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Francisco Sarsfield Cabral
Opinião de Francisco Sarsfield Cabral
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O direito à diferença

11 jul, 2020 • Opinião de Francisco Sarsfield Cabral


Os ataques à liberdade de expressão também se fazem sentir em países democráticos. É antidemocrática a tentativa de limitar o diálogo aos que têm a nossa opinião, proibindo a discórdia com os que pensam diferente.

A tendência para promover governos autoritários ameaça a liberdade de expressão. Em pequenos países, como a Guiné-Bissau (de que falei ontem) ou a Coreia do Norte, e em grandes países, como a China de Xi Jinping ou a Rússia de Putin.

Mas os ataques à liberdade de expressão também se fazem sentir em países democráticos. Por exemplo, a proibição, na Alemanha, de negar o holocausto é um erro. E essa proibição legal em nada contribuiu para travar a emergência, naquele país, de grupos neonazis. Nunca como agora tantas pessoas de extrema-direita estiveram sob vigilância na Alemanha, cujos serviços secretos vêem nelas a principal ameaça à segurança do país.

A liberdade de expressão, um dos principais pilares da democracia, implica aceitar ler ou ouvir o que não nos agrada, como Pacheco Pereira tem lembrado. Negar o holocausto é uma óbvia e ridícula falsidade, que deve ser combatida em campo aberto e não por leis proibitivas.

Neste clima pós-moderno de desconfiança na razão e na ciência, poderão aparecer pessoas a defender que a terra é plana e não redonda. Para já recusam vacinas. Nada disto exige proibições legais, que até podem ser contraproducentes.

Há nas democracias liberais, sobretudo nos EUA, uma outra via para travar o diálogo entre opiniões diferentes. É o que se tem chamado o “politicamente correto”, uma designação que, de tanto usada, foi perdendo força. Mas a realidade de proibir, nomeadamente em universidades, palestras de pessoas de quem muitos estudantes e muitos professores não gostam é uma estúpida tentativa de limitar o diálogo aos que têm a nossa opinião, proibindo a discórdia e o debate com os que pensam diferente.

Por isso é de saudar a tomada de posição de perto de duas centenas de escritores, artistas, intelectuais, pensadores, etc. na revista americana Harper’s, gente de esquerda e de direita, que subscreve um pequeno mas incisivo manifesto. Aí se denuncia o perigo de um novo clima de atitudes morais e de compromissos políticos “que tendem a enfraquecer as nossas normas de debate aberto e de tolerância das diferenças, em favor da conformidade ideológica”. Estão a estreitar-se as fronteiras daquilo que pode ser dito sem ameaças de represálias, avisam.

E especificam os autores deste manifesto: “A inclusão democrática que queremos só pode ser alcançada se levantarmos a voz contra o clima de intolerância”. Sublinha o texto que a resistência ao autoritarismo não pode fortalecer o dogma ou a coerção deste, “que demagogos de extrema-direita já estão a explorar”. E adiantam que “estamos a pagar o preço numa maior aversão ao risco entre escritores, artistas e jornalistas, que receiam pelo seu modo de vida caso se afastem do consenso, ou mesmo se revelarem falta de zelo em concordarem” entusiasticamente com o politicamente correto.

A mais forte prova da abertura ao diálogo dos subscritores deste documento está no pluralismo ideológico dos nomes dos seus autores. Ali encontramos, por exemplo, Anne Applebaum, de centro-direita, e Noam Chomsky, de extrema-esquerda. Bem hajam todos pela coragem de defenderem o direito à diferença.

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