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Família e menores

Mediação obrigatória ajudava a resolver pendências mais depressa, diz juiz

16 jun, 2020 - 06:10 • Liliana Monteiro

Tribunais parados por causa da Covid-19, impedimentos ilegais de visitas aos pais, baixa de salários ou desemprego com consequente dificuldade de pagamentos da pensão aos filhos prometem engordar o número de pendências na área da família e menores, alerta António José Fialho, juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro.

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A suspensão dos processos não urgentes nos tribunais durante cerca de dois meses determinou o adiamento de muitas diligências, durante um período longo só se realizaram atos urgentes. “Houve um número muito significativo de atos adiados”, afirma António José Fialho, juiz do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, que em entrevista à Renascença defende a mediação obrigatória nos processos de família e menores.

“O problema que se coloca de futuro é que o ritmo de trabalho dos tribunais de família e menores não será o mesmo. Não vamos poder ter pessoas em circulação no tribunal como antes, à espera de julgamento, que também não se pode realizar com o mesmo número de pessoas. Tudo isto tem efeito na duração e resposta nos processos e ainda não sentimos a avalanche previsível de processos ligados ao desemprego e desequilíbrio das famílias”, revela o juiz.

“A capacidade de resolução dos processos é diminuta porque não há a capacidade que tínhamos antes. É exigido pouco tempo para recuperar, mas temos de ter cuidado, não queremos dar passo em falso para um novo surto ou vaga. Estamos a aproveitar todos os buracos disponíveis. Estamos limitados na utilização dos espaços. Antes eu podia fazer diligências em qualquer lado. Agora tenho de assegurar higienização do espaço entre utilizações e tudo isto demora tempo. Antes podiam sair uns e entrar outros e agora não é assim”, descreve António José Fialho.

Este juiz defende, por isso, que “deviam pensar-se soluções para resolver os efeitos mais negativos da avalanche de processos”.

Não acredita em soluções que passem por equipas especiais de recuperação de processos. “Levanta-se o problema da localização dessas equipas e de meios, onde é que eles estão? Há falta de juízes na primeira instância, para não falar em funcionários e procuradores do Ministério Público. Não sei se seria uma solução com resultado. São áreas em que a intervenção tem de ser a três níveis: judicial, apoio dos funcionários e apoio das equipas técnicas”, sustenta.

Nesta entrevista à Renascença, o juiz defende que há três aspetos essenciais a resolver a curto prazo.

O primeiro é olhar para os casos de promoção e proteção de menores, “casos em que o confinamento tenha levado a violência e maus tratos. É preciso resposta rápida, porque esses estão qualificados como urgentes”, indica.

Em segundo lugar, António José Fialho mostra-se preocupado com situações de abuso e impedimento de convivência familiar. “A situação de emergência serviu de desculpa para filhos não verem um dos pais”, relata.

Por fim, “é preciso a resolução rápida de situações que vão ocorrer de pessoas que tiveram alterações dos rendimentos e não conseguem cumprir as obrigações relativas aos filhos”.

Mediação para o início dos processos de família e menores

António José Fialho não tem dúvidas de que “devíamos estar preparados para uma solução que já há em Espanha e outros países, haver mais do que uma porta de resolução dos conflitos e haver incentivos para não haver tanta pressão sobre o tribunal”. Essa solução, defende, deve passar pela mediação na fase inicial do processo.

“Notamos que se temos mil processos, 100 são verdadeiramente problemáticos e 900 andam lá porque não têm caminho para seguir”, admite este juiz.

Devia apostar-se em premiar o acordo das partes. “Incentivos aos acordos, redução de custas, aumento da possibilidade de deduzir à coleta para efeitos fiscais para pensão de alimentos”, isto se acordado em mediação.

Ou então, sublinha, “pensar numa solução de introduzir a pré-mediação obrigatória, uma pré-triagem como acontece nos Julgados de Paz e muitos dos casos nem chegavam a tribunal”.

O juiz do Barreiro defende que a mentalidade tem de mudar e é preciso foco no resultado do processo, das ações que não têm de passar obrigatoriamente pelo tribunal. “Não é uma desjudicialização porque o acordo firmado tem de ser judicial, mas é diferente o juiz ter de investir num trabalho do princípio ao fim, ou apenas analisar e validar o resultado final.”

“Está nas mãos das pessoas resolver os problemas. Se tiverem bom senso e vontade têm a solução nas suas mãos. Devemos incentivar mecanismos de acordo. Se conseguirmos tirar 500 ou 600 processos resolvidos por acordo seria ótimo”, nota António José Fialho.

Acrescenta que “um momento de crise é sempre complicado, mas tem de ser visto como um portal para o futuro. Normalmente as medidas tomadas em crise acabam por ser definitivas”, a história já o provou diversas vezes.

O Tribunal do Barreiro estava ao longo dos últimos anos a reduzir as pendências, mas “agora vai ser muito complicado e não vai ser tão rápido como todos desejávamos”, conclui o juiz.

Comentários
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  • Adnilson Nobre
    30 jun, 2023 Lisboa 09:33
    Bom dia Caros Senhores/as, Gostava de deixar o meu testemunho enquanto juiz social, desde 2021. Foi uma experiência enriquecedora, na qual também vivenciei um julgamento onde pude perceber ao certo qual seria o papel do juiz social. É sem dúvidas uma experiência significativa e cheia de espectativas. Grato pela atenção, AN
  • 17 jun, 2020 Ferreira do Zezere 11:57
    Que ingenuos.. como se não soubessem quem são estatisticamente as partes que querem o conflito. Querem resolver o conflito? Começem por aí.. por lhe retirar poderes. Por sentenças que as prejudiquem. Para que sintam na pele que a maldade e a ganancia não compensa

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