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​Alojamento local. “Milagre” na gestão da Covid-19 pode “dar vantagem” a Portugal

16 jun, 2020 - 08:00 • Cristina Nascimento

Presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal reconhece que já há alguns sinais de retoma nas zonas balneares, mas nos centros urbanos ainda não há qualquer luz ao fundo do túnel.

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O presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, acredita que o país conseguiu passar uma imagem positiva da gestão da pandemia de Covid-19 e que essa fama, o “milagre português” como alguma imprensa estrangeira apelidou, pode trazer a Portugal uma “vantagem competitiva” na hora da retoma do turismo internacional.

Em entrevista à Renascença, Eduardo Miranda reconhece que já há alguns sinais de retoma nas zonas balneares, mas nos centros urbanos ainda não há qualquer luz ao fundo do túnel.

Ainda assim, mantém o otimismo. O presidente da associação acredita que o momento pode ser uma oportunidade para os turistas descobrirem novas zonas do país.

Apesar do otimismo, Eduardo Miranda garante que este vai ser “um ano duríssimo”, pede mais apoios para o setor, nomeadamente “apoios a fundo perdido”, numa crise que estima vai prolongar-se por muitos meses.

Três meses depois do início da pandemia de Covid-19 em Portugal e nas vésperas do verão chegar, como está o setor do alojamento local?

Neste momento temos sinais distintos de acordo com os tipos de destino. Por um lado nas zonas de praia já existe aqui alguma procura, alguma luz ao fundo do túnel. Não é, naturalmente, semelhante ao que era nos outros anos. São turistas nacionais, alguns que já faziam férias no país e outros que provavelmente este ano vão optar por fazer aqui. Isso já vai criar alguma esperança de alguma retoma nestas regiões.

Nos centros urbanos e outros destinos ainda não se pode falar sequer em retoma. Há reservas muito raras e pontuais. Aguarda-se a retoma das ligações aéreas e ver até que ponto as pessoas estão disponíveis para viajar. Sabemos que, se isso acontecer, vai acontecer de uma forma muito lenta e gradual, aqui na Europa. Alguns mercados que eram importantes, como os Estados Unidos, o Brasil, o Canadá, de longo curso vão estar mais parados por algum tempo. Há aqui sinais diferentes.

Há também um outro sinal interessante que é o interesse grande por propriedades isoladas, no interior. No fundo, é quase os portugueses a descobrirem determinadas zonas do país e optarem por propriedades que garantam algumas infraestruturas. Normalmente, pedem piscina por causa do verão.

Consegue quantificar esse interesse por propriedades isoladas?

Não. Para já, não havia indicadores no passado de zonas do interior, porque são zonas muito dispersas. Também estamos a falar muitas vezes de propriedades que tinham uma ocupação não muito grande, mais sazonal e que eram ocupadas quando os proprietários não estavam a usar.

Não era um segmento que tinha antes um significado grande no alojamento local. É uma novidade de interesse que é bom para o país e para o turismo, mas que ainda não se pode dizer que tenha uma relevância económica.

Estamos a falar de que zonas?

Já tínhamos uma procura por vivendas nas zonas de praia, no Algarve e na Costa, por exemplo. No entanto, como também não há uma oferta assim tão grande de vivendas com estas características, algumas famílias, na procura de alternativas, começaram a explorar no Alentejo e na Costa Vicentina, mas também no norte e centro. A grande questão que se coloca sempre é que, no verão, com as temperaturas mais altas, querem algum tipo de contacto com água, por isso está a ser bastante valorizado quando há uma piscina envolvida.

Como digo, não há uma oferta assim tão grande, mas como o país é pequeno também e a oferta é mais reduzida, as pessoas estão disponíveis para viajar uma, duas ou três horas, e praticamente estão em qualquer ponto do país, por isso, nem sequer é uma zona específica.

E neste momento como vê o futuro do alojamento local?

Os sinais que estão a ser dados agora é que, mesmo nas zonas onde começa a haver uma procura por parte de turistas nacionais, vai haver uma queda de reserva e faturação muito significativa, talvez menos de metade do que era o período homólogo do ano passado. Nas zonas de centros urbanos, esta queda de março a março pode ser ainda mais significativa, com 50, 60 ou até 70% menos de faturação.

