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“Não alinhar em despedimentos também é ajudar”, diz líder da CIRP

03 jul, 2020 - 07:00 • Ângela Roque (Renascença), Octávio Carmo (Ecclesia)

Recém eleita presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal (CIRP), a irmã Graça Guedes diz que o medo da doença não impedirá de continuarem na “linha da frente” do apoio a quem mais precisa. A ecologia e a comunicação estão entre as prioridades para o seu mandato, e vê na JMJ de Lisboa uma oportunidade única para “dar testemunho” aos mais novos.

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Provincial das Religiosas do Amor de Deus, a irmã Graça Guedes é a nova presidente da Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal. Foi eleita esta semana para um mandato de três anos, contando na vice-presidência com o padre Pedro Fernandes, responsável em Portugal pelos missionários espiritanos.

Em entrevista à Renascença e à agência Ecclesia, Graça Guedes fala das prioridades e desafios da CIRP para os próximos anos. Não esconde que há uma crise de vocações, mas acredita que é possível fazer mais ao nível da pastoral juvenil, e que a preparação para a Jornada Mundial da Juventude - que Lisboa vai acolher em 2023 - dará os seus frutos. Melhorar a comunicação e dar mais testemunho do que fazem será uma das apostas.

Sobre a nova crise económica, garante que as diversas congregações vão continuar atentas e com a “mão na massa”, dando resposta às necessidades que surgirem, porque essa é a missão de quem consagrou a vida a Deus.

Entre as linhas de ação definidas pela CIRP para os próximos três anos está a de "dar atenção aos sinais destes tempos que são imprevisíveis, conjugando maleabilidade e firmeza". É um grande desafio assumir a presidência da CIRP no atual contexto de muita incerteza quanto ao futuro?

Sem dúvida, nestes tempos não é fácil assumir esta missão, no entanto aceitei o desafio e cá estamos para poder fazer o melhor de que formos capazes, contando com todos.

"Que as consagradas e os consagrados se coloquem na linha da frente diante da nova normalidade" é outra das indicações que saíram do encontro. Mas, isto já não acontece? Se tivermos em conta o trabalho que é feito nas áreas da saúde mental, do acolhimento e cuidado dos deficientes, muitas das respostas que existem no país são da Igreja, e os religiosos e religiosas não são quem está já com a "mão na massa" nestas várias áreas?

Sem dúvida, já acontece. Mas, é um desafio sempre presente na nossa vida como consagrados, e por isso aparece aqui de novo, para nos recordar que não podemos esquecer este campo, não termos medo de arriscar a nossa vida, sempre para bem de todos aqueles que precisam de nós, por isso é atual, mas é algo a que queremos dar continuidade.

Estamos a falar num contexto muito particular que surpreendeu a humanidade no seu todo, a pandemia, e é nesse sentido que se fala em "nova normalidade". De que forma é que estas crises desafiam as congregações a repensar as áreas a que se dedicam, nomeadamente a nível social?

Primeiro é responder a tudo aquilo que hoje nos é colocado pela frente, sermos uma resposta, podermos acolher com a tal normalidade de que se fala aqui, esta normalidade de acolher na linha da frente. Ou seja, não termos medo só porque estamos a viver uma pandemia, que muito nos pode causar dano, mas não ter medo disso e estarmos abertos a poder responder com aquilo que somos, cumprindo as diretrizes que nos vão sendo dadas pela Direção Geral de Saúde (DGS), e conseguirmos não fechar as nossas portas com medo de também ficar doentes, por exemplo, o que já tem acontecido. Por isso é um desafio permanente.

Outra questão relacionada é que do ponto de vista financeiro e económico há um agravamento das situações de pobreza e uma redução nas receitas disponíveis. Há lições a tirar daquilo que aconteceu com a Troika e com a crise de 2008, que possam ser aplicadas para o momento atual?

De certa maneira sim, porque efetivamente nós já experimentámos isso, e hoje verifica-se de novo, o que também nos preocupa. Por isso não queremos deixar de colaborar com a nossa sociedade, sobretudo com os que neste momento estão a padecer mais, quer por falta de emprego, quer por verem os seus rendimentos reduzidos, quer também porque precisam da nossa colaboração, assegurando os seus postos de trabalho. Porque, de facto, nós os consagrados temos muitas obras e muitas pessoas que colaboraram connosco a quem devemos remunerar corretamente, e isso também é, de certa maneira, responder. Não alinhar pelo despedimento, por exemplo, também é ajudar, conseguirmos que as pessoas possam manter os seus postos e continuar a colaborar connosco, ajudando aqueles que mais precisam e que são os destinatários das nossas missões.

