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Custos do Fundo de Resolução com Novo Banco já somam 7.876 milhões de euros

14 mai, 2020 - 16:37 • Lusa

Do valor investido até hoje pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado.

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Os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já totalizam 7.876 milhões de euros desde agosto de 2014, data da resolução do BES, e mais encargos se poderão somar, segundo contas feitas pela Lusa.

Do valor investido até hoje pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado. Desse valor, 3.900 milhões de euros foram investidos aquando da capitalização do banco (em 2014) e 2.100 milhões de euros nas recapitalizações dos últimos três anos (2017, 2018 e 2019) feitas ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Estes empréstimos terão de ser devolvidos pelo Fundo de Resolução ao Estado até 2046, utilizando para isso as suas receitas, que são as contribuições anuais dos bancos (incluindo o público Caixa Geral de Depósitos).

Já quanto ao restante dinheiro injetado pelo Fundo de Resolução no Novo Banco desde 2014, que não veio de empréstimo do Tesouro, mais de 1.200 milhões de euros foi de receitas próprias (originadas nas contribuições dos bancos) e 700 milhões de euros de um empréstimo feito em 2014 por vários bancos (o qual está a ser pago pelo fundo).

Os custos da capitalização

Foi no "verão quente" de 2014, na noite de 3 de agosto, que o Banco de Portugal, apoiado pelo governo PSD/CDS-PP então liderado por Passos Coelho, anunciou a aplicação de uma medida de resolução ao banco da família Espírito Santo, que no primeiro semestre tinha tido prejuízos de 3,6 mil milhões de euros, resultados que punham a descoberto uma série de irregularidades financeiras.

A medida de resolução criou então duas entidades: o "BES mau", que deixou de poder operar, onde ficaram os ativos e passivos considerados 'tóxicos', e o Novo Banco, que ficou com os depósitos do BES e com os ativos considerados de qualidade, capitalizado pelo Fundo de Resolução (entidade financiada pelos bancos, que está na esfera do Estado e consolida nas contas públicas) com 4,9 mil milhões de euros.

Na capitalização do Novo Banco, uma vez que o Fundo de Resolução não tinha dinheiro suficiente, pediu um empréstimo de 3,9 mil milhões de euros ao Tesouro público, um empréstimo de 700 milhões de euros a oito bancos (CGD, BCP, BPI, Montepio, Santander Totta, Crédito Agrícola, BIC e Banco Popular) e o restante valor foram receitas próprias (300 milhões de euros).

Contudo, rapidamente se percebeu que a capitalização do banco tinha sido ‘curta’, até porque muitos dos ativos do Novo Banco afinal eram "tóxicos" (crédito malparado, imóveis sobrevalorizados).

Assim, em dezembro de 2015, o Banco de Portugal passou para o "banco mau" BES cerca de 2.000 milhões de euros em obrigações seniores que inicialmente ficaram protegidas no Novo Banco, aumentando a capitalização do banco. Tal decisão provocou grandes prejuízos nos investidores dessa dívida, como os grandes fundos de investimento Pimco e BlackRock, que puseram processos em tribunal.

Após várias tentativas falhadas de venda, em 2017, já com o governo PS, foi concretizada a alienação de 75% do Novo Banco ao fundo de investimento norte-americano Lone Star, mantendo o Fundo de Resolução bancário 25%. O Lone Star não pagou qualquer preço, tendo injetado 1.000 milhões de euros no Novo Banco.

Foi nessa venda que foi acordado o mecanismo de capital contingente pelo qual o Fundo de Resolução pode, até 2026, injetar capital no Novo Banco até ao limite de 3.890 milhões de euros, para cobrir perdas com ativos que o Novo Banco herdou do BES.

Contudo, uma vez que as receitas do Fundo de Resolução não são suficientes para acudir às necessidades no Novo Banco, todos os anos o fundo pede dinheiro ao Tesouro público.

Referente a 2017, o Fundo de Resolução injetou 792 milhões de euros no Novo Banco, 430 milhões de euros dos quais vieram de um empréstimo público.

Também em 2018, dos 1.149 milhões de euros postos no Novo Banco, 850 milhões de euros foram de um empréstimo do Tesouro.

Na semana passada foi conhecido que, referente a 2019, o Fundo de Resolução colocou 1.035 milhões de euros no Novo Banco, 850 milhões de euros dos quais vieram diretamente do Estado.

Inicialmente, o valor pedido pelo Novo Banco foi de 1.037 milhões de euros, mas a transferência foi feita com menos dois milhões de euros. A Lusa questionou o Banco de Portugal sobre a diferença, mas não obteve resposta.

Segundo o jornal Expresso, o valor de dois milhões de euros não transferido corresponde aos bónus do Conselho de Administração Executivo liderado por António Ramalho.

Assim, no total, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco já somam 7.876 milhões de euros desde agosto de 2014, dos quais 6.000 milhões de euros vieram diretamente de empréstimos do Estado

Outros custos

Contudo, os custos do Fundo de Resolução com o Novo Banco não se esgotam no valor acima referido. É que ao abrigo do mecanismo de capital contingente o Novo Banco ainda pode ir buscar mais 914 milhões de euros, uma vez que já recebeu 2.976 milhões de euros desde 2017 mas o mecanismo acordado prevê que possa ir buscar 3.890 milhões de euros.

Além disso, nem com os custos do Novo Banco se esgotam os custos do Fundo de Resolução com todo o processo da resolução do BES. Há ainda que somar muitos outros encargos, a maior parte dos quais não são possíveis de quantificar.

Em tribunal há processos relativos à resolução do BES que visam o Novo Banco, que terão de ser pagos pelo Fundo de Resolução caso os contestatários ganhem as ações.

O Fundo de Resolução terá ainda de pagar a quem for reconhecido ter créditos sobre o BES.

A consultora Deloitte concluiu em 2016, em auditoria pedida pelo Banco de Portugal, que os credores comuns do BES recuperariam 31,7% dos seus créditos caso o banco tivesse ido para liquidação, em vez de resolução, pelo que o Fundo de Resolução terá de assumir esse valor (provavelmente no fim do processo de liquidação do BES, que poderá tardar anos).

O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, explicou no parlamento, em 2017, que o Fundo de Resolução ainda pode ser chamado a entrar com mais capital no Novo Banco, caso haja outras perdas que resultem de atividade não protegida pelo mecanismo de compensação.

Nesse caso, segundo o contrato de venda, as perdas têm de ser assumidas "pelos acionistas na proporção do capital" e o Fundo de Resolução tem 25%.

Outros custos a assumir por entidades públicas

Por outro lado, nem só o Fundo de Resolução tem custos a assumir com a resolução do BES e criação do Novo Banco.

Para os mecanismos de compensação dos lesados do BES, o Estado já emprestou 140 milhões de euros para a solução dos lesados do papel comercial (para pagar a primeira prestação das indemnizações) e mais uma garantia estatal de quase 153 milhões de euros. Poderá ainda vir a financiar outras soluções, como para os lesados emigrantes da Venezuela e África do Sul.

Em tribunal há centenas de processos contra entidades públicas sobre o BES/Novo Banco. Apenas contra o Banco de Portugal há cerca de 400 processos em Portugal.

Por fim, há ainda um acordo entre o Governo e a Comissão Europeia sobre o Novo Banco que prevê que, caso haja necessidade de capital em circunstâncias adversas graves e os acionistas não as consigam colmatar, “Portugal disponibilizará capital adicional limitado”. O objetivo de Bruxelas é garantir que o Novo Banco é viável, mesmo que o Estado tenha de intervir.

Cenário alternativo de falência do BES

Perante o grave cenário financeiro do BES, no verão de 2014, a alternativa poderia ter sido a liquidação.

O Banco de Portugal estimou que um cenário de 'falência' não ordenada do BES, como a imediata liquidação ou a bancarrota, teria levado só o Fundo de Garantia de Depósitos a gastar entre 9.000 e 18.000 milhões de euros para reembolsar os depósitos garantidos.

Segundo o documento da Comissão Europeia que aprovou a resolução daquele que era o terceiro maior banco a operar em Portugal, divulgado em outubro de 2014, a resolução ordenada do BES e a criação do Novo Banco foi "a opção menos onerosa para Portugal".

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