13 ago, 2020 - 11:43 • Rosário Silva
Se não fosse a pandemia, por estes dias, em Viana do Alentejo, concelho do distrito de Évora, já se trabalhava para a realização, no fim-de-semana do quarto domingo de setembro, da Feira d’Aires. Uma feira centenária, “onde o profano e o sagrado andam de mãos dadas”, cruzando manifestações religiosas, espetáculos musicais, atividades económicas ou comércio tradicional.
Com as transformações inerentes a cada época, a Feira d’Aires realiza-se desde 1751, sendo, desde sempre, local de encontro privilegiado, seja para o negócio, seja pelo convívio, seja pela fé, ou não fosse o Santuário de Nossa Senhora d’Aires, um santuário mariano, o “palco” principal em torno do qual acontecem as todas celebrações.
Este ano não é assim. A feira foi cancelada, por decisão do município, à semelhança de outros eventos e atividades no concelho alentejano. Na terra, de uma forma geral, a decisão foi bem aceite, atendendo às circunstancias, o que não invalida a existência de um sentimento de tristeza.
“Fiquei triste, pois a gente gosta de festas, mas temos de nos conformar, uma vez que a saúde está em primeiro lugar”, diz, à reportagem da Renascença, Francisca Maia, que reside na freguesia de Alcáçovas.
O mesmo sentimento invade João “Canaica”, como é conhecido. Nascido e criado em Viana do Alentejo, hoje com 72 anos, sentado ao lado do amigo Leonel, num banco da Praça da República, aviva memórias de outros tempos.
“Juntávamos dinheiro no verão, para ir à feira comprar um par de botas ou uns safões, e outros um pelico”, recorda. “Vinham excursões de todo o lado por causa da Santa, e a feira chegava a durar oito dias, sempre a comer e a beber”, acrescenta, João “Canaica”.
Boas recordações, num tempo inusitado e de grandes dificuldades para quem aproveita estes eventos para fazer prosperar o negócio.
“Não havendo feira, é mau para a nossa economia, e é pena, pois todas as pessoas perdem com isso”, afirma, Lusitana Figueiredo que, entretanto, se juntou à conversa, confessando sentir-se “triste por causa do motivo que é, e por não poder mostrar a feira a quem nos visita.”
Já Fernando Fialho olha para a conjuntura com alguma preocupação, ou não fosse empresário da restauração. Faz contas à vida para conseguir sobreviver à crise e manter os seus empregados. “Vivemos um dia de cada vez e até agora estamos a aguentar”, afirma o proprietário da churrasqueira “Escadinhas”, que registou uma uma quebra na ordem dos 60%, em consequência da pandemia.
“Servíamos uma média de 60, 70 refeições por dia, e agora temos 30, 25, outras vezes menos, e nem sequer podemos contar com a feira”, lamenta o empresário.
“Na altura da feira, temos sempre casa cheia, no sábado servimos 300 refeições, mais 300 no domingo desse fim-de-semana, está a ver, este ano deixamos de vender 600 refeições, o que faz muita diferença”, acrescenta Fernando Fialho, que, atualmente, encontra na venda de comida para fora, a tábua de salvação do seu restaurante.
Para minimizar o impacto provocado pela pandemia, a Câmara de Viana do Alentejo aprovou um pacote de medidas de âmbito social e económico, que incluiu a criação de um Fundo de Emergência Municipal no valor de 150 mil euros, para apoiar famílias, empresas, IPSS e movimento associativo.
Foi também lançada uma campanha, que decorre até 31 de outubro, denominada “Compre no Comércio Local - Vales Solidários”, em parceria com a Agência de Desenvolvimento Regional do Alentejo, com o objetivo de revitalizar o comércio local e estimular os hábitos de consumo locais.
“Certamente não conseguimos resolver todas as situações, mas procuramos, dentro das possibilidades do município, minimizar de alguma forma as consequências desta pandemia”, refere, em entrevista à Renascença, o vice-presidente da autarquia, João Pereira.
“Não tomamos estas medidas para substituir a Feira d’Aires, pois ela é insubstituível, e é com grande mágoa que os habitantes deste concelho não veem a feira realizar-se, que é a menina dos seus olhos, mas por outro lado, temos a satisfação de estar num concelho que não tem, por agora, nenhum caso de covid-19”, menciona o autarca.
João Pereira adianta que a decisão de não realizar o certame foi “muito ponderada pelo executivo”, tendo sido auscultadas todas as entidades competentes.
“Apesar de nos custar muito e haver, aqui, uma fratura na realização desta feira, consideramos que esta é a decisão que salvaguarda os interesses da população em termos de saúde e segurança”, sublinha o vice-presidente do município alentejano.
São dias de incerteza para todos e uma crise sem memória em determinados setores, ainda assim, em Viana do Alentejo, procuram-se outras alternativas. O autarca revela que por ser um “concelho seguro e tranquilo”, há mais pessoas a visitar a região.
“Temos tido conhecimento de que há um crescente número de pessoas que nos visita ao fim-de-semana, vêm pela gastronomia, pelos nossos monumentos, pelas nossas paisagens. Temos uma oferta turística que pode, de alguma forma, compensar a não realização da feira”, declara o autarca.
João Pereira defende que o momento, “é uma oportunidade para os territórios do interior, que não são tão apelativos como outros locais como o Algarve, ou a zona litoral”, deixando um apelo: “Visitem-nos e vão descobrir muitos tesouros desconhecidos.”