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1945-2020

Morreu Vicente Jorge Silva, fundador e primeiro diretor do jornal "Público"

08 set, 2020 - 11:01 • Olímpia Mairos

Tinha 74 anos e era um apaixonado por cinema, mas acabou por fazer carreira no jornalismo, tendo ainda sido deputado, uma experiência da qual não gostou.

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O jornalista Vicente Jorge Silva morreu esta terça-feira de madrugada. Tinha 74 anos e era natural do Funchal, na Madeira.

Como jornalista, distinguiu-se no "Comércio do Funchal" e como diretor da revista do semanário "Expresso", de onde saiu para fundar o jornal "Público”.

Era um apaixonado por cinema, mas acabou por fazer carreira no jornalismo, tendo ainda sido deputado, uma experiência da qual não gostou.

Como realizador de cinema foi autor de O Limite e as Horas (1961), O Discurso do Poder (1976), Vicente Fotógrafo (1978), Bicicleta - Ou o Tempo Que a Terra Esqueceu (1979), A Ilha de Colombo (1997). Porto Santo (1997), o seu último trabalho no cinema, foi exibido no Festival Internacional de Genebra.

Vicente Jorge Silva foi deputado pelo Partido Socialista (PS), eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa.

O seu nome fica ligado também à expressão "geração rasca". Vicente usou o termo para definir os jovens que em maio de 94 protestaram contra as provas globais, por causa da violência e obscenidade que a manifestação assumiu..

Vicente Jorge da Silva estará em câmara ardente a partir das 18h de hoje, nas Capelas Exequiais da Basílica da Estrela em Lisboa, de onde seguirá para o crematório dos Olivais amanhã às 16h.


"Uma força indomável"

Marcelo Rebelo de Sousa evoca uma personalidade marcante que mudou o panorama da comunicação social em Portugal no pós-25 de abril, destacando que Vicente Jorge Silva "marcou o percurso coletivo na luta pela democracia no Comércio do Funchal, fazendo de uma aventura de escassos meios uma força indomável. Como ele - uma força indomável".

Em comunicado, o Presidente da República descreve-o como "das personalidades que marcam um percurso coletivo e marcam também a vida de todos os que se cruzam com elas".

"O Presidente da República, que teve a honra de ser seu aluno em tantos instantes de vida partilhada e seu amigo e admirador sempre, recorda-o com inapagável saudade, mitigada pela sensação de que o seu testemunho continua presente como nunca, e expressa à família a solidariedade do companheiro de lutas comuns e a gratidão institucional, em nome dos portugueses", escreve Marcelo Rebelo de Sousa.

Na mesma note, o chefe de Estado refere ainda que o jornalista "marcou, depois, no Expresso, a transição e o caminho pós-democrático, com imaginação esfuziante, frontalidade total, humor inesgotável, e, sempre, uma inteligência e uma apetência cultural sem limites, que o fazia devorar livros e sonhar filmes e cultivar novos horizontes, ele que, no fundo, era um solitário que a vida não bafejou em momentos pessoais cruciais".

"Deu alma à cultura no Expresso e nele criou a Revista, obra de fôlego que deixou para lançar a sua terceira grande marca coletiva - o Público. No Público concretizou uma revolução na imprensa diária portuguesa, que se expandiria a todo o panorama jornalístico nacional. Ainda teve tempo para ser deputado, pioneiro de causas, polemista imparável, colunista lúcido e escritor de escritas dispersas", acrescenta.

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, Vicente Jorge Silva, "em suma, mudou o panorama da comunicação social portuguesa", com efeitos também na política portuguesa, "sobretudo entre os anos 60 e 90" do século passado.

"Nesse percurso coletivo marcou a vida de todos os que consigo se cruzaram, amigos e admiradores tal como adversários. Ninguém lhe poderia ficar indiferente", afirma o Presidente da República.


"Um génio em todos os sentidos"

Para Graça Franco, diretora de informação da Renascença, que privou de perto com aquele que é considerado por muitos um dos grandes nomes do jornalismo português, Vicente Jorge Silva “vai ser sempre um nome incontornável na história do jornalismo”.

“Ele foi fundador do Público, um projeto que envolveu muitos jornalistas jovens. Alguns, como eu, vinham de outros projetos como o Independente. Outros foram formados expressamente num processo de seleção muito inovador na altura para escreverem no Público, que se mostrou ser o jornal de referência sonhado por Vicente Jorge Silva”, lembra a diretora de informação da Renascença.

De acordo com Graça Franco, Vicente Jorge Silva “conseguiu trazer para Portugal as referências máximas do jornalismo na altura, a grande referência era o Washington Post, o Liberácion, o La Repubblica, uma forma diferente de contar histórias, um olhar sobre o mundo, sobretudo, um olhar também sobre a cultura e sobre o cinema que era a sua grande paixão e que acabou por ser, depois, a paixão da sua vida, quando se começou a desligar do jornalismo e voltou como colunista, há relativamente pouco tempo, ao Público, tendo passado por outro jornais”.

“O Vicente era uma pessoa marcante, era um diretor extraordinário, era verdadeiramente um génio em todos os sentidos, até porque tinha muito mau feitio também e o génio do Vicente conseguiu que entre janeiro e março daquele ano, que foi o de lançamento do Público, 1990, nós trabalhássemos todos os dias, fazendo todos os dias um jornal que nunca saiu à rua, porque era um jornal que estava à espera de ter as máquinas prontas, de ter o resto do projeto pronto”, recorda.

Para Graça Franco, a morte de Vicente Jorge Silva “deixa um aberto nas nossas memórias e na memória do jornalismo português”.


"Em nome da Assembleia da República, as mais sentidas condolências"

"Recebi com profunda tristeza a notícia do falecimento, aos 74 anos, de Vicente Jorge Silva", escreveu o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, numa nota enviada à agência Lusa.

"Na sua breve incursão pela atividade político-partidária, Vicente Jorge Silva filiou-se no PS, tendo sido deputado à Assembleia da República, eleito pelo círculo de Lisboa (IX Legislatura), ocasião em que tive oportunidade de com ele trabalhar e de consolidar a minha admiração e respeito pelas suas capacidades intelectuais e vasta cultura. No momento do seu desaparecimento, endereço à sua família e amigos, em meu nome e em nome da Assembleia da República, as mais sentidas condolências", escreve Ferro Rodrigues, que liderou os socialistas entre 2002 e 2004.


"Voz e ação" da liberdade de imprensa

A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou entretanto a morte de quem considera ter sido "voz e ação de um dos valores essenciais da democracia: a liberdade de imprensa".

"Voz profundamente ativa e incontornável no espaço público mediático português, o desaparecimento de Vicente Jorge Silva deixa um vazio na história da nossa cultura democrática", sublinha a ministra da Cultura, em comunicado.

Vicente Jorge Silva "promoveu uma transformação cujos ecos ainda hoje guiam a nossa forma de pensar, de ver o mundo e de exigir da imprensa o reforço da democracia e da liberdade", acrescenta Graça Fonseca, na nota de pesar.

"Nome maior do jornalismo em Portugal, marcou uma geração, tendo ajudado a moldar o modo como olhamos para a sociedade, a interrogamos e a transformamos. Corajoso defensor da liberdade, foi um pensador inquieto e exigente em tudo o que fez", salienta ainda Graça Fonseca.


[Notícia atualizada às 17h30 com notas de pesar do Presidente da República e da ministra da Cultura e informações sobre o velório e enterro do jornalista]

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  • Maria Oliveira
    08 set, 2020 13:05
    Morreu um grande jornalista e um Homem decente. Paz à sua alma.

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