06 mai, 2020
O tribunal constitucional alemão exigiu ao BCE que provasse que a sua compra de títulos da dívida, agora e no passado, terá sido “proporcional”. Se as explicações do BCE não forem satisfatórias para os juízes alemães, estes poderão proibir o Bundesbank de participar nesse programa de compras.
É uma possibilidade preocupante, sobretudo para a Itália, mas também para Portugal. Conte, o primeiro-ministro italiano, logo acusou o tribunal constitucional alemão de pôr em causa a independência do BCE. E a Comissão Europeia lembrou que as sentenças do tribunal de justiça europeu prevalecem sobre sentenças nacionais – e este tribunal europeu já aprovou a compra de títulos da dívida pública pelo BCE.
Esta questão não ficará encerrada nos próximos três meses, prazo que o tribunal constitucional alemão deu ao BCE para se justificar. Ao longo dos últimos anos perto de dois mil alemães foram a tribunal, pedindo a proibição legal da compra de títulos pelo BCE, medida que salvou o euro. Novos pedidos se seguirão.
Com a rápida recuperação da economia alemã depois do fim da II guerra mundial, os alemães passaram a adorar a sua moeda nacional, o marco alemão, bem como a intransigente posição anti-inflacionista do Bundesbank, que não hesitava em subir juros ao menor sinal de alta dos preços. Os alemães não esqueciam que, em 1923, foram vítimas de uma híper inflação, que reduziu a pó todas as suas poupanças. Ora o marco alemão era uma moeda forte, porque não perdia valor.
Quando se dá a implosão do comunismo soviético, a Alemanha Federal passou a integrar, também, a ex-República Democrática Alemã, comunista. A reunificação alemã assustou os seus inimigos na II guerra mundial, nomeadamente Thatcher e Mitterrand. Para os acalmar, o chanceler H. Kohl decidiu incluir o seu país na zona euro, então em formação.
Nas próprias palavras de Kohl, esta troca do marco alemão pelo euro amarrava a Alemanha à integração europeia – travando o que ele chamou os “demónios alemães”. Ora a aposta de Kohl não foi alvo de referendo. Daí que continuassem a ter voz ativa os nostálgicos do “marco alemão”. Esta é a bandeira do principal partido alemão na oposição, a “Alternativa para a Alemanha”.
Em plena crise política, com Merkel de saída, a Alemanha, e a UE, precisam de um novo impulso integrador. Para que não regressem os “demónios alemães”, de sinistra memória.