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Gil Vicente

Lourency. "Quem disser que não tem ambição de chegar a um grande, está na profissão errada"

20 ago, 2020 - 12:20 • Eduardo Soares da Silva

O Gil Vicente foi uma das maiores sensações da última temporada na I Liga, depois de ter subido diretamente do Campeonato de Portugal. Em entrevista a Bola Branca, Lourency, uma das figuras da equipa, faz o balanço da época e traça o seu destino. Extremo já foi associado ao interesse de FC Porto e Sporting.

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Lourency quer chegar a um clube grande e não esconde o objetivo, depois de já ter sido associado a FC Porto e Sporting. Ainda assim, em entrevista a Bola Branca, o avançado, que tem mais um ano de contrato, garante que nunca forçará a saída do Gil Vicente, onde diz que ter reencontrado a paixão pelo futebol e se sente feliz.

O extremo chegou ao Gil Vicente há pouco mais de um ano, numa época de total reconstrução da equipa de Barcelos, que subiu do Campeonato de Portugal diretamente para a I Liga, por decisão administrativa. Lourency foi uma das grandes figuras na equipa de Vítor Oliveira, que superou as expetativas e realizou uma temporada tranquila, longe dos lugares de despromoção.

O brasileiro, de 24 anos, apontou cinco golos em 37 jogos disputados, um deles frente ao FC Porto, logo na primeira jornada do campeonato, em que o Gil Vicente surpreendeu a equipa de Sérgio Conceição.

O Gil Vicente terminou a época no 10.º lugar e garantiu a permanência a três jornadas do fim. Lourency recorda a importância do treinador Vítor Oliveira, a sua despedida emocional e traça os objetivos da próxima temporada, na qual acredita que poderá mostrar ainda mais o seu potencial.

Como surgiu a proposta do Gil Vicente há um ano, depois de ter feito toda a carreira, até à altura, no Brasil?

Surgiu num momento crucial da carreira, já queria traçar novos objetivos. O Gil Vicente foi mesmo o que estava à procura, sempre imaginei poder jogar na Europa e vi como uma grande oportunidade. O clube estava a passar por anos difíceis e vi-me como candidato a ser um dos destaques na equipa.

O que cativou mais na proposta?

A forma como trabalharam na negociação. Nunca venderam ilusão, sempre me disseram como iria ser difícil a época, estava há algum tempo fora da I Liga e a fazer uma equipa nova, sempre deixaram claro que seria um ano difícil, mas que se tudo corresse bem, a valorização seria imediata e muito grande.

O facto de ser uma equipa totalmente nova facilitou ou dificultou a adaptação?

Éramos um grupo bem unido, tivemos algumas desavenças no início, porque não nos conhecíamos tão bem, mas tínhamos no comando uma pessoa muito experiente. Depois de o campeonato ter começado, com os resultados, sempre tivemos tranquilidade, o que é essencial.

O campeonato começou logo com uma vitória contra o FC Porto, com o Lourency a fazer um golo e uma assistência...

Aquele resultado foi o que nos deu tranquilidade e mostrou até onde poderíamos chegar na época. Trabalhámos sempre a pensar positivo, e com aquela estreia que fiz deu-me tranquilidade para crescer ainda mais.

Ficou logo referenciado na I Liga.

Sim, quando fazemos um bom jogo contra um grande, com a circunstância de ser o jogo de regresso do Gil Vicente à I Liga, e sair com a vitória quando imaginavam que iríamos ser goleados, os olhos ficam voltados para quem se destaca. Felizmente fui eu. Foi muito bom para a minha carreira e para o que restava do campeonato.

O Lourency faz uma época muito boa a nível individual. Esperava ter sucesso imediato logo na primeira temporada na Europa, ou maior dificuldade na adaptação?

Chegamos sempre cheios de esperança e objetivos, mas muitos medos também. Olhei para a forma como o treinador trabalhava e para o plantel, criei a esperança de que a época iria correr como correu. Os resultados que começaram a surgir, jogo após jogo, e a tranquilidade que a direção e o "staff" nos transpareceu, fez-nos crescer durante a época e o individual aparece quando há este coletivo.

O Gil Vicente faz uma época muito tranquila e desde cedo se percebeu que iria estar longe da luta pela manutenção. Termina no 10.º lugar, muitos não esperavam esta época. Superar as expetativas era um fator de motivação para a equipa?