Atualmente é também Superiora Provincial em Portugal das Religiosas do Amor de Deus, que atuam no campo da Educação: têm colégios, lares de infância, mas também têm vindo a alargar a ação no campo social, com uma residência sénior, em Fátima. Isso resultou das necessidades que foram identificando ao longo do tempo?

Sim. Esta última construção da residência sénior foi, no fundo, para responder a duas necessidades: por um lado o facto de termos aumentado o número de irmãs com idade avançada, e querermos ter uma resposta de qualidade para estas irmãs que gastaram a sua vida nas várias missões; e depois não ficarmos só no nosso aconchego, de sermos bem cuidadas, mas sermos também uma presença para os que precisam. Daí que, ao pensarmos numa residência, foi para podermos ser resposta à sociedade, para que aqueles que nesta etapa da sua vida - a da terceira idade - ou doentes, possam recorrer e ser cuidados com qualidade. A par dos serviços que prestamos, de saúde e de cuidados aos utentes, há também toda a parte de evangelização, proporcionar que nesta etapa da vida os idosos possam também experimentar esta presença de Deus nas suas vidas.

E admitem alargar esta resposta?

De momento temos esta residência, e também estamos num lar de idosos, que não é nossa propriedade. Mas, não pomos de parte, se viermos a ter condições para ajudar mais pessoas que precisem desta ajuda, sim. Está em aberto.

Voltando à sua nova missão na presidência da CIRP: nos últimos três anos já foi vice-presidente deste organismo da Igreja que congrega os institutos religiosos femininos e masculinos, e as sociedades de vida apostólica que existem em Portugal, tendo em vista a “coordenação e o auxílio mútuo”. Tem havido um crescimento a esse nível? Há hoje mais colaboração entre congregações do que havia há 15 ou 20 anos, por exemplo?

Penso que sim, tem vindo a crescer esta consciência da necessidade de nos unirmos, até porque ao nível dos números, o que vemos é que vamos reduzindo, então há que fazer esforços para nos unirmos e podermos trabalhar nesta intercongregacionalidade. E isso também se tem verificado nos diálogos, nas formações. São temáticas que hoje estão muito em cima das nossas reflexões, e procuramos que em cada um dos Institutos se vá tomando consciência da necessidade de nos unirmos para podemos ser a resposta efetiva e eficaz para a nossa sociedade, de acordo com os carismas que cada Instituto tem.

Essa colaboração já acontece ao nível da formação, do noviciado, e também no âmbito da Comissão de Apoio às Vítimas de Tráfico de Pessoas (CAVITP), que junta várias instituições religiosas. A ideia é alargar este tipo de experiência e de trabalho conjunto a outras áreas?

Sim, as linhas de ação vão muito no sentido de podemos crescer muito mais do que aquilo que se tem feito nestas várias vertentes e comissões, de podermos chegar a um maior número de pessoas, ser uma resposta mais eficaz, podermos trabalhar mais em rede.

Referiu há pouco que o número de consagrados, religiosos e religiosas, vai sendo cada vez menos. Fala-se muito de crise de vocações... há de facto uma crise de vocações? Como presidente da CIRP esta também será uma prioridade de ação?

Também. De facto os dados estão publicados, e eu por acaso até pensava que eramos menos... ainda somos um número razoável.

"Cada vez são menos os consagrados jovens e com forças para poder responder às diversas missões que as congregações têm"

Segundo os dados oficiais do Vaticano, em 2017 havia em Portugal 900 sacerdotes ligados a congregações e ordens religiosas, 237 religiosos, e irmãs são mais de 4 mil e 600...

Sim, podemos dizer que somos um número considerável, mas isso é o total das pessoas. Agora, com capacidade… Sabemos que há um número bastante elevado de consagrados já com idade avançada, e há efetivamente uma diminuição – uma crise, como lhe chamamos -, um decréscimo de entradas à Vida Consagrada. Isso verifica-se até no número de formandos que existem nos vários institutos, são cada vez menos, nalguns são mesmo nulos. Houve alturas em que havia muitas entradas, neste momento verificamos este decréscimo acentuado de entradas, por isso, cada vez são menos os consagrados jovens e com forças para poder responder às diversas missões que as congregações têm.

As pessoas sabem o que é a vida consagrada? Ou a imagem do que é um religioso ou religiosa parou no tempo, “cristalizou”?

A minha perceção é que, de uma forma geral, quando dizemos consagrados e consagradas, a maioria das pessoas, dos portugueses, não identificam. Mas se dissermos que são freiras ou padres, somos mais depressa identificados. Mas, quem está mais perto daquilo que é a nossa missão, identifica-nos como tal. Essa é a minha visão, até nos espaços onde vou estando, por onde vou passando, vejo que as pessoas nos reconhecem e nos valorizam.