Isso significa que isto coloca um desafio gigantesco de sobrevivência para muitos operadores de alojamento local. O que a maior parte está a tentar fazer é criar um “plano B” para se aguentarem até que haja uma retoma mais sólida, mais para o final do ano, início do ano que vem ou, nalguns casos, até na Páscoa, depois do inverno.

Podemos assistir a uma baixa de preços?

Não, isso acho que não. Isso seria um erro enorme, porque o problema neste momento não é uma questão de preço, pelo contrário. Quando começarem as aberturas internacionais, os potenciais turistas vão estar à procura de condições especiais, condições de limpeza, de higienização, isso vai ter custos adicionais. Eles querem, acima de tudo, confiança e, portanto, talvez até estejam disponíveis a pagar por essa confiança.

O que acontece, em termos de preço, é que alguns destinos que estavam dedicados mais ao cliente internacional, para se adaptarem ao cliente nacional, podem ter de fazer alguns ajustes, porque a capacidade de compra do cliente nacional não é a mesma da do internacional. No entanto, serão ajustes temporários por terem de adaptar o público alvo agora.

Portugal pode ter trunfos acrescidos para quem vai retomar as viagens?

Durante este período, Portugal passou uma imagem bastante positiva no que foi a gestão dessa crise sanitária. Já tínhamos uma imagem forte de um país seguro, de confiança e no topo da lista do turismo. Agora, esta gestão positiva da crise veio reforçar também essas ideias. Portugal lá fora passa - é notório, vê-se em artigos, em contactos com os estrangeiros - a ideia de que é um país seguro também ao nível da saúde, que tem boas instalações, equipamentos e serviços, com um serviço de saúde universal, o que é uma vantagem porque alguns países não têm, é privado.

O país está, acima de tudo, preocupado como um todo para essa questão da proteção, da higienização. O próprio processo do selo “Clean and Safe”, Portugal é um dos poucos países que organizou isso de uma forma transversal para toda a indústria do turismo e não foram selos isolados de um setor contra o outro. Aqui, houve uma união no sentido de criar uma consciência da importância da questão da higiene. Isso pode ser uma vantagem competitiva de Portugal. Agora, tudo passa pela negociação entre países. Uma coisa é haver uma apetência pelos turistas, de virem primeiro para Portugal, porque confiam em Portugal; outra coisa é as rotas estarem abertas.

Está, portanto, otimista?

Eu diria que não quero perder o otimismo. O turismo é extremamente importante para o país, o turismo é a base de milhares de famílias, de pequenas empresas, de muito comércio local, da vida local de muitas cidades e, portanto, nós temos de fazer todo o esforço para manter o turismo. Não temos absolutamente nada contra e até achamos que é uma boa alternativa, no caso do alojamento local, poder ir para o arrendamento ou outras situações, mas a nossa principal missão e preocupação é conseguir formas de manter essas pessoas dentro do turismo.

O turismo vai precisar da retoma, porque senão vamos perder uma parte importante da nossa atividade económica. Essas pessoas já estão há anos e anos a trabalhar em turismo, ganharam um capital de experiência, o alojamento local é fundamental, porque tem um contacto muito próximo e não podemos perder isso. Umas das coisas que estamos a lutar, também, é para conseguir mecanismos de apoio que venham numa próxima leva de mecanismos com apoio comunitário, que possam ajudar quem quer - e a maior parte quer - ficar no setor a aguentar estes seis ou sete meses. Apesar de tentarmos trazer otimismo, sabemos que vai ser um ano duríssimo.

Que apoios seriam necessários?

Precisamos de apoio a fundo perdido. Não só a continuidade do “lay-off” para não trabalhar, mas também um “lay-off” que permita recomeçar aos poucos o trabalho, mas com apoio. Precisamos também muito do apoio para os empresários em nome individual, que é a nossa área mais frágil e mais difícil. A maior parte do alojamento local são empresários em nome individual que acabam por ficar de fora de boa parte desse tipo de apoios.

Nesse momento, estamos a trabalhar com o Ministério do Trabalho para incluir o alojamento local na Segurança Social. O alojamento local, desde janeiro de 2019, por uma razão que ninguém sabe explicar, foi excluído da Segurança Social, por isso aqueles pequenos empresários em nome individual não contam nem com o apoio básico que outros trabalhadores independentes contam.

Esses apoios todos são necessários porque eles vão ter, sem grande expectativa de receita, de suportar talvez um prazo mais prolongado, seis, sete meses, até porque a seguir vem o inverno que já era, por natureza, um pico negativo.

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