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Padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima

“Tenho a secreta esperança de que consigamos recuperar as grandes peregrinações até outubro”

11 mai, 2020 - 17:40 • Ângela Roque

Reitor do Santuário de Fátima espera um 12 e 13 de maio simbolicamente “muito forte”. Em entrevista à Renascença, o padre Carlos Cabecinhas não esconde a preocupação com a crise económica e social na região, onde têm crescido os pedidos de ajuda face à pandemia de Covid-19.

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Pela primeira vez na sua história, Fátima vai assinalar a peregrinação aniversária de maio sem peregrinos. As celebrações, inéditas, vão ter lugar no recinto do Santuário, que estará fechado nos próximos dias 12 e 13, embora os principais momentos tenham transmissão garantida.

Em entrevista à Renascença, o reitor, padre Carlos Cabecinhas, não avança o número exato de participantes nas cerimónias, garante apenas que serão os “estritamente necessários”. Gostava que as peregrinações fossem retomadas “até outubro”, mas não tem “qualquer garantia” de que isso possa acontecer. E fala da situação “dramática” que já se vive na região, onde a atividade económica depende sobretudo do turismo religioso.

Na mensagem que enviou há dias aos peregrinos não escondeu que este é um momento “doloroso” e de “grande tristeza”. Pessoalmente, e como reitor do santuário, tem sido difícil?

Obviamente é um período difícil. Olhar para o Santuário de Fátima vazio de peregrinos, olhar para as nossas basílicas e outros espaços celebrativos vazios, mesmo durante as celebrações que mantemos, é sempre uma experiência extremamente dolorosa e que enche o coração de tristeza. Fazemos um esforço diário por manter as celebrações, e sabemos que muitos nos acompanham à distância, mas é sempre uma experiência particularmente dolorosa este tipo de celebração sem uma presença física dos peregrinos neste lugar, que é um lugar completamente vocacionado precisamente para o acolhimento de peregrinos. Mas temos consciência de que nestas circunstâncias seria uma irresponsabilidade estarmos a promover grandes ajuntamentos.

Havia necessidade de, neste caso concreto do 12 e 13 de maio, o Governo ter publicado um despacho em Diário da República estabelecendo o formato das cerimónias, quem e como se pode participar?

Creio que foi fundamentalmente uma questão de defesa das partes. Havendo uma indicação do Governo de que não são possíveis eventos com mais de 10 pessoas, obviamente nós, na celebração do 12 e 13 de maio, precisamos de mais de 10 pessoas. O conjunto de celebrações, por minimalistas que sejam, exige isso. É verdade que falamos de um espaço muito vasto e ao ar livre, em que os riscos acabam por ficar mais diluídos. Contudo, tendo em conta as polémicas que envolveram nomeadamente a celebração do dia 1 de Maio, acabou por entender o Governo que este era o caminho que defendia as partes.

Portanto, foi para salvaguardar eventuais críticas posteriores?

Estou convencido que sim, que foi essa a lógica, e a nós também nos deixa mais tranquilos, porque há objetivamente uma tomada de posição sobre aquilo que é possível fazer, sobre uma excecionalidade que tem que ver fundamentalmente com o facto de esta celebração envolver mais de 10 pessoas.

Este foi um despacho negociado com a diocese e com o Santuário?

O Governo ouviu o cardeal D. António Marto como responsável, para perceber exatamente o contexto destas celebrações, o que se pretendia e o que era necessário.

Na prática como é que vão decorrer estas cerimónias de 12 e 13 de maio? Quem é que vai participar?

Participarão aqueles que estão, de um modo ou de outro, diretamente envolvidos na celebração, isto é, não haverá convidados nem figuras protocolares, que costuma haver sempre. Mas convidámos três peregrinos que habitualmente vêm a pé, e que vão ter uma presença concreta na celebração. Não foram convidados para assistir a alguma coisa, mas como elementos intervenientes na própria celebração, como uma forma de termos presentes os peregrinos.

No fundo, os peregrinos vão ser, por um lado, os grandes ausentes, mas aqueles que estão mais presentes neste conjunto de celebrações inéditas. Teremos outras pessoas a representar as várias dioceses portuguesas, outras a representar o mundo da saúde, mas todos envolvidos na celebração. É um grupo reduzido de pessoas...

Quantas pessoas?

Não queria estar a quantificar neste momento. Temos as pessoas envolvidas que entendemos ser o mínimo necessário, que intervirão nos momentos previstos no decurso das próprias celebrações.

"Espero uma celebração muito forte, desse ponto de vista simbólico, porque é uma celebração inédita e que desejamos que seja irrepetível, isto é, que não volte a haver circunstâncias que a isto nos obriguem. Mas creio que também serão celebrações que, sem a presença de peregrinos, acabem por ter os peregrinos presentes de uma forma muito intensa"

O recinto estará fechado aos peregrinos. Contam com a colaboração das forças de segurança? Corre-se o risco de haver sempre alguém que tente entrar?

Obviamente que contamos com a colaboração das forças de segurança. Aliás, procurámos desde há algum tempo vir a articular essa ação com os próprios responsáveis de segurança.

Este é um espaço aberto, é um espaço de entrada franca, que nos vai obrigar a um esforço de delimitar o próprio recinto e de fechá-lo para facilitar a vida de todos os intervenientes, e a ação das forças de segurança.

Será um momento simbolicamente muito forte?

Eu espero uma celebração de facto muito forte, desse ponto de vista simbólico. Porque é uma celebração inédita, e que desejamos que seja irrepetível, isto é, que não volte a haver circunstâncias que a isto nos obriguem. Mas creio também que serão celebrações que, sem a presença de peregrinos, acabem por ter os peregrinos presentes de forma muito intensa.

Tirando estas restrições para o 12 e 13 de maio, já é possível visitar o Santuário? O que é que está acessível?

Nós temos seguido aquilo que são as indicações das autoridades civis, das autoridades de saúde. Por exemplo, os nossos espaços museológicos estão fechados, abrirão quando abrirem os outros espaços museológicos. No entanto, nunca houve uma ordem de fecho dos espaços de culto e de oração. Há uma limitação, uma proibição de celebrações com a participação de fiéis, mas nunca houve uma ordem de fecho de igrejas, por isso o Santuário nunca fechou efetivamente portas.

A Capelinha sempre foi espaço de oração, a Capela do Santíssimo Sacramento esteve sempre aberta ao longo de todos estes dias, estão também abertas as duas basílicas, a Basílica da Santíssima Trindade e a Basílica de Nossa Senhora do Rosário, que fecha apenas para os momentos de celebração, até que nos seja possível celebrar com a participação dos fiéis.

Essas celebrações comunitárias serão repostas no final do mês, como está previsto para o resto do país?

Sim, é essa a indicação. Vamos seguir as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa. O Santuário terá sempre de fazer um esforço de adequação, porque a realidade do Santuário é diferente da da maior parte das paróquias, obriga-nos sempre a um esforço concreto de adaptação àquilo que é realidade e a especificidade deste lugar.

As peregrinações aniversárias decorrem habitualmente de maio a outubro. Sabemos que há ainda uma grande incerteza quanto à evolução deste vírus, mas qual é a sua expectativa para o retomar das peregrinações? Será possível serem retomadas até outubro?

Eu tenho a secreta esperança de que consigamos recuperar até outubro as grandes peregrinações, e gostaria muito que a peregrinação de outubro pudesse ser já um grande momento, uma grande peregrinação. Mas é apenas uma esperança, não é nenhuma certeza e não tenho qualquer garantia que aponte nesse sentido.

Toda esta situação tem-nos obrigado a tomar decisões de acordo com a evolução da própria situação, e assim vamos continuar. Teremos de estar atentos ao evoluir da situação, para ir decidindo de acordo com as condições de cada momento.

"No tecido de Fátima, o Santuário sempre foi um interveniente muito ativo deste ponto de vista social. Não nos compete resolver o problema da hotelaria, da restauração ou do comércio, mas compete-nos ajudar, sobretudo, as situações mais graves de carência, e é a esse nível que o nosso contributo é mais significativo"

No início de maio o Papa deixou a indicação de que, este ano, devido à pandemia, as peregrinações marianas devem ser feitas sobretudo espiritualmente. Essa também foi a proposta do Santuário para este 12 e 13 de maio.

Sim. Temos consciência de que, nas atuais circunstâncias, seria uma irresponsabilidade estarmos a promover grandes ajuntamentos, e foi este sentido de responsabilidade - que, no fundo, é uma tradução do amor ao próximo, do cuidado pelo outro, que está no cerne do Evangelho - que nos levou a perceber a necessidade de pensar estes momentos tão significativos lançando o desafio a que os peregrinos os vivam em casa, no coração, e não propriamente com a deslocação a este lugar.

A questão económica também está a preocupar o Santuário? Estes meses de isolamento pesaram muito nas contas?

O Santuário vive das ofertas dos peregrinos, o que significa que sem peregrinos não temos receitas. Temos mais de 300 funcionários, e essa é uma despesa que se mantém sem alteração, mas as receitas praticamente ficaram reduzidas a zero, isto é, tivemos uma quebra de quase 100% nas entradas e nas receitas.

A situação económica está a preocupar-nos muito num nível mais geral e global. O Santuário tem uma dimensão caritativa significativa, e vemos aumentar exponencialmente os pedidos de ajuda, nomeadamente famílias em dificuldades que pedem cabazes de alimentos, que não conseguem pagar receitas de farmácia. Esses pedidos vão chegando cada vez com mais insistência ao Santuário.

Depois, Fátima é uma cidade que vive da presença de peregrinos, com hotelaria, com o comércio, com a restauração, e tudo isso parou, tudo isso fechou, e isto é um problema gravíssimo do ponto de vista económico e social para a região e para a cidade de Fátima.

Estão atentos às situações mais complicadas e a ajudar? Como?

Estamos obviamente atentos. No tecido de Fátima, o Santuário sempre foi um interveniente muito ativo deste ponto de vista social. Não nos compete resolver o problema da hotelaria, da restauração ou do comércio, mas compete-nos ajudar, sobretudo, as situações mais graves de carência, e é a esse nível que o nosso contributo é mais significativo.

Vamos estando atentos e conversando com os vários intervenientes sociais de Fátima, procuramos perceber também os seus dramas e ser também voz deles. Esta preocupação social do Santuário é algo que nos tem acompanhado sempre, e não podemos ficar alheios a uma situação que é absolutamente dramática à nossa volta.

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