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Henrique Raposo
Opinião de Henrique Raposo
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Porque é que os miúdos não estão bem?

11 set, 2020 • Opinião de Henrique Raposo


Mas será que os jovens de hoje são mais violentos do que os jovens do passado? Sim e não. Não, não são mais violentos, porque sempre existiu violência na juventude. Mas sim, são mais violentos porque eles têm agora uma forma de legitimação da violência inédita na história humana: os vídeos captados no telemóvel e difundidos nas redes sociais.

O suicídio transmitido pelas redes sociais é um caso que reforça um dos pontos que tenho salientado nestes meses de pandemia: o espírito do #ficaremcasa foi e continua a ser imposto por uma mentalidade que despreza a saúde mental.

Reduziu-se a saúde à saúde física e a saúde física à Covid-19. Vamos pagar caro esta atitude. O suicídio é uma das grandes causas de morte e a depressão é um dos grandes entraves da vida familiar e profissional. O #ficaremcasa mata e debilita de várias maneiras e uma delas é, sem dúvida, este tratamento rudimentar dada à doença mental.

Claro que o vídeo do suicídio partilhado pelas redes sociais entupidas de jovens é um episódio que isola uma das componentes centrais da saúde mental: o quadro mental negro dos jovens, que andam pelo fio da navalha da net, pesquisando conteúdos perigosos, porno, auto mutilação, suicídio, bullying, vídeos que normalizam a anorexia ou a violência no namoro, isto é, a violência dele sobre ela. Se era assim antes de março, agora só pode estar pior, porque a quarentena reforçou a presença dos ecrãs e da net na vida de crianças e jovens.

A internet está a matar a empatia na mente dos jovens por duas vias. Primeira, a empatia implica um convívio real e não virtual, implica conversar cara a cara e não por mensagens de telemóvel. Segunda, a internet está a normalizar e a legitimar todas as formas de violência da juventude, do abuso sexual ao espancamento.

Mas será que os jovens de hoje são mais violentos do que os jovens do passado? Sim e não. Não, não são mais violentos, porque sempre existiu violência na juventude. Mas sim, são mais violentos porque eles têm agora uma forma de legitimação da violência inédita na história humana, os vídeos captados no telemóvel e difundidos nas redes sociais. Se uma mentira repetida mil vezes se transforma numa verdade, um vídeo asqueroso visto milhares de vezes também se transforma em algo normal, algo que faz parte do habitat do adolescente.

Num passado ainda recente, a maldade ou a perversão também existiam nas escolas, nas ruas, nos quartos, mas ficavam presas naquele momento; agora a perversão é captada por um vídeo de telemóvel e eternizada na net. O momento da humilhação não desaparece.

Há ainda outra diferença entre esta geração e as anteriores. No meu tempo, também víamos violência em filmes e desenhos animados, mas não víamos violência (sexual ou outra) em vídeos reais onde se veem amigos, conhecidos ou jovens de outro ponto do país. A proliferação destes vídeos de telemóvel torna a violência real e não ficcional. Ou seja, para esta geração, é difícil perceber onde está a fronteira entre a realidade e a ficção.

Os meses de quarentena e de limitação da nossa liberdade agravaram com certeza este cenário mental. Portanto, só posso acabar com uma pergunta: vamos continuar a sacrificar esta geração de miúdos através de mais estados de calamidade ou de contingência, através da perpetuação do espírito do #ficaremcasa?

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