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Opinião de Filinto Lima

Rankings dos exames, para que vos quero?

27 jun, 2020 - 00:00

A publicação dos rankings das escolas convoca um trabalho imensurável, mas praticamente inglório pela vacuidade dos ganhos retirados, a não ser para elevar o ego dos do costume.

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Cumpre ao Ministério da Educação (ME) fornecer os dados dos exames, ficando a imprensa de elaborar os rankings. Reconheço o trabalho desenvolvido durante semanas com o apoio de entidades externas na preparação deste dossiê temático, mas, não o desprezando, traduz-se em muita parra e pouca uva. Sustento a minha opinião em argumentos que já expressei publicamente, mas que saem reforçados ano após ano.

A publicação desta falsa tabela classificativa foi adiada de finais de março para finais de junho, em virtude do contexto pandémico que nos assola e, indubitavelmente, pela indiferença que motiva. Convoca um trabalho imensurável, mas praticamente inglório pela vacuidade dos ganhos retirados, a não ser para elevar o ego dos do costume.

O ranking dos exames (e não ranking das escolas como é habitualmente designado) tem surgido mais tardiamente com o passar dos anos (em fevereiro no ano transato, em dezembro em 2018, em novembro em 2013 e em outubro em 2005), evidenciando objetivos simplistas e perversos, uma vez que gradua as escolas pelas classificações obtidas nos exames. A unicidade da fonte, porque está sustentado na média dos resultados dos exames por escola, ignora critérios essenciais e distorce a realidade, afirmando-se como instrumento arbitrário e díspar para as comunidades educativas – alunos, pais e professores –, um embuste, caso não percecionem as restrições intrínsecas a este falaz índice categorial.

Em contraponto, os Percursos Diretos de Sucesso (PDS), disponibilizados pelo ME, são um instrumento indubitavelmente mais justo e realista, colocando o enfoque nos progressos efetivos resultantes do trabalho das escolas, mobilizando outros princípios e áreas de competências considerados no perfil dos alunos, e os saberes construídos à saída da escolaridade obrigatória.

Importa adotar outros critérios alternativos, alguns já existentes, dando destaque à dimensão dos valores e atitudes dos alunos (empenho, dedicação, interesse, cumprimento com os seus deveres, assiduidade, motivação, etc.), o aporte da escola no aluno (valor que acrescenta desde que o discente entra até que sai da escola), o número de alunos da escola e o percurso escolar edificado por cada um, a estabilidade do corpo docente, o nível socioeconómico dos pais e encarregados de educação, bem como a localização da escola, as expetativas dos alunos e das suas famílias, o efeito das explicações e os apoios extra sala de aula, entre outros.

Claramente, os PDS apresentam-se como um indicador fidedigno, mais verossímil e imparcial na avaliação do trabalho efetuado pelas escolas na capacitação e desenvolvimento dos potenciais de cada aluno, registando a evolução operada durante o seu percurso escolar, ou seja, a melhoria manifestada por cada discente no que concerne aos seus resultados globais.

E, no entanto, percecionamos que o trajeto final de cada aluno é condicionado pelo modelo instituído para acesso ao ensino superior, em que o exame é d(en)ominador!

Não se compreende que a entrada no ensino superior dependa predominantemente da avaliação externa quando o ensino secundário se assume como obrigatório, menos ainda que os exames sejam contabilizados na componente da avaliação final. Parece razoável destinar um papel assaz redutor a este nível de ensino que, concretamente, se limita a cumprir com os objetivos a testar a posteriori, sendo a eficiência do desempenho a condição determinante para a crivagem que deveria ser da responsabilidade das universidades?

A avaliação externa reveste-se, assim, de uma natureza impessoal, afirmando-se uma tecnologia. Os exames não são elaborados numa lógica de afirmação das aprendizagens, antes, porém, têm como finalidade a certificação, com efeitos marcadamente seletivos no ensino secundário (à semelhança do superior). As suas desvantagens são desproporcionalmente maiores do que o proveito que possa derivar da sua realização (mobilização da escola para melhorar as suas práticas). Desde logo, porque afetam sobremaneira o trabalho das escolas, que fazem recair o processo ensino/aprendizagem na preparação para os exames (efeito “washback” – efeito retroativo), perspetivado a pensar nos “rankings”. Estes, por sua vez, vão influir nas escolhas das famílias, contribuindo, como referiu a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, para um sistema escolar mais segregado.

Com os olhos fixos nos exames nacionais, tendo por objetivo exclusivo o ingresso no ensino superior, a ditadura que se impõe a este nível de ensino preconiza a priorização dos conteúdos programáticos, prescritos por programas extensos e castradores. As escolas, numa subserviência tácita, secundarizam os outros desempenhos, alicerçados em aprendizagens estruturantes e transversais, como sejam, a capacidade reflexiva e crítica, a integridade e o espírito cívico, mormente o saber ser e o saber fazer, o desenvolvimento da consciência do “eu” como agente fundamental na construção dos conhecimentos, a título de exemplo, indispensáveis a todos os alunos ao longo do seu percurso no ensino superior e, inequivocamente, ao longo da sua vida adulta.

A não observância deste desígnio, instiga a indagação: a quem interessa a sobrevalorização dos resultados dos exames nacionais?


Filinto Lima, professor e diretor, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas

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