trabalho de preparação. Mas, na altura, era muito no início.

Onde estão agora alojados? Voltaram aos hostels?

Já não estão em hostels. Estão distribuídos por várias unidades na área de Lisboa e alguns foram descentralizados.

O Governo sabe quantos requerentes de asilo, refugiados ou migrantes estão, neste momento, infetados com o novo coronavírus?

Sabemos quantos requerentes de asilo que se encontravam em hostels foram testados: 742. Desses, 232 testaram positivo. Tal como a maioria dos portugueses, sem sintomas.

Os dados do levantamento da Direção-Geral de Saúde são feitos por categoria etária, não por nacionalidade.

Ou seja, dos 1.875 óbitos à data [terça-feira], o Governo não sabe quantos eram imigrantes.

Podemos dizer que nenhum deles era requerente de asilo que residia em hostels. [Dos mortos], não sabemos quantos serão imigrantes. De qualquer forma, os imigrantes são 5% da população em Portugal e a maior parte está na idade ativa. Estão a trabalhar. Isso leva-nos a concluir que a haver um número de óbitos será reduzido.

"A maior parte dos migrantes está na idade ativa e isso foi importante do ponto de vista da saúde pública"

Mas o número de imigrantes infetados continua a ser relevante. A 9 de julho, segundo dados do Infarmed, cerca de um quarto dos infetados no distrito de Lisboa eram imigrantes; 15,7% no Porto.

É nas grandes cidades - Lisboa, Porto - que se concentra a larga maioria dos imigrantes e daí haver uma representação maior.

É na Área Metropolitana de Lisboa (AML) onde reside a maior parte dos imigrantes em Portugal. Depois, a AML é também a área onde existem as maiores desigualdades sociais e económicas. Muitos dos serviços que temos assegurados como nos supermercados, mercados, funcionários de limpeza, há uma grande representação de imigrantes que tiveram de continuar a trabalhar e não ficaram confinados. Aí, ficaram mais expostos.

E os imigrantes qualificados? Em abril, disse ao Público que um dos planos do Governo era encaminhar os imigrantes que estavam a trabalhar no turismo para a agricultura, onde faltava “mão-de-obra”. Esta ideia chegou a ser efetivada ou caiu devido às críticas?

O que referi foi que os imigrantes que tivessem disponibilidade e apetência para trabalhar noutros setores como a agricultura - eram setores que na época estavam à procura de mão-de-obra -, seriam direcionados.

Não são setores diferentes, que exigem competências diferentes?

São setores diferentes, sim.

A verdade é que no Alto Comissariado para as Migrações (ACM) tivemos só no primeiro dia 70 inscrições de imigrantes, a maior parte deles a trabalhar no turismo. O que nós fizemos foi direcionar para empregadores que nesse momento estavam a precisar de mão-de-obra.

Ao todo, quantos imigrantes manifestaram interesse?

Posso dizer que até há cerca de 15 dias, eram perto de 400. Recebemos aqui [Ministério da Presidência] pedidos e o ACM tem direcionado para os empregadores que têm tido necessidade.

"Acho que as instituições portuguesas e todas as pessoas envolvidas têm vindo a aprender muito sobre o que é acolher refugiados, tal como noutros países da Europa"

Na semana passada, o Governo manifestou disponibilidade para acolher refugiados provenientes do campo de Moria, na Grécia. Portugal, contudo, não faz parte da lista dos países mais desejados pelos refugiados. Estamos perante um caso de boas intenções, mas que não vão além disso?

Acho que as instituições portuguesas e todas as pessoas envolvidas têm vindo a aprender muito sobre o que é acolher refugiados, tal como noutros países da Europa. Houve um aumento do número de refugiados desde 2015 e que tem vindo a subir anualmente. Há também um trabalho acumulado sobre o qual podemos refletir e melhorar o que tem sido feito.

Quando se diz que não é dos países mais apetecíveis, é preciso distinguir os refugiados que vieram da Grécia e Itália logo em 2015, que não tinham escolha do país para onde iam, dos acolhidos via Comissão Europeia – os chamados reinstalados.

A taxa de retorno ou saída de Portugal dos reinstalados é de 5%.

E em relação a Moria, gostava também de dizer: Portugal tem o compromisso de receber 500 crianças e jovens desacompanhadas. Dessas 500, já chegaram em julho crianças vindas da ilha de Lesbos, onde está o campo de refugiados de Moria. E irão chegar mais.

Precisamente. Na sexta-feira, anunciou a chegada ainda este mês de 28 menores vindos da ilha de Lesbos e outras localidades gregas, que serão distribuídos por diferentes cidades. Já sabe onde? E quando chegam?

Sim. Muitos destes jovens e crianças foram literalmente forçados a deixar os seus países por represália, foram perseguidos e continuam a não querer dar a cara.

Quando queremos que tenham autonomia, queremos que o façam com a respetiva privacidade. E por isso serão distribuídos por entidades por todo o país. Queremos preservar a privacidade deles para que possam ter um novo percurso em Portugal, em segurança e sem sofrerem represálias.

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