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​Missas com fiéis. Alegria no hipódromo de Cascais, desconhecimento no bairro da Outurela

31 mai, 2020 - 16:27 • Pedro Filipe Silva

Faltava ainda uma hora para a missa começar, mas no hipódromo de Cascais já estava praticamente tudo pronto. Em cima do palco montado para o efeito, estava o altar e as mesmas três cadeiras para o celebrante e concelebrantes que estão sempre na igreja paroquial. No fundo do palco, estão três enormes telas com as imagens dos altares da igreja.

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Fazer missas campais ao domingo foi a solução que o Padre Nuno Coelho arranjou neste regresso. “As circunstâncias da paróquia de Cascais quase que nos obrigaram a vir para a rua. Temos um número largo de igrejas e capelas, com 12 missas dominicais. Somos três/quatro padres a celebrar estas missas, dois deles têm a idade um pouco mais avançada. Por isso, seria muito difícil multiplicar as missas. Seria também muito difícil orientar as pessoas.”

A solução do hipódromo permitiu reduzir para duas missas ao domingo, uma às 10h00, outra às 19h15. O espaço já não é estranho para os paroquianos, refere o Padre Nuno Coelho. “Em alguns momentos de festa, já celebrámos missa, aqui, no hipódromo. As pessoas já estão habituadas. Sempre que celebrámos houve muitas pessoas que dizia que tínhamos de fazer mais isto porque é muito melhor estarmos todos juntos”, sublinha o pároco, que acredita que neste espaço possam estar 400 pessoas em cada celebração.

Com o aproximar da hora do início da missa, começam a chegar as primeiras pessoas. Os grupos de escuteiros e jovens fazem o acolhimento e dão todas as indicações. Um grupo de senhoras opta por ficar na bancada, onde há sombra. Dizem umas para as outras “Temos de manter a distância, atenção. Temos de ter espaço de dois metros.” No grupo está Ana Coelho, uma paroquiana que sublinha a importância deste regresso às missas em comunidade. “Acompanhei sempre pelo computador, mas sentia sempre uma tristeza porque estava sozinha. Ouvia apenas, rezava, mas sempre sozinha. Este regresso é uma felicidade. Podemos ver colegas que já não víamos há mais de dois meses”.

Por ser ao ar livre não é obrigatório o uso de máscara, mas a maior parte opta por usá-la. Neste grupo onde está Ana Coelho ouve-se "nem nos reconhecemos".

A bancada e a relva começam a compor-se de fiéis. Rui Coutinho vem com a mulher e os dois filhos. Sublinha que a ideia de fazer a missa no hipódromo, mais do que original, é segura. “Esta é uma forma de fazer uma transição para aquilo que será a normalidade, esperamos nós. Queremos voltar para dentro da igreja, já o podemos fazer, mas nestes dias maiores, com mais afluência, temos de vir para estes espaços abertos e mais seguros. A segurança e a confiança ajudam-nos a estar mais tranquilos do ponto de vista espiritual para celebrarmos a nossa fé”, diz este paroquiano de Cascais.

Eis que chega o momento tão esperado. O padre Nuno Coelho aproxima-se do altar e, durante o cântico inicial, ainda se ouvem algumas palmas entre os presentes.

Desconfinamento. Fiéis adaptam-se às novas regras no regresso às missas presenciais
Desconfinamento. Fiéis adaptam-se às novas regras no regresso às missas presenciais

Um regresso ainda tímido no bairro da Outurela

No final da missa, o padre Josá Manuel tira a máscara e, em jeito de brincadeira, diz para duas paroquianas. “Agora estou de barbas. Fica bem?”. Uma das senhoras responde: “Já tinha reparado. Fica bem, mas pode tirar.”

O pároco de Outurela regressou de barbas depois deste desconfinamento, mas esse é apenas um pormenor perante a alegria do reencontro. Que o diga Maria da Conceição: “Estávamos mesmo a precisar. Aconteceu o que aconteceu, mas agora estamos a voltar ao normal. Espero que corra tudo bem.”

Para Carmina Moreira, este regresso teve balanço positivo. “É uma alegria enorme e acho que nos portámos muito bem, compreendemos tudo. Foi uma alegria enorme voltarmos.”

No regresso há este entusiasmo, mas também a adaptação a novos hábitos, que até para o próprio celebrante são estranhos. “Tinha os acólitos atrás que me iam dando algumas dicas. Às vezes, esquecemos de purificar as mãos, pôr álcool. Eles iam dizendo ‘padre José Manuel agora isto, agora aquilo’. Estamos concentrados na assembleia, naquilo que queremos transmitir e no que estamos a celebrar. Às vezes, estes pequenos pormenores que saem do habitual, daquilo que já fazíamos de cor e salteado. Agora temos de pensar, é estranho”, diz o padre, pároco deste bairro do concelho de Oeiras desde 2003.

Na primeira missa de domingo, às 10h00, estiveram 60 pessoas, um cenário bem diferente de outros tempos, partilha o pároco. “Nesta missa das 10h00, costumamos ter 300 pessoas e hoje não tivemos nem pouco mais ou menos essa população. Ainda bem que não vieram, porque também não cabiam. Agora, com as restrições de lugares, cabem atualmente 106 pessoas.”

Esta ausência de pessoas tem uma explicação. O padre José Manuel fala numa “comunidade com características próprias. No bairro da Outurela 80% das pessoas são cabo-verdianas. Têm os seus hábitos e ritmos muito próprios. Temos de nos adaptar um pouco a isso”, mas o pároco sublinha, contudo, que “o povo cabo-verdiano é um povo que tem uma religiosidade muito forte. Eles vivem intensamente a religião e o catolicismo. Nesse aspeto dão-nos verdadeiros testemunhos de fé.”

O pároco de Outurela acredita contudo que nas próximas semanas o cenário será diferente, porque os cabo-verdianos têm outra característica. “Eles vão passando a palavra. Amanhã encontram-se na ida para o trabalho e dizem ‘olha já ouve missa. Não te vi, não foste à missa’. Pomos os avisos, mas os cabo-verdianos não leem muito, passam a palavra. Mais duas ou três semanas está cheio outra vez.”

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