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SEMANA NACIONAL DAS MIGRAÇÕES

“Não basta acolher, é preciso aprender a conviver”

10 ago, 2020 - 17:28 • Ângela Roque

Pandemia não fez diminuir o movimento migratório e aumentou as desigualdades, alerta a diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações. À Renascença, Eugénia Costa Quaresma diz que é preciso acabar com o “preconceito” e reforçar a solidariedade.

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A Igreja católica em Portugal está a assinalar, até 16 de agosto, a Semana Nacional das Migrações. A iniciativa nasceu há 48 anos para sensibilizar as instituições e a sociedade civil para a realidade das pessoas em mobilidade, sendo que são cada vez mais os que se deslocam no mundo para fugir da fome ou da guerra.

“Enquanto não melhoramos algumas coisas que são estruturais não acaba o fenómeno migratório, nem as deslocações forçadas”, diz à Renascença a responsável pela Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM).

“Quando estivemos confinados não se falou muito disto, mas a partir do momento em que abriram as fronteiras começou novamente o movimento migratório, o que prova que a mobilidade humana é qualquer coisa que não podemos tentar regular”, sublinha Eugénia Costa Quaresma, lembrando que a pandemia não acabou com os conflitos nem com as perseguições que fazem com que as pessoas “continuem a ter necessidade de se mover, a ter desejo de justiça e a querer procurar melhores condições de vida”.

“Quem já vivia numa situação precária, ficou pior. São esses os ecos que nos chegam dos serviços que fazem atendimento social, onde há um alerta para a solidariedade material, sobretudo”, refere.

“Fazer mais e melhor”

Para a diretora da Obra Católica das Migrações, Portugal continua a ser um “bom exemplo” ao nível do acolhimento, mas é preciso ir mais além. “Continuamos a encontrar pessoas de boa vontade e dispostas a ajudar, mas também encontramos algumas resistências”.

“Queremos fazer mais e melhor para que, para além da capacidade de acolhimento, se crie a capacidade de convívio, sem grandes tensões ou conflitos”, sublinha, não escondendo alguma preocupação com o que vai lendo nas redes sociais, “comentários que nos levam a pensar que nem tudo está bem e que nem tudo é perfeito. É preciso haver alguma educação no olhar e na escuta para que não haja mal entendidos, e para que as tensões não assumam proporções irreversíveis”.

Para Eugénia Costa Quaresma “ainda há preconceito”, e até racismo e xenofobia na sociedade portuguesa. “Sim, ainda há, e a mensagem do Papa vai nesse sentido, de reconciliar a memória” e perceber o mal que “a noção ‘raça' provocou na humanidade, e a desigualdade que foi semeado ao longo de mais de 500 anos. Vai levar algum tempo, mas é preciso iniciarmos este trabalho de valorização das identidades que ficaram à margem. E não estamos a falar só de afrodescendentes, estamos a falar também da população cigana, por exemplo. É preciso descobrirmos novas formas de diálogo e de inclusão”.

Perceber como é estar “no barco das migrações”

Inspirada na mensagem ‘Forçados, como Jesus Cristo, a fugir’, que o Papa divulgou para o próximo Dia Mundial do Migrante e do Refugiado (27 setembro), a Semana Nacional das Migrações está este ano a decorrer com um desafio diferente: quem teve de deixar o seu país, como migrante ou refugiado, é convidado a dar o seu testemunho de vida, através de carta, vídeo ou fotos.

“É um convite à partilha”, explica Eugénia Costa Quaresma, indicando que “temos vários exemplos na nossa sociedade de pessoas que viveram esta experiência, que vieram de África, com a descolonização, de Timor, ou mais recentemente da Venezuela, e acreditamos que ao contarem a sua história nos poderão ajudar a ser uma sociedade melhor, a combater alguns preconceitos, o racismo, a xenofobia e os extremismos também”.

Para a responsável pela OCPM é importante “partilhar para crescer”, e “há experiências muito bonitas em que se promoveu o encontro a partir da partilha da gastronomia, de histórias, de contos tradicionais, a partir da música e tantas outras coisas. Se não trabalharmos em conjunto não crescemos enquanto comunidade, por isso estes exemplos são importantes”, afirma.

As pessoas têm aderido ao desafio. “Temos o testemunho de alguém que veio para cá em 1975, 76, fez este percurso de migrante, de deslocada interno, primeiro em Angola, depois através de uma ponte aérea chegou a Portugal, e fala-nos de todo o seu percurso até já não se sentir uma imigrante, mas sim uma nacional portuguesa, uma vencedora. Temos o exemplo de um jovem que apesar de ser muçulmano foi acolhido, há um ano e pouco, por uma comunidade católica, os missionários da Consolata, que estão a apoiar o seu processo de integração”, conta.

Os testemunhos serão partilhados ao longo da semana nas redes sociais. “Vamos publicar na página da Obra Católica das Migrações no Facebook e Instagram. E esperamos que as pessoas se deixem inspirar”, porque afinal os testemunhos pessoais “são os que marcam mais, os que provocam mais empatia, e os que acabam por nos unir”.

“Creio que é isto que precisamos de trabalhar agora: sentir e perceber como é que é estar neste barco das migrações, seja com o estatuto de refugiado, seja com o estatuto de deslocado interno, de imigrante, não importa. O importante é ver como é que dentro deste contexto de mobilidade humana nos vamos construindo como pessoas, como é que vamos sendo mais comunidade”, refere.

Fátima como ponto de encontro

Um dos pontos altos da Semana Nacional das Migrações é a peregrinação de 12 e 13 de agosto a Fátima, também conhecida como a Peregrinação dos Migrantes. Eugénia Costa Quaresma explica que as cerimónias este ano “serão mais condicionadas, quer no tempo, quer no número de pessoas”.

“Não vamos ter a vigília noturna, que era a Obra Católica que promovia, por isso não teremos tantos grupos em termos de secretariados e comunidades católicas de língua portuguesa, mas muitos irão participar e também há a ‘Peregrinação pelo Coração’, que foi lançada dia 6 pelo Santuário de Fátima, e que ajuda a que vivamos esta caminhada de maneira diferente, mas igualmente intensa”, refere.

A Peregrinação Nacional do Migrante e do Refugiado vai ser presidida por D. José Traquina, bispo de Santarém, e responsável pela Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana da Conferência Episcopal portuguesa. Na mensagem para esta Semana, a Comissão apela à solidariedade para com os migrantes e refugiados, considerando que a pandemia “desnudou o tanto que nos falta fazer para combater as desigualdades”.

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