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Centros de Dia fechados. Isolamento acelera depressões e demências entre idosos

19 jun, 2020 - 20:42 • Ana Carrilho

A presidente da Comissão Instaladora da Ordem dos Assistentes Sociais, Júlia Cardoso, considera que não há razão para que alguns centros, em meios rurais ou mais pequenos, que não foram tão afetados pela COVID-19, não reabram. De forma faseada, se for necessário e com todas as medidas de proteção que evitem qualquer possibilidade de contaminação. Dando prioridade aos idosos mais isolados.

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“Há pessoas que estão completamente sozinhas, nem sequer família têm ou está longe. Foram para casa há três meses quando os centros de dia fecharam, com a declaração do estado de emergência. São essas que nos devem preocupar prioritariamente porque, em muitos casos, estão em estado de grande precariedade do ponto de vista físico, emocional e mental”, alerta Júlia Cardoso, presidente da Comissão Instaladora da Ordem dos Assistentes Sociais, em entrevista à Renascença.

Incluídos nos grupos de maior risco de contaminação pela COVID, muitos idosos – sobretudo os que têm maiores dificuldades de mobilidade ou perda de capacidades cognitivas - estão em casa desde março. Alguns recebem apenas a visita das auxiliares do centro de dia que lhes levam a refeição, de segunda a sexta-feira. Para outros, foi preciso reforçar o apoio domiciliário.

Para os profissionais que estão no terreno, a realidade é clara e preocupante: muitos destes idosos estão deprimidos, a perder a mobilidade, não percebem porque não podem sair e estar com os seus companheiros de Centro, sentem falta das atividades e os estados demenciais e a dependência estão a avançar.

Por isso, Júlia Cardoso defende que é preciso pensar numa reabertura rápida dos centros de dia, obedecendo a um Plano que contemple todas as regras de prevenção, higiene e segurança.

”Não há motivo nenhum para que nalgumas zonas do país, em zonas pequenas, onde há poucos casos de contaminação e está controlada, não estejam já a funcionar. Agora, na Região de Lisboa e Vale do Tejo, não sei como vai ser”, admite, receosa. Ainda assim, considera que a Direção Geral de Saúde e o Ministério do Trabalho e Segurança Social deveriam tomar alguma decisão. “As pessoas estão em casa a receber alimentação, mas sabemos que nem só de pão vive o homem. Já estavam em situação de grande fragilidade e com a pandemia, mais frágeis ficaram”.

A assistente social admite que nalguns centros a gestão dos espaços, com a exigência de distanciamento social, será mais difícil. Nesses casos defende um regresso faseado, dando prioridade aos idosos que estão mais isolados e dependentes, “as equipas sabem perfeitamente quem são”.

Júlia Cardoso diz que “já se fala que ainda este mês poderão reabrir” e a Renascença apurou que têm ocorrido reuniões entre responsáveis do Instituto de Segurança Social, das Misericórdias e IPSS’s para discutir as condições em que a reabertura deverá ser feita. Na conferência de imprensa de domingo, a Diretora Geral de Saúde, Graça Freitas revelou que “em breve vão sair orientações para os centros de dia, que sabemos que fazem bastante falta”, mas até ao momento não há qualquer resposta concreta. A Renascença tentou obter informação, também, junto do gabinete da Ministra Ana Mendes Godinho, mas sem resultados.

É preciso repensar o papel dos centros do dia

Júlia Cardoso considera que os centros de dia (salvo raras exceções, que elogia) não se têm adaptado às novas necessidades de uma geração que quer outras coisas. “E não é por acaso que, cresce o número de universidades sénior, onde as pessoas mais velhas, mas ainda com capacidades encontram uma resposta diferente, não só de convívio, mas também de cultura e aprendizagem. A oferta de serviços e atividades dos centros de dia manteve-se muito idêntica à que existia nos anos 80 e acabou por ficar ligado a uma ideia de ser para pessoas com alguma dependência”.

Na opinião da presidente da Comissão Instaladora da Ordem dos Assistentes Sociais, essa pode ser uma explicação para os centros de dia terem uma ocupação a rondar apenas os 65%. Referiu o exemplo do distrito de Lisboa que, em 2018, tinha 11 mil vagas em instituições. No entanto, apenas 7.700 estavam ocupadas. “Quando sabemos que há muitas pessoas que estão em casa, sozinhas, sem apoio e às vezes nem sequer se sabe que existem. Estariam muito melhor no centro de dia, mas com apoio que responda às suas necessidades. Ou em casa, mas com um bom serviço de apoio domiciliário”.

Júlia Cardoso considera que é preciso um trabalho articulado entre as autarquias, juntas de freguesia, autoridades, instituições e a própria sociedade que, tendo conhecimento de alguma situação de isolamento, tem obrigação de a sinalizar. “Sabemos que pode ser por opção, mas não é o que acontece na maior parte dos casos”.

Em média, cerca de metade dos utentes dos centros de dia tem algum tipo de demência, ainda que em estado inicial. E a maior parte das instituições não tem pessoal especializado, nomeadamente terapeutas ocupacionais, que possa dar resposta a esta realidade. E aos outros utentes, ainda sem problemas. “Se tem um público diferenciado, o centro de dia deve ter respostas diferenciadas”.

Por outro lado, salvo raras exceções, só funcionam de 2ª a 6ª feira. “Se não houver a retaguarda da família, estas pessoas ficam muito sós, deviam abrir também ao fim de semana, argumenta Júlia Cardoso”.

São questões que levam responsável pela Ordem dos Assistentes Profissionais a defender uma clarificação sobre o papel dos centros de dia. Considera que deve ser um esforço concertado entre a Segurança Social e as instituições.

Em relação ao ministério tutelado por Ana Mendes Godinho, Júlia Cardoso vê com bons olhos os indícios de abertura para a mudança e flexibilização das respostas sociais. Às instituições, deixa o desafio de inovarem e de se adaptarem às mudanças e necessidades, encontrando formas de trabalho diferentes e que, por exemplo, incidam mais num sistema de cooperação entre elas. “Há recursos, materiais e humanos, que poderiam ser partilhados por diversas instituições, com benefícios para todos”.

Para Júlia Cardoso, a pandemia (também) serviu para a pôr a nu alguns problemas que os profissionais da ação social já tinham identificado há muito tempo. “É uma coisa muito negativa, mas teve a virtude de tornar públicas as condições muito inadequadas em que estes serviços funcionam. Vai fazer pressão para que as coisas mudem”.

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  • 28 jul, 2020 19:07
    Importante um olhar atento sobre esta problemática, por várias razões; primeiro pela exploração da obrigatoriedade de manter um pagamento absurdo por um serviço que não existente; Depois os idosos com demência não suportam máscaras nem têm noção do que seja etiqueta respiratória... logo não vai ser possível contínua em resposta social Centro de Dia... quantos têm possibilidade de pagar outros serviços????

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