O testemunho é sempre importante. Não seria importante divulgar mais o que fazem, onde estão, para chegar aos mais novos? Porque, de facto, a Vida Consagrada não parece ser, à primeira vista, atrativa para os jovens de hoje.

Eu penso que sim, partilho dessa opinião. Efetivamente, nós somos muito comedidos, reservados. Uns institutos manifestam-se mais, outros menos, mas partilhamos pouco aquilo que somos e fazemos. De qualquer maneira, ultimamente, e tendo em conta a situação que vivemos, do que fui acompanhando, acho que a comunicação e a forma de muitos consagrados estarem nas redes sociais, como presença, foi muito valorizado, e tenho recebido alguns ecos do bem recebido através de todos esses meios.

Tem muito a ver com o tempo dedicado por nós a outras formas de comunicação, aos jovens e às pessoas, a que nós, como estamos muito no terreno, nas nossas ações, nos lugares de missão, nem sempre nos dedicamos, daí chegarmos a menos pessoas.

Mas é importante estar nesses novos meios? Aliás, “Reforçar os meios de comunicação social e as plataformas digitais” é uma das apostas definidas para o seu mandato…

Claro. É preciso reforçar esta nossa presença nos meios de comunicação social, não ter medo… Às vezes parece que temos receio de nos apresentarmos, mas é preciso não ter medo de estar presente nestes meios, para podermos dar valor aos próprios meios e, a partir deles, chegar a todos os que nos possam ver ou escutar. Para mim, e para nós enquanto Direção, é um desafio muito grande, ver como é que podemos modificar, inovar, criar, e estar presentes com os nossos valores, porque de facto a Vida Consagrada é valor.

O mandato para o qual foi eleita termina em 2023, ano em que Lisboa vai acolher a Jornada Mundial da Juventude. Entre as linhas de ação divulgadas para os próximos três anos está esta: “Testemunhar a Vida Consagrada para o despertar de Deus na juventude, tendo em vista as Jornadas Mundiais da Juventude”. Há muito a fazer a este nível?

É um grande desafio, sem dúvida, há muito para fazer e, mais uma vez, nós, como Direção, podemos ter um papel relevante, no sentido de criar sinergias, unir esforços entre congregações, interajudarmo-nos neste trabalho conjunto. Aqui está também a intercongregacionalidade, porque podemos disponibilizar os nossos espaços, acolher, porque já congregações com mais espaço. Podemos ser aqui uma mais-valia nesta preparação para a Jornada Mundial da Juventude. Se há vários institutos próximos, por que não fazer ações comuns? Eu penso que é possível. Além disso, este testemunho da Vida Consagrada, para despertar Deus, é fundamental.

A Jornada será uma boa oportunidade para isso, para dinamizar de alguma forma a Pastoral Juvenil e Vocacional?

Sem dúvida. Não foi, por acaso, que a assumimos de imediato, nos trabalhos de grupo da assembleia, espontaneamente. Estamos preocupados e, ao mesmo tempo, esperançados, porque este tempo de preparação até à Jornada pode ser um tempo de graça para todos.

A JMJ é sempre um momento em que aparece o rosto jovem da Vida Consagrada, junto dos participantes ou nos próprios participantes. É uma oportunidade para mudar esse rosto e mostrar uma face mais jovem dos consagrados em Portugal?

Sim, é o que acontece habitualmente, as congregações procuram que os seus jovens consagrados – os que mais diretamente e facilmente chegam aos jovens de hoje – estejam envolvidos nestas ações e estejam presentes nas jornadas, onde vemos rostos de muitos consagrados jovens. Isso, de facto, é uma presença que acaba por tocar também os próprios jovens.

Estamos a viver o Ano ‘Laudato Si’. Uma das apostas assumidas pela CIRP é “Revalorizar a ecologia integral”, na linha da encíclica do Papa Francisco. O que é que poderemos esperar a este nível?

Em primeiro lugar, faz todo o sentido estarmos em comunhão com a Igreja por isso foi uma das ações que surgiu. Podemos contar com as comissões que temos na Direção, a trabalhar no terreno, para motivar todos os institutos a nível dos superiores maiores, chegar a todos.

A Comissão Justiça, Paz e Ecologia, que faz parte da CIRP, terá aqui um papel relevante e poderá chegar mais aos meios de comunicação, com ações e reflexão, com muito para dar sobre este tema que continua a ser muito atual. Há um caminho muito grande pela frente, e temos de fazer mais do que temos feito até aqui.

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