Falavam muito no início do campeonato, mas isso não aconteceu. Mostrámos que éramos uma equipa de guerreiros, que iríamos sempre jogar para a vitória, qualquer que fosse o adversário. Não houve um único jogo da época em que não tentámos a vitória. Perdemos, mas não deixámos de lutar pela vitória. Tivemos jogos difíceis e nunca desistimos, acho que este espírito foi ponto determinante para conseguir uma época tranquila.

Esse espírito de que fala foi lançado pelo treinador Vítor Oliveira? A sua experiência foi essencial para ultrapassar todas as condicionantes da época?

É um treinador muito experiente, trabalha com a verdade, não quer só um atleta, quer um homem com responsabilidade e objetivos traçados. Quando temos do nosso lado uma pessoa assim, as coisas fluem com clareza. O Vítor foi determinante porque era o nosso pilar.

Quando estávamos mal, ele recebia as críticas e blindava-nos. Quando estávamos bem, era quem nos dava os elogios. Foi determinante, tem uma moral muito grande em Portugal e uma inteligência absurda.

O que lhe pedia o treinador como um dos avançados e uma das figuras da equipa?

Ensinou-me muita coisa. Logo que cheguei, nos primeiros amigáveis, começou logo a falar comigo individualmente, mesmo antes de o campeonato começar já me chamava para falarmos, dar orientações. Queria que fosse um jogador mais tático, que voltasse mais atrás e que fosse mais objetivo do que era. Foi essencial. Se cumprisse minha a função tática, quando tivesse oportunidade de atacar, sabia que poderia fazer a diferença.

Como foi a despedida do treinador? O que disse ao grupo e ao Lourency em particular?

Foi emocionante. Fizemos um jantar, despediu-se de todos, falou com todos individualmente, deu um abraço a todos. Da cultura que venho, dificilmente temos esse tipo de despedidas, no Brasil demite-se um treinador a quatro jornadas. Foi novo para mim, despediu-se em grande estilo, com objetivos alcançados. Ele deu uma palavra para cada um, preferimos guardar o que ele nos disse e vou guardar para sempre essas palavras.

Surgiu a pandemia e o campeonato teve de parar. Como reagiu o clube e o plantel à paragem? Existia um contato constante entre clube e a equipa? Continuaram a trabalhar em casa?

Foi bem difícil, ninguém sabia a dimensão do que estava a acontecer e quanto tempo iria demorar. A cada dia que passava, a nossa forma física piorava. Por mais que treinassemos em casa, era impossível manter o mesmo nível físico.

Foi uma preocupação muito vista pela equipa técnica que sempre esteve em contato, com treinos diários, para perdermos o mínimo possível da parte física. Tivemos um questionário a responder, o médico ligava todos os dias para saber se tínhamos alguém da família com sintomas. Tivemos um apoio muito eficaz do clube, ficámos tranquilos num momento em que todo o mundo passava por dificuldades.

O campeonato regressa sem adeptos nas bancadas. Como foi a experiência de jogar à porta fechada?

Já joguei algumas vezes à porta fechada, mas nunca tinha vivido algo parecido. Sempre tivemos apoio forte dos nossos adeptos, sempre apoiavam, aplaudiam e cantavam, nunca fomos vaiados, mesmo em jogos a perder em casa, nem no jogo contra o Moreirense [derrota por 5-1]. Fizemos uma primeira volta invicta em nossa casa, muito por parte deles.

A paragem acabou por influenciar os resultados do Gil Vicente, que sofre três derrotas seguidas no regresso do campeonato?

Não tínhamos os adeptos, até comentávamos entre nós que parecia que estávamos a chegar ao estádio para um treino e não um jogo, porque não havia o clima de jogo, não havia adeptos na porta do estádio e isso fez muita falta, e juntando à nossa parte física.

Éramos uma equipa em que a parte física era essencial, uma equipa muito intensa, era diferente dos outros adversários. E isso fez-se sentir, mas tínhamos pessoas experientes a blindar-nos e que nos incentivavam jogo após jogo.

O Gil Vicente conseguiu voltar aos bons resultados e confirmou matematicamente a permanência a três jornadas do fim, num jogo em Guimarães, e logo com uma reviravolta no fim do jogo. Qual foi a sensação depois desse jogo?

Se a paragem não acontecesse, tenho a certeza que iríamos conseguir a manutenção com mais jogos de distância para o fim. Foi um jogo especial, vínhamos de um desgaste muito grande do jogo anterior contra o Rio Ave, começámos a perder, mas corremos muito e bem, fizemos um bom jogo e conseguimos ganhar.

Olhando para o futuro, o Lourency tem mais um ano de contrato com o Gil Vicente, com um novo treinador no comando técnico. O que espera da nova temporada?

Tenho contrato, sempre disse que estou muito tranquilo, só penso em jogar e fazer mais. Foi a minha primeira época na Europa. Foi boa, mas ainda posso render mais e melhorar. Os ensinamentos do Vítor foram dados, temos um novo treinador experiente também.

Estou tranquilo, o que tiver de acontecer, vai acontecer. Não vai ser forçado, se acontecer algo, será naturalmente. Se tiver de ficar, fico. Se tiver de sair, será decisão do Gil Vicente, são eles que têm carta branca para decidir o que fazer.

Fruto da boa época que fez, tem sido um nome falado no mercado de transferências. Tem alguma proposta para sair neste momento?

O jogador quanto menos souber, melhor. Quem trabalha comigo, sabe que prefiro não saber. O meu contrato é com o Gil Vicente, há sempre interesse quando se faz uma época boa, mas hoje jogo num clube que precisa ainda de se afirmar na I Liga, vai ser um ano muito difícil, preciso de me superar mais uma vez. Os adeptos gostam de mim, as pessoas no clube também. Não forço a saída.

Chegou a estar associado ao FC Porto e Sporting. Fica feliz estar por estar associado aos grandes?

Fico muito feliz, é o reconhecimento do meu trabalho, do que fiz no campeonato, mas não mexeu comigo. Quis mostrar mais ainda, o porquê do meu nome ser falado. São dois clubes enormes, de topo mundial, ter o nome associado é diferente, fiquei feliz e deu-me mais vontade de jogar.

É um objetivo chegar a um dos grandes?

Claro. Portugal tem vários clubes grandes, se um jogador disser que não tem o objetivo de chegar num clube grande, está na profissão errada. Tenho o objetivo de chegar a equipas grandes, não só em Portugal, mas na Europa e até mesmo no Brasil. O meu foco é chegar numa equipa grande, no topo do futebol mundial.

Objetivo é continuar no futebol europeu, ou voltar ao Brasil pode ser uma opção?

Prefiro ficar na Europa, fez-me ter a esperança que tinha quando comecei a jogar e quase se apagou quando estava no Brasil a jogar. Quando pisei Barcelos, vesti a camisola do Gil Vicente e mexeu comigo.

Fez com que revivesse os meus sonhos de criança, jogar em clubes grandes, jogar grandes competições. Prefiro continuar na Europa. Antes de vir para o Gil Vicente, tive outra propostas no Brasil, mas quis ir para a Europa fazer a minha carreira.

Olhando ainda mais para trás. O Lourency integrava a equipa da Chapecoense quando aconteceu a tragédia no clube. Como é que viveu esse momento, sendo que não foi convocado para o jogo?

Foram dias cinzentos em que se para para pensar na vida. Tinha muitos amigos na equipa e de um momento para outro já não estavam comigo. Prefiro não usar a palavra morrer, carrego-os para sempre no meu coração.

Durante o ano fiz quase 50 viagens com eles. Não fui ao jogo e, infelizmente, o avião caiu. Era o tipo de jogo que todos querem jogar, era uma competição internacional, não fui chamado, fiquei triste, mas sabia que existia o próximo jogo, ia trabalhar para o jogo seguinte.

Fica no clube depois da tragédia, na reconstrução da equipa e do clube. A tragédia continuava muito presente no dia-a-dia do clube?

Continuava e ainda continua. Converso com muitos amigos, o Neto, e o Alan Ruschel [sobreviventes da tragédia], já os admirava antes do acidente, ajudavam-me a crescer. Hoje vivem em Chapecó e sei que esses dias ainda continuam muito vivos na memória, assim como na minha. Lembro-me de conversas, continua muito presente.

Houve um grande apoio em todo o mundo para com a Chapecoense.

Foi especial, todos nos davam carinho. Logo depois do acidente fizemos muitos amigáveis internacionais, com o Barcelona e outros clubes na América. Sentimos um pouco daquilo que víamos nas redes sociais.

Sentimos o carinho de perto e impressionou. Juntou o futebol e uniu rivais. O jogo em Camp Nou foi diferente, recordo-me com muito orgulho, naquele campo sagrado do futebol, foi um momento que nem dá para explicar. Foi diferente, contra grandes jogadores e eu fui titular. Desfrutei do jogo e de todo o dia que foi bastante especial.

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