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Da exigência à humildade. Como a pandemia mudou as expetativas para 2020

25 mai, 2020 - 00:08 • Susana Madureira Martins

Primeiro-ministro começa esta segunda-feira a receber partidos com assento parlamentar para apresentar programa de estabilização económica e social.

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Em dezembro, na apresentação de cumprimentos do novo Governo saído das eleições legislativas de outubro, o primeiro-ministro e o Presidente da República previam um 2020 "muito exigente". Dois orçamentos do Estado para apresentar, a preparação da presidência do Conselho da União Europeia, a cimeira da CPLP, o Europeu de futebol e os Jogos Olímpicos.

Da previsão à realidade passaram cinco meses e alguns daqueles desafios estão suspensos e adiados na sequência da pandemia de Covid-19. Agora, para além dos dois orçamentos previstos, é preciso contar com o suplementar ou retificativo, que começa esta segunda-feira a ser negociado e deverá ser apresentado em junho para fazer face a um novo cenário.

Depois de atingir o superavit, a economia do país colapsou, o desemprego está a subir, há 400 mil pessoas a precisarem de ajuda alimentar, tal como referiu o Presidente da República este fim-de-semana. No final da semana passada António Costa desabafou na comissão política do PS que "a vida é assim" e que "é nestes momentos que é preciso ter a cabeça fria e nervos de aço". Com o líder socialista a acrescentar que é preciso o PS ter a "humildade" de compreender que precisa de ter o apoio dos partidos e dos parceiros sociais para o que aí vem.

É com este espírito que arrancam esta semana as conversas do primeiro-ministro com os partidos políticos para definir as linhas do programa de estabilização económica e social.

Na mesma comissão política do PS, Costa definiu os quatro pilares do que deverá ser esse "programa de estabilização económica e social com tradução no próximo orçamento suplementar”.

  • O primeiro pilar é a agilização de procedimentos necessários para que o Estado, as autarquias e as empresas possam investir "com segurança e transparência, mas sem burocracia". Costa quer um "Simplex SOS que auxilie os processos de investimento" e que dê resposta às necessidades da crise.
  • O primeiro-ministro quer acautelar a manutenção das micro e médias empresas, do comércio à restauração, passando até pela cultura, e fala da necessidade de "uma resposta forte" para que no relançamento da economia se possa contar com essas empresas. No fundo, que estejam vivas quando for tempo de relançar a economia. Nesse sentido, já foram redirecionadas verbas de fundos europeus para permitir a essas empresa financiarem a adaptação às novas regras sanitárias. Além disso, o Governo ainda irá subsidiar a realização de pequenas obras em micro empresas, mais com o objetivo de ir dinamizando uma rede capilar na economia, como admitiu recentemente o ministro do Planeamento em entrevista à Renascença e ao Público.
  • O terceiro pilar definido por Costa é a manutenção das medidas que têm sido criadas de proteção do emprego, "reinventar esses mecanismos", com o primeiro-ministro a mostrar-se preocupado com as "jovens gerações que foram atingidas pela segunda vez na sua vida profissional pela crise", sendo as primeiras vítimas do mercado desregulado e dos contratos precários de trabalho.
  • E, por fim, o quarto pilar, de resto o mais abrangente. O da dimensão social da crise, com o reforço do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública e universalidade da escola pública, "que quando fecha as desigualdades emergem", assume Costa, ficando essa garantia de, na abertura do próximo ano letivo, "todos têm o mesmo acesso ao ensino à distância". O Governo ainda não esclareceu completamente como isso será feito e o ministro da Educação admitiu que os meios podem ser entregues às escolas e não aos alunos.

E numa resposta às reivindicações dos habituais parceiros de esquerda, o primeiro-ministro inclui neste quatro pilar a "proteção de rendimentos da classe média e de todos os que de repente perderam salário ou por causa do lay-off ou porque ficaram desempregados", garantindo proteção social e mais uma vez a aposta de um programa de combate à pobreza.

"O próximo ano será igual a todos os anos"

O espírito destas propostas, que serão apresentadas e votadas ao longo das próximas semanas, difere em tudo do que, quer o Presidente da República, quer o primeiro-ministro previam para 2020.

Numa alegre troca de cumprimentos em Belém, após a tomada de posse do segundo governo de Costa, o primeiro-ministro falou do início de "uma nova década com vários desafios estratégicos para ultrapassar em conjunto" e que o novo ano iria ser "exigente".

Nesse dia 16 de dezembro de 2019, os objetivos passavam por "esse desafio existencial que são as alterações climáticas", o desafio da "dinâmica demográfica e da transição para a sociedade digital", com o primeiro ministro a rematar com o desafio que é o "combate permanente pelas desigualdades”.

Antes de oferecer a Marcelo Rebelo de Sousa o cachecol oficial da Federação Portuguesa de Futebol para assistir aos jogos do Europeu (adiados agora para o próximo ano), Costa repetiu o que Marcelo diz muitas vezes: "Quando queremos somos sempre os melhores."

E naquela muito peculiar e habitual troca de mimos entre este primeiro-ministro e este Presidente da República, Costa acrescentou que Marcelo "partilha" esta "preocupação com todos estes objetivos e será sempre atento na forma como o país se mobiliza para enfrentar estes desafios”.

Costa, acabado de tomar posse, prometeu ainda ao Presidente que, da parte do Governo, "sabe com o que pode contar" e que em termos de relações institucionais "o próximo ano será igual a todos os anos", acrescentando que existem "desde o início das funções deste seu primeiro mandato", deixando subentendida a previsão de um segundo mandato de Marcelo.

Nesse dia de Dezembro, há precisamente cinco meses, e antes de tudo o que depois veio a ser dito na Autoreuropa sobre o futuro de Marcelo, Costa fez essa promessa de "manter este relacionamento da forma mais saudável".

Relacionamento esse que Costa classificou como "muito positivo na imagem externa do país e também para a unidade interna do país que aprendeu muito ao longo destes quatro anos da saudável convivência entre órgãos de soberania".

"A exigência é uma sentinela que não pode dormir"

Verdade seja dita, que ambos os líderes políticos, Costa e Marcelo, nesse dia de apresentação de cumprimentos em Belém, usaram a mesma expressão sobre o que iria ser 2020: "exigente”.

O Presidente da República até carregou nas tintas e diria mesmo que "o ano que vem é um ano que é muito exigente" e lembrou as palavras de uma amiga sua "Maria de Sousa [recentemente falecida com Covid-19 https://rr.sapo.pt/2020/04/14/pais/imunologista-maria-de-sousa-morreu-de-covid-19/noticia/189197/] que costuma dizer que a exigência é uma sentinela que não pode dormir e aplica-se bem ao próximo ano".

E, de resto, foi direto ao assunto, referindo que "independentemente da conjuntura europeia e mundial, no próximo ano [2020] serão votados dois dos quatro orçamentos desta legislatura", ou seja, "metade dos orçamentos da legislatura é votada num ano, o que torna esse ano muito importante em termos financeiros e económicos e sociais".

E, de facto, não só se confirmam os dois orçamentos do Estado, como o país ganhou um orçamento suplementar para fazer frente ao impacto da pandemia.

Sim, os meses da pandemia têm sido de unidade entre os órgãos de soberania, mas isso nem sequer é uma novidade para Marcelo e Costa. Em dezembro, o Presidente da República fez o balanço, considerando que o ano que estava a terminar “foi mais um de convivência estável e solidária entre o Presidente e o Governo e com isso se passou, sem que praticamente déssemos por esse facto, passou uma legislatura".

E Marcelo acrescentou sobre a legislatura passada que "quando se olha para trás parece que foi muito rápido, quando se viveu o dia a dia foi muito lento. Mas o que é facto é que passou uma legislatura".

E para pôr um ponto final em 2019, o Presidente da República rematou que "os anos que passaram foram anos de estabilidade política, de estabilidade institucional, de estabilidade financeira e de estabilidade económica e isso foi bom para o país".

Com 2020 à porta, Marcelo avisou que "o que importa aos portugueses é que vai ser um ano em que as questões económicas financeiras e sociais da sua vida serão significativas".

Nesse dia 16 de dezembro o Presidente da República fez ainda uma previsão, ou melhor dito, manifestou um desejo. Daí a um ano nos cumprimentos de boas festas com Costa, "inevitavelmente em circunstâncias diferentes das atuais, qualquer que seja a circunstância", Marcelo queria poder "olhar para trás e dizer que foi um ano estável, politicamente estável, economicamente estável, financeiramente estável e institucionalmente estável".

E Marcelo acrescentou que "isso seria bom e ainda melhor" se se pudesse "dizer que foi um ano que superou o ano anterior em termos de metas na vida dos portugueses”.

A pandemia estragou os desejos e os planos do Presidente da República e só passaram cinco meses.


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