​Reação forte e “coração nas mãos”. Lar de Bragança está a ganhar a guerra contra a Covid-19

14 mai, 2020 - 15:18 • Olímpia Mairos

Zero casos de Covid-19. Registo exemplar da Fundação Betânia, em Bragança, onde tudo é medido ao milímetro.“É uma preocupação, um medo permanente, mas há esperança e fé que tudo corra da melhor forma". O objetivo é não deixar o inimigo entrar e proteger os 70 utentes da Estrutura Residencial para Idosos, os 23 no serviço de apoio domiciliário e os 12 no centro de dia.

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Vigilância permanente, segurança máxima, regras apertadas, organização, planificação, mas, sobretudo, muito cuidado, atenção e amor para repartir. É assim o dia-a-dia na Fundação Betânia, em Bragança, uma instituição da Diocese de Bragança-Miranda, que tudo está a fazer para não deixar entrar a Covid-19.

De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), até 9 de maio, cerca de 39,96% das mortes por Covid-19, em Portugal, tinham ocorrido em lares. Desses 450 óbitos nestas instituições (de um total de 1.126), 243 diziam respeito à região Norte. Até à data, este lar de Bragança não tem registo de qualquer infetado com o novo coronavírus.

“O dia-a-dia é muito exigente e, sobretudo, em termos de preocupação. Até agora as coisas têm estado a correr bem, mas sabemos que esta preocupação se mantém e nós não podemos relaxar um minuto, por isso, o dia-a-dia é de muita preocupação, de muito medo e de cuidados também, por parte de todos nós”, conta à Renascença a diretora técnica, Paula Pimentel.

A instituição da Igreja tem 70 utentes na Estrutura Residencial para Idosos (ERPI), 23 no serviço de apoio domiciliário e 12 em centro de dia.

“Os utentes de centro de dia estão em casa, nunca mais voltaram, mas temos tido o cuidado de os acompanhar. Alguns desses utentes também estão a receber apoio domiciliário, a entrega de refeições”, descreve a diretora técnica.

Na Betânia, a suspensão de visitas aconteceu ainda antes da determinação da DGS. Paula Pimentel conta que “foi um pouco difícil, porque alguns familiares não entenderam, mas quisemos realizar um plano que fosse adequado à nossa realidade”.

A equipa de profissionais é constituída por 51 pessoas, divididas por equipas e por turnos. O objetivo é salvaguardar o contacto entre todos e evitar a propagação da Covid-19.

“Procuramos, desde logo, limitar circuitos. O meu circuito é: entrada, receção, gabinete de direção e o contrário”, exemplifica Paula Pimentel.

Colaboradores trabalham dois dias, folgam dois dias

Na instituição foram criadas equipas, os horários de trabalho foram alterados, os colaboradores fazem dois dias de 12 horas cada turno.

Há quatro equipas para o dia e duas equipas para a noite, que fazem coincidir com as equipas da cozinha. Isto para evitar que haja o contacto entre as várias pessoas. “Se tivermos que isolar, será mais fácil limitar, tendo em conta o número das pessoas daquela equipa”, explica a diretora técnica.

Ao contrário do que acontece em muitos lares, na Betânia as equipas nunca funcionaram em espelho. “Nunca fizemos essas maratonas de muitos dias seguidos”, afirma Paula Pimentel, justificando que precisa que a equipa “esteja bem, de saúde física e emocional”.

“Pensei nessas equipas de espelho para uma situação de emergência. Para já, ainda não houve necessidade. Trabalham dois dias, folgam dois dias, e as equipas nunca se encontram entre si. Têm uma entrada e uma saída distintas. Uma equipa entra por uma porta e já está outra equipa a sair pela outra”, esclarece.

As passagens de turno também foram alteradas, ou seja, não são feitas de forma presencial. Fica tudo registado nos processos dos utentes. Isto para evitar o convívio.

“A equipa do apoio domiciliário não entra no edifício principal, está no edifício ao lado, com instalações sanitárias, para não haver cruzamento e não haver perigo ou um perigo maior”, conta à Renascença a responsável da Betânia.

Para além dos horários de trabalho e dos circuitos, a instituição procurou adaptar-se à nova realidade. “As próprias equipas também foram, desde logo, responsabilizadas para todos os cuidados e medidas de precaução, quer internamente na instituição, quer no exterior”, refere Paula Pimentel.

A responsável desfaz-se em elogios aos funcionários obrigados a trabalhar numa situação muito complicada em matéria de saúde pública. “As equipas têm sido fantásticas, muito unidas, muito atentas e muito disponíveis. E isso é uma grande força para uma casa que funciona 24 horas por dia. E para a direção é uma grande tranquilidade, saber que todos estão a colaborar.”

Visitas vão começar com “máximo de cuidado”

Na Fundação Betânia sempre se procurou promover “uma relação próxima e de total abertura” entre utentes, familiares, amigos e colaboradores. Aliás, os familiares e amigos sempre puderam circular livremente, sem horário definido, pelos diferentes espaços e, assim, “acompanhar, visitar, mimar os nossos utentes”, assinala a diretora técnica.

No entanto, Paula Pimentel considera que “com este problema em mãos, devemos manter, ao máximo, todos os cuidados”. “O problema Covid-19 mantém-se”, alerta a diretora técnica, e, como tal, “temos de preparar um bom regulamento de visitas para garantir a proteção dos nossos utentes”.

Até ter a certeza que estamos livres, as visitas terão de compreender as nossas regras, pois, as noites não dormidas, o desgaste, o cansaço de todos nós não pode agora ser colocado em causa. As visitas e as regras estão a ser pensadas, com carinho e responsabilidade. Compreendemos que as saudades apertem, mas os familiares vão ter que nos ajudar a manter a proteção de todos”, apela.

“Coração nas mãos”. A batalha apenas começou

Desde que a pandemia sanitária começou, Paula Pimentel anda sempre com o “coração nas mãos” e já não se lembra de uma “noite bem dormida”.

É uma preocupação, um medo permanente. Mas também há uma esperança e fé que tudo corra da melhor forma”, diz à Renascença. A técnica refere a necessidade de permanente atenção, porque “a batalha apenas começou”.

“Não sabemos quando é que isto vai terminar. Trabalhamos com um grupo muito frágil e que queremos a toda a força proteger e defender, evitando que o problema se aproxime, evitar ao máximo que o prolema nos bata à porta ou que entre sem bater à porta. É um tormento. Eu passo as minhas noites a pensar se fizemos o melhor até agora. Eu acho que sim… Mas o que é que podemos fazer para melhorar a nossa intervenção? Isto é uma preocupação permanente”, confidencia.

A diretora técnica dá conta de “uma equipa muito forte, muito coesa”. E, como agora não se encontram para conviver, criaram novas formas de comunicação que são também um meio de incentivo e estímulo para a árdua tarefa que têm em mãos.

“Temos um grupo no WhatsApp para que toda a gente partilhe da informação ao mesmo tempo. Se há qualquer alteração ao plano de contingência, toda a gente tem acesso imediato e todos os dias há a preocupação de dizer: ‘Bom dia, grande Família Betânia’, todos os dia há a preocupação de transmitir uma mensagem de esperança e de fé, porque ninguém é de ferro e todos nós somos humanos e, como tal, nem sempre estamos a 100% e tem que haver esse acompanhamento próximo de toda a equipa. Quando alguém está mais fraco, vem alguém no grupo que nos dá força”, conta.

A união faz a força

Outra das grandes preocupações foi reunir “as condições de proteção, nomeadamente a aquisição de equipamentos, que numa fase inicial até foi bastante difícil, porque, para além de não haver, os preços eram exorbitantes”.

E aqui a diretora técnica da Fundação Betânia não esquece “o apoio da autarquia, da CIM-Terras de Trás-os-Montes, da Segurança Social, da associação de estudantes do IPB, que em vez das praxes conseguiram juntar-se e unir-se para angariar fundos para adquirir esses equipamentos de proteção individual, e da própria sociedade civil”.

“Alguns familiares também nos têm ajudado”, conta Paula Pimentel.

“E a grande força de tudo isto têm sido os nossos utentes, que nos têm dado imensa força. Dizem-nos que já passaram por diversas situações piores e que vamos conseguir ultrapassar. Assim como os familiares que nos transmitem muita confiança, que é a base para nós continuarmos a lutar e a evitar que o problema se aproxime. Todos os dias temos a preocupação de fazer melhor, adaptar o nosso plano, adaptar cuidados, para evitar o pior”, comenta a diretora.

Já numa segunda fase houve a necessidade de fechar salas, espaços de convívio, nomeadamente o refeitório e foi limitado o acesso dos utentes por piso.

“Felizmente a nossa estrutura física dá-nos essa facilidade. Para além de duas salas de isolamento, também criámos quatro quatros de isolamento”, assinala Paula Pimental, explicando que “cada vez que algum utente tem necessidade de ir ao hospital, a uma consulta ou a algum tratamento, quando regressa, tem que ficar 14 dias no quarto de isolamento”.

Os funcionários da Betânia trabalham “com máscara, viseiras, quando necessário, luvas”, e a diretora técnica insiste “na lavagem das mãos, que é fundamental.

Uma boa lavagem das mãos resolve muitos problemas”. “E depois têm batas, aventais descartáveis. São 500 aventais descartáveis por semana, máscaras eu já lhe perdi a conta. Manguitos, pezinhos e toucas. São os principais materiais de proteção”, acrescenta.

Idosos escrevem diários. E vai ser editado um livro

“Felizmente temos televisões nos quartos, temos uma técnica de gerontologia e uma psicomotricista que dão apoio aos idosos. Àqueles que ainda podem, pedimos para fazerem diários, no fundo, uma avaliação de como é que estão a viver o momento”, conta Paula Pimentel.

A diretora técnica da Fundação Betânia adianta que há “um grupinho muito empenhado”, que está a pensar “um dia mais tarde, editar um livro” com a avaliação da situação feita pelos próprios idosos.

Na instituição mantêm-se o treino cognitivo, caminhadas no piso, e o grupinho de pessoas autónomas vai ao jardim, em momentos diferentes. “E se o tempo nos permitir vamos já retomar as caminhadas, limitando o número de pessoas em cada atividade”, avança a responsável, realçando que “se tivermos algum problema é mais fácil identificar os casos e os contactos, que é o grande segredo”.

Os idosos também estão em contacto com as famílias através de videochamadas, pelo WhatsApp.

“Tem havido uma preocupação muito grande em manter esse contato. Os nossos idosos eram muito visitados. Pretendemos que as famílias estejam mais próximas, através dos equipamentos que disponibilizamos”, assegura.

Na Betânia, já foram todos testados para a Covid-19, utentes e funcionários. E todos deram negativo ao novo coronavírus.

IPSS do distrito unidas na mesma batalha

Paula Pimentel é também a presidente da União das Instituições Particulares e de Solidariedade Social do distrito de Bragança (UIPSSDB) e, por isso, é natural a inquietação constante. É preciso acompanhar de perto, partilhar informação, preocupações e soluções.

“Tem sido uma preocupação muito grande em acompanhar e fazer chegar toda a informação, a partilha de informação, a comunicação com todas as associadas e acho que temos conseguido, em termos da União”, conta à Renascença, acrescentando que diariamente chegam pedidos de ajuda.

“E isto é importante para dizer que ninguém está só. Estamos todas devidamente articuladas, trabalhamos em equipa, qualquer dificuldade de uma é partilhada e por todas vamos tentar resolver e ajudar a ultrapassar essa dificuldade”, sublinha.

A dirigente diz-se, por isso, “bastante orgulhosa por todo o trabalho de todas as IPSS, porque há um grande empenhamento de todas as instituições, por parte dos dirigentes e colaboradores, e isso também nos dá força para continuar”.

Paula Pimentel destaca também a “excelente articulação com todas as forças, desde a segurança social, às autarquias, a própria proteção civil, forças de segurança. Tem havido um empenhamento muito grande de todas as entidades, para que o sucesso seja visível”.

“No distrito temos que estar todos muito satisfeitos e continuar o bom trabalho desenvolvido por todas as forças. Aqui foi tudo muito controlado e acautelado”, realça, alertando, no entanto, que “a batalha ainda não está ganha e não podemos relaxar, não podemos baixar braços”.

“Temos de manter os mesmos níveis de alerta. Temos de continuar a trabalhar e a garantir que tudo seja feito para evitar o pior”, afirma, destacando a mais-valia das “reuniões diárias com a proteção civil, onde estão todas as entidades representadas”.

A presidente da UIPSSDB considera que o setor social está a “dar uma resposta de excelência”, apesar das dificuldades que já enfrentaram e que, por isso, “precisa de ser olhado com mais atenção” por parte do Estado.

“O nosso setor precisa de maiores incentivos do Estado, muito mais nesta fase em que o investimento das instituições tem sido enorme. Não fossem algumas ajudas, até mesmo da sociedade civil, a aquisição de EPIs poderia ser muito difícil. Os nossos trabalhadores merecem remunerações mais atrativas. Como tal, precisamos do apoio do Estado”, conclui.

A reportagem da Renascença foi realizada no exterior da Fundação Betânia, em Bragança, com material de proteção e foi assegurado o devido distanciamento, como medida de proteção face à propagação da Covid-19. A instituição tem, de resto, o portão principal encerrado. A entrada faz-se por um portão lateral, mas apenas e só para pessoas devidamente autorizadas, nomeadamente os funcionários, fornecedores, empresa de limpezas ou os funcionários da autarquia que diariamente procedem à desinfeção dos espaços exteriores.

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