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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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A cultura da China e a da Europa

18 jul, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


A China tem hoje um regime dito comunista, que é sobretudo uma réplica atual dos regimes ditatoriais do seu passado. Tradicionalmente os chineses aceitam obedecer aos poderosos. A democracia e as suas liberdades são estranhas à cultura chinesa.

A China foi uma potência marítima antes de Portugal se lançar nas descobertas. Como explicar, então, que caravelas portuguesas tenham entrado sem oposição no mar da China? A explicação encontrei-a num livro de 1998 do historiador americano David Landes sobre a riqueza e a pobreza das nações (edição portuguesa da Gradiva, 2001).

Os dirigentes chineses consideraram a cultura do seu país muito superior às culturas estrangeiras. Para evitar contactos com essas culturas estrangeiras e inferiores, que, na perspetiva chinesa, só iriam prejudicar a cultura nacional, decidiram limitar a sua frota marítima a navios muito pequenos e abater os navios maiores. Por isso as caravelas portuguesas não encontraram oposição naval no mar da China.

No séc. XIX vários países europeus, com destaque para o Reino Unido, impuseram à China humilhações relacionadas com o tráfico de ópio. Humilhações que os chineses nunca esqueceram.

A China tem hoje um regime dito comunista, que é sobretudo uma réplica atual dos regimes ditatoriais do seu passado. Tradicionalmente os chineses aceitam obedecer aos poderosos. A democracia e as suas liberdades são estranhas à cultura chinesa. Xi Jinping levou o controle da população chinesa a níveis brutais, utilizando as novas tecnologias informáticas e a inteligência artificial. E as manifestações exteriores da China, desde controlar o mar a sul e a oeste do país, até ao investimento no estrangeiro de empresas chinesas, têm como propósito essencial reforçar o poder da China.

Aí se insere, também, o ataque à cultura democrática dos países ocidentais. A China quer demonstrar que essa cultura – a nossa cultura - é alheia à tradição e à civilização chinesas, que ela considera superiores. Para os dirigentes chineses, os direitos humanos, por exemplo, são uma invenção ocidental que não tem lugar na cultura chinesa.

Um especialista suíço na história e na cultura chinesas, Jean François Billeter, escreveu um pequeno mas interessante livro sobre o regime chinês e a ameaça que ele representa para uma Europa democrática (“Porquê a Europa – Reflexões de um sinólogo”, ed. Guerra e Paz, 2020).

A ideologia oficial da China é relativista: cada sociedade tem os seus próprios valores. Assim, nenhuma sociedade pode recorrer aos seus valores para emitir um juízo sobre outra sociedade (pág. 107). Os dirigentes chineses acusam os ocidentais de considerarem universais os seus próprios valores, para os imporem aos outros.

Mas na China existe quem não pensa assim. Não podem é exprimir publicamente a sua discordância. E na história chinesa nunca existiu um movimento de autocrítica como foi na Europa o iluminismo, que teve uma grande influência cultural.

Ora a esperança dos dissidentes chineses está em importarem a liberdade de expressão ocidental. Daí que J. F. Billeter aponte a integração europeia como a possível salvação da cultura chinesa. O problema é que a Europa não sabe para onde vai. Falta-lhe um projeto no momento em que é atacada do interior e do exterior (pág. 70).

E as coisas ainda se tornam mais complicadas na medida em que os movimentos anti-razão também se fazer sentir entre os europeus. A grande batalha intelectual de J. Ratzinger, depois papa Bento XVI, foi contra o relativismo, que tira fundamento à justificação racional de qualquer convicção, nomeadamente moral. A minoria perseguida de chineses que aspiram à democracia poderá ser frustrada pelas posições pós-modernas de intelectuais europeus.

Comentários
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  • Desabafo Assim
    20 jul, 2020 09:30
    Já imaginou o que representaria a China para o mundo numa dessas aventuras de democracia? Qual democracia qual carapuça, a liberdade, para o ser vivente vestido de Homem não é o de andar por ai lançando palpites é sim organização, disciplina, justiça e pão sobre a mesa, essa democracia apregoada pelo ocidente só serve para escravizar os povos derramando sobre eles a culpa do seu falhanço, falha ou não falha no apoio aos necessitados, na arrogância da corrupção, na desigualdade, no fechar de olhos à miséria. Pois o regime chines é tão bom e tão mau como qualquer outro, a China é feita de pessoas completamente iguais às dos outros países, todo o homem é um desconhecido para si próprio, que o não domina, como para o outro, ninguém conhece o outro sem primeiro falar com ele. Aí sim, vou ser “racista” para contigo, não gosto da tua maneira de ser, independentemente da tua raça. Só há um tipo de Homem, para infelicidade de alguns, mesmo incluindo esses seres, espalhados entre todas as raças que aparentam ser meio macacos e terem ficado parados a meio da evolução. Que Deus continue a ser misericordioso para com os governantes Chineses tal como dos outros países que têm como bandeira justiça e igualdade, que continuem caminhando respeitando o amor, dando primazia à solidariedade, à justiça, que se continuem escandalizando com o mal e a miséria do outro. Vamos pesar quem cumpre melhor esse desígnio? Liberdade não é poder ser apoiante do fidalgo x ou y é muito mais que isso.
  • César Augusto Saraiva
    20 jul, 2020 Maia 08:53
    Beleza! Os intelectuais europeus tornaram-se tão modernos que nem se apercebem que ficaram sem Moral nem mural... Vai ser bonito o fim, ai, vai-vai